sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A "Velha Senhora" - José Nilton Mariano Saraiva

Aliando discrição, simplicidade e traços de nobreza, ao nascer ela já conseguira o que parecia impensável: a unanimidade sobre sua beleza e suas formas perfeitas, suas graciosas curvas e sua postura real, responsáveis por sua caracterização como uma “gracinha”, autêntica “jóia”, detentora de um charme indescritível, um verdadeiro presente dos deuses.

Embevecidos e orgulhosos, os cratenses sentíamos imensa satisfação em mostrá-la aos que aqui aportavam, em visitá-la periodicamente ou, simplesmente, em transitar à sua frente ou arredores, admirando-a e inflando o nosso ego com o que as pessoas dela comentavam; e, se distantes nos encontrávamos do torrão natal por algum motivo, não cansávamos de citá-la em conversas informais, ou mesmo recomendá-la aos que pretendiam visitar a cidade do Crato.

E assim sua fama cresceu, atravessou fronteira, espraiou-se rincões afora. O astral era tamanho e a curiosidade tanta, que todos nutriam o desejo interior de algum dia conhecê-la, mesmo que por um fugidio e único momento, para simplesmente comprovar tudo o que dela diziam. E, vindo, e vendo-a, saiam satisfeitos, radiantes, solidários, a difundi-la por outras plagas. Era, realmente, de uma beleza ímpar, diferente... avançada para os padrões da época.

Com o passar do tempo, entretanto, dada à inexorabilidade do ciclo normal da natureza, naturalmente a jovem cresceu, adolesceu, virou adulta, transmutou-se e viu processar-se o arrefecimento de ânimo, o rareamento das manifestações de simpatia; a chegada da rotina, enfim, acabou com o seu encanto e tornou-a “normal”; além do que, por falta de carinho, cuidados e incentivos, seu aspecto físico compreensivelmente decaiu a olhos vistos, enquanto outras beldades, turbinadas por energéticos e vitaminas que a ela passaram a ser negadas, apareceram ao longo do caminho, tomando-lhe o lugar e adeptos, deixando-a no ostracismo e na saudade.

Os que deveriam zelar e dela cuidar, simplesmente a abandonaram criminosamente, deixando-a por muito tempo ao relento, exposta ao sol, chuvas e trovoadas, enquanto seu habitat natural foi indiscriminadamente invadido e ocupado por companhias nada recomendáveis, sufocando-a sem dó nem piedade.
Hoje, sua imagem é de dá pena e dó e dela até temos vergonha: isolada, acanhada, decadente, sitiada, decrépita, evitada pelos antigos admiradores e também pelas novas gerações, abandonada pelo poder público, ela é o retrato mais que preciso, emblemático e pujante daquilo em que transformaram o Crato ao longo desses 40 anos: uma cidade semi-fantasma, sem perspectivas, sem futuro, sem nada, e a reboque de migalhas governamentais.


Quem te viu e quem te vê, Rodoviária do Crato !!!

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