Os anos terminam por nos proporcionar algumas licenças poéticas
que sempre foram quase um monopólio das
crianças. Aos mais erados , quebrado o Cabo da Desesperança, se lhes torna
perfeitamente permitido mentir. As mulheres utilizam, geralmente, esta licença
com a data de nascimento. Começam, pouco a pouco, uma contagem regressiva e,
tantas vezes, acabam se tornando mais novas que os filhos e netos. Nunca se
sabe , quando precisam declinar os anos, se se referem a qual das muitas idades
que possuem : a Real que é um segredo mais guardado que os de Fátima; a Cartorial
que muitas vezes são muitas e variadas e sempre carregam consigo a velha
história que os pais aumentaram a data de nascimento para que pudessem votar;
e, finalmente, a da Aparência, esta, de longe, a mais importante. Já os homens
direcionam esta licença poética para a virilidade. Aí mentem como cachorro de preá,
se apresentando aos amigos como verdadeiros Don Juans seniors, capazes de
maratonas sexuais inatingíveis mesmo
para adolescentes com fogo em dia. E lá vamos todos nos enganando um pouco, com
fins de tocar as inexoráveis limitações que nos imprimem os ponteiros
opressivos do relógio. As mulheres ,meio maracujás-de-gaveta, buscam remoçar da cintura para cima e os
marmanjos madurões e pelancudos, da cintura para baixo.
O
velho Xilderico Capanema, por incrível que possa parecer, fugia à regra. Antes
dos tempos áureos e de anil do Viagra, do
alto dos seus setenta e lá vai pedrada, enfrentou, impavidamente, os determinismos
da Lei da Gravidade. Não mentia para quem quer que fosse, nem a idade, nem os achaques que os anos lhe
trouxeram ao vigor. Usava o lema típico do caboclo setentão:
--- A garrucha velha tá enferrujada ! Se encarcar
o dedo no cão é danado pra bater catolé! Mas enquanto houver língua e dedo,
mulher não me mete medo!
A
sinceridade de Xilderico tinha lá seus efeitos colaterais. Se abria mão das balelas já próprias da idade , não engolia
o caga-gomismo dos colegas da mesma geração. Na frente dele, neguinho ,já
tendente à papa , não se apresentava com consistência de barra de ferro. Aos
poucos, Capanema se foi tornando um desmistificador. Utilizava todos os meios
disponíveis para armar dossiês e
desmascarar os gabões de Matozinho. Pagava a preço de ouro quengas na Rua do
Caneco Amassado simplesmente para saber detalhes de alcova de alguns amigos e
colegas metidos a cavalo-do-cão. Foi ele quem descobriu que o velho Anfrízio,
que dizia não se trocar por um rapaz de
quinze anos, pagava a “Das Virgens”, uma quenguinha de “O Sorriso da Noite”, para ela simplesmente espalhar que ele era um
garanhão ainda na ponta dos cascos. Soube
ainda que Salustiano Canabrava era conhecido entre as meninas de vida fácil por
“Retratista”. Só a peso de ouro conseguiu, com D. Maria Justa, uma das mais
famosas cafetinas da cidade , desvencilhar a causa do apelido:
---
Salustiano brochou já faz mais de vinte anos ! Ele agora trabalha como fotógrafo de praça : é só no Lambe-Lambe
!
O maior pábulo de Matozinho nesta área, no
entanto, chamava-se: Alderico Cilibrino. Funcionário aposentado da Receita
Estadual, o homem se apresentava como um varão bíblico. Contava histórias de
orgias que fariam Casanova entrar em depressão. Pois Xilderico, cavouca daqui, cavouca
dali, descobriu que o homem tinha o
apelido, nas rodas cabarelísticas de “Campainha”. Novamente, nosso Poirot
matozense caiu em campo e revelou-se a melindrosa razão, depois de molhar ,
novamente, as mãos pouco éticas de Maria Justa:
---
Como uma campainha, Alderico só buzina se meter o dedo. Em ladeira bucetina, o carro velho dele só sobe se for reduzido !
De
posse de tamanho dossiê, na frente de Xilderico, quem tivesse rabo de palha,
não acendia fósforo. Ele, assim, podia
tossir toda sua sinceridade sem ser incomodado e principalmente, sem risco de
confronto.
Semana
passada, na Praça da Matriz, alguém resolveu dar uma conselho a Xilderico. Ele
devia pintar o cabelo branco, que já parecia uma roça de algodão, assim era
capaz de remoçar uns quinze anos. Capanema sacou a sinceridade que vinha
cultivando há muito tempo e cuspiu :
---
Adianta, não ! E o pau, sobe ?
Um
dia, no mesmo escritório da Praça,
Xilderico debulhava suas queixas relativas à tempestade dos anos, quando alguém
lembrou de uma solução possível . Havia chegado um pastor de uma igreja
pentecostal na cidade e andava fazendo milagres como no tempo de Salvador. Quem
sabe se Xilderico fosse lá e, na hora da bênção, quando o pastor pedisse para
colocar a mão em cima de um lugar que tivesse alguma doença, ele colocasse,
discretamente, as mãos no meio das pernas, como se estivesse em barreira na
hora de bater uma falta ? Quem sabe ,
assim, um milagre se faria e a virilidade não voltava? Xilderico, com a franqueza de sempre, rifugou o tratamento :
---
Adianta não ! Esse pastor pode até melhorar os moribundos, mas não ressuscita
os mortos ! O milagre de Lázaro, amigos,
é empeleita pra Cristo !
Crato, 23/05/14
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