sábado, 1 de novembro de 2014

ZÉ ALMINO E O AUTOGIRO - José do Vale Pinheiro Feitosa

Não lembro mais os editores no Brasil. Poderiam ser Codex ou a Abril. Não sei a origem se seria a Enciclopédia Britannica. Mas lembro com precisão da revista Tecnirama, Naturama e outras que esqueci o nome. Eram revistas que resumiam teorias científicas e tecnologias de origem científica ali pela segunda metade dos anos 60.

Muitos assuntos acenderam luzes brilhantíssima naquele, então, jovem rurícola, com ouvidos simultaneamente no rádio (radiolas), os olhos no cinema e os pés em veredas, no canavial, tirando mangas e levantando marolas nas águas do rio Batateira. Agora teve um assunto que levou-me a sonhar acordado como regra para pegar no sono.

Zé Almino, que tinha medo de alma como sei, deixou de ter como ele diz e eu não sabia, não sei se vocês têm conhecimento, é um inventor. Um inventor das causas impossíveis, do pragmatismo, do sonhar é possível, do cutucar o parasita que secreta o impossível. Zé é racional o suficiente para não querer inventar o moto perpetuo, mas se tiver uma brecha, lá isso ele faz. Não perde um segundo.

Ninguém é apenas os traços genéticos uma vez que a realidade molda personalidade. Mas se fosse falar de um modo básico, Zé Almino é o pai como ninguém entre os filhos o é. Um gozador de marca maior, caladão, um olhar sério, enquanto faz acontecer o riso. Mas uma ressalva: caladão em termos iniciais, pois tem a conversa estimulada e ampliada de um César Pinheiro.

Um dado. Quem conheceu o modo sério, atento e sem demonstrar emoção, de observação sertaneja e desconfiada, de Miguel Arraes, vai encontrar em Zé Almino este traço. Não o reconheci em nenhum outro filho do político, embora o xará do Zé tenha algum destes traços.

Mas estou me estendendo muito na personalidade do Zé Almino. O fato é que ambos sonhamos em fazer um Autogiro. Uma espécie de helicóptero primitivo, pequeno, assim como é um ultraleve em relação aos aviões. Vimos na revista Tecnirama.

E tome a estudar os detalhes. Numa varanda da casa de Dona Leonarda, grande projeto de engenharia moderna, ao lado de um pé de cajarana, das galinhas ciscando, o badalo das vacas no curral, alguém com uma lata d´água na cabeça, crianças jogando pião e nós estudando os detalhes do objeto voador, mais pesado que o ar.

Aí vem a diferença fundamental entre Zé e este que vos escreve. Zé já vinha com o argumento do motor, da estrutura, da função das hélices, como faziam o autogiro subir, descer e seguir em frente. A estrutura mínima necessária. A necessidade de um cálculo estrutural e avançou pelas veredas numa tal velocidade que fiquei na rabeira tentando tirar um espinho da planta do pé.

Zé projetava a materialidade do aparelho, enquanto eu já voava nele. Saia de um canto do quintal de casa, subia lentamente até ver tudo embaixo, a copa das árvores, o pessoal de casa, o telhado e subir mais ainda. Pegar o céu azul como um urubu e tomar o rumo do litoral. Claro que meu sonho era cauteloso: parava em algumas cidades para abastecer.

Pense no herói. Era aquele Deus descendo dos céus, como o alemão do Zepelim, as meninas se derretendo em meu coração. Uma fantasia hollywoodiana da fama em canhões de luzes. Uma superioridade que não humilhava e fazia amizade entre os machos que não sei porque cargas d´águas não me expulsavam diante do sucesso com as mulheres da terra deles.

E assim chegava a Fortaleza, vendo o mar. O mar. Sempre ele.  O objeto do desejo. Aquele que tinha se antecipado em barulho ao meu ouvido encostado na grande concha da praia. E outro mar. Com ondas de veículos, ruas cheias de gente, lojas chiques, cinemas fabulosos, teatros, tudo que não havia nas ladeiras da batateira. Tudo mas resplandecente que a cor da cal sob a luz solar. A capital.

E na apoteose do Autogiro, descendo na frente da casa dela. Aquele arco íris do desejo de anular distâncias e sentir os olhos verdes que arrombavam o lago de testosterona e inundava o mundo de luxúrias. A cintura do corpo é a fronteira de dois mundos, para a baixo ou para cima, será sempre uma grande escolha.


Ih! Zé! Foi demais. Que giro na cabeça.  

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