quarta-feira, 16 de outubro de 2013

A "aposentadoria" - José Nilton Mariano Saraiva

De par com toda a carga simbólica que a envolve (a certeza de ter sido “útil” e de não ter passado pela vida “em vão”), a “aposentadoria” deveria se constituir numa espécie de merecido prêmio àquele que durante boa parte da vida “ralou” duro para possibilitar o contínuo “giro da roda” e, conseqüentemente, o evoluir do processo produtivo; e, como natural contrapartida, o desejável seria a formação de um capital mínimo que permitisse ao aposentando um tranqüilo descanso mais adiante (e/ou pelo menos a sobrevivência com certa dignidade).

No entanto, não só no Brasil, mas, mundo afora, o tal do “capitalismo selvagem” (via globalização desenfreada), literalmente “decretou” que apesar da “bagagem” adquirida (conhecimento) e da experiência acumulada ao longo dos anos (o saber fazer), aquele que se aposenta passa a ser uma espécie de “produto descartável”, verdadeiro trambolho a obstar o progresso dos mais jovens e, pois, passível de descaso e desrespeito por parte dos que “estão chegando” (a “meninada”). Excluí-los, portanto, passa a ser a senha vigente; escamoteá-los, a palavra de ordem; deletá-los de vez, uma necessidade.

Assim, não tenham dúvidas de que a tão badalada “reinserção” do aposentado no processo produtivo, cantada e decantada em verso e prosa, não passa, em verdade, de uma miríade distante, verdadeira utopia (ou enchimento de lingüiça), porquanto as barreiras para tal se apresentam a partir do momento em que o “carimbo” de aposentado é aplicado àquele que passou a vida labutando com vigor (mas que ainda assim se apresenta física e mentalmente apto à luta).  

A propósito, permitimo-nos dividir com vocês, aí do outro lado da telinha, a magistral colocação da escritora francesa Viviane Forrester sobre os dois momentos: aposentadoria (01) e pós-aposentadoria (02).

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Sobre a aposentadoria:

“Tantas vidas encurraladas, manietadas, torturadas, que se desfazem, tangentes a uma sociedade que se retrai. Entre esses despossuídos e seus contemporâneos, ergue-se uma espécie de vidraça cada vez menos transparente. E como são cada vez menos vistos, como alguns os querem ainda mais apagados, riscados, escamoteados dessa sociedade, eles são chamados de excluídos. Mas, ao contrário, eles estão lá, apertados, encarcerados, incluídos até a medula. Eles são absorvidos, devorados, relegados para sempre, deportados repudiados, banidos, submissos e decaídos, mas tão incômodos: uns chatos. Jamais completamente, não, jamais suficientemente expulsos. Incluídos, demasiado incluídos, e em descrédito. É dessa maneira que se prepara uma sociedade de escravos, aos quais só a escravidão conferiria um estatuto.”

Sobre o pós-aposentadoria:

“Longe de representar uma liberação favorável a todos, próxima de uma fantasia paradisíaca, o desaparecimento do trabalho torna-se uma ameaça, e sua rarefação, sua precariedade, um desastre, já que o trabalho continua necessário de maneira muito ilógica, cruel e letal, não mais à sociedade, nem mesmo à produção, mas, precisamente, à sobrevivência daqueles que não trabalham, não podem mais trabalhar, e para os quais o trabalho seria a única salvação”.


Porreta, não ???  

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