quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A filosofia conservadora pretende dominar realidade em benefício próprio - José do Vale Pinheiro Feitosa

Entre a utilidade e a inutilidade há um largo continente. Sempre é assim toda vez que resolvemos distinguir as coisas a partir de uma afirmativa ou a sua negativa. Fora da distinção realizada existirão outros atributos das coisas que não cabem no marco de diferenciação. Em outras palavras existe um universo além da classificação de seus termos e conteúdo.

O filósofo inglês Roger Scruton, conservador, diz que “todas as coisas mais importantes são inúteis: amor, amizade, devoção, paz – essas coisas que apreciamos pelo que são e não pelo uso que podemos fazer dela.” E de fato num mundo materialista, consumista e utilitarista esta frase parece revelar algo pleno e, no entanto, deixa de fora toda história da humanidade em relação as inutilidades identificadas por ele.  

Toda a literatura humana e a tradição oral diz muito do amor, da amizade, da devoção e da paz. E diz muito não em termos contemplativos e apenas pelo seu valor intrínseco e significante. É que até onde se pode pensar nestes termos a utilidade é sua marca.

O que seriam os romances, as poesias, as canções e quase todas manifestações de arte e dos textos religiosos se não fosse o uso do amor, da amizade, da devoção e da paz. Em todos eles existe a conquista, a imposição, a concordância, a negação, a traição e o uso normativo como maneira de controlar as pessoas e as sociedades.

Basta que se lembre a famosa Pax Britannica, já em si uma réplica farsante da Pax Romana, para que se entenda a utilidade da paz para os objetivos do Império Britânico no domínio do comércio mundial e de colônias onde o sol nunca se põe. Que se entenda a devoção como útil à manipulação de pessoas sob a forma mais variada de uso, desde o religioso, passando pelo político até o circuito de amigos e da família.

Chega. Não preciso falar mais do amor e da amizade pois certamente o seu uso, também é claro a todos. Mesmo assim soa contraditório quando o filósofo diz que “a beleza é um objeto do amor” encontrando no amor uma dinâmica entre si e seu objeto e, no mundo, tudo que é dinâmico, ação, é passível de utilidade pelos seres humanos.

E novamente retornamos à diversidade. O Ocidente desenvolveu uma forma de compreender o mundo e traduz estas coisas como o filósofo: “O Sagrado e o Belo estão conectados em nossos sentimentos – ambos nos mandam ficar atrás, ser humildes e abandonar nosso desejo inato de poluir e destruir”. E conclui: “vários artistas hoje...têm um senso de que o que há de melhor em sua arte é o ato de consagração.”

Mas acontece que a dependência da arte à devoção e a consagração é uma parte da história humana, não é toda ela. Na própria arte ocidental existe inúmeras formas de arte relevante que denunciam, que confrontam a realidade, que tornam a história um objeto de análise racional.


A conservação é inerente ao desejo da permanência, mas o conservadorismo é uma forma de manter privilégios numa sociedade desigual e por isso quando as dores da desigualdade permanecem o ímpeto é superar, acabar a causa da dor.  

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