quinta-feira, 2 de abril de 2015

Os elos de uma só cadeia

J. Flávio Vieira

“Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."

Castro Alves ( “Navio Negreiro”)

                                               O lenga –lenga parece cantiga de grilo : não tem fim. Desde os anos 90 roda,  no Congresso,   Projeto de Emenda Constitucional que busca reduzir a Maioridade Penal no Brasil. Em meio ao tiroteio interminável da nossa violência urbana, com frequentes casos de menores envolvidos em delitos, a grande Mídia – reflexo das classes mais privilegiadas do país que lhe patrocina—tem levado a maior parte da população ( mais de 80%)  a crer nesta medida como fundamental para a atenuação da nossa violência urbana. Recentemente a Comissão de Constituição e Justiça apreciou a PEC 171/93, apresentada pela Frente Parlamentar de Segurança Pública, vulgarmente conhecida como  Bancada da Bala, e a proposta foi aprovada por mais de 70% dos votos. Deve agora seguir os trâmites legais e ir, depois, à  votação  na Câmara e no Senado.
                            Nado contra a maré mais uma vez.  Acredito que a Emenda, se aprovada, não só não atenuará o problema, como tende a piorá-lo. Continuaremos  matando algumas formigas na boca do formigueiro, imaginando que assim solucionaremos o problema da saúva no milharal. E as razões que me levam a pensar assim são transparentes. Primeiro , as estatísticas mostram que apenas uma fatia mínima dos jovens , algo em torno de 0,5%, comete delitos. Estes, na sua maioria , são pobres, pouco alfabetizados, negros e residem em áreas em que o Estado sempre se mostrou profundamente omisso. Eles são , na verdade, vítimas do sistema perverso onde estão metidos e não agentes da violência das ruas.  Punir apenas, isenta totalmente o Estado da sua culpabilidade e estaremos, mais uma vez,  mexendo apenas nos efeitos e colocando no baú as causas.  Além de tudo, se resolvesse cadeia para criança, o problema estaria , de longe, resolvido. Temos uma Pena de Morte tácita nas ruas para os menores infratores. Nos últimos vinte anos,  os homicídios de crianças e adolescentes cresceram 350%,  só em 2010, foram assassinadas 24 crianças e adolescentes a cada dia.  
                            Aplicada a nova Maioridade Penal, os presídios,  já perversamente abarrotados, se encherão , agora, de crianças, sujeitas a todo tipo de agressão. Já possuímos a quarta maior população carcerária do mundo.  Delinquentes menores se matricularão, automaticamente, em verdadeiras universidades do crime . Os presídios brasileiros têm uma vergonhosa taxa de reincidência de 70% e a do sistema socioeducativo aplicado, com toda falha desse mundo, não chega a reincidência a 20%. Aprovada a PEC, feriremos , de morte, o Estatuto da Criança e do Adolescente e mais : a Emenda parece de todo inconstitucional. Além de tudo, para nós que nos preocupamos tanto  com a imagem do país no exterior, estaremos agredindo acordos internacionais importantes como  a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil. Por outro lado, a elite brasileira que tanto se preocupa em copiar modelos estrangeiros precisa saber que das 57 Legislações internacionais existentes sobre Maioridade Penal, apenas 17 preconizam maioridade abaixo de 18 anos, ou seja a minoria de tão-somente 29%. Os índices de delitos entre jovens no Brasil de 10%, por outro lado, estão abaixo da média mundial  que é de 11,6%.
                            A aprovação da PEC 171/93, assim, não é só inócua, como perigosa e irresponsável. A chave para minorar a delinquência juvenil no país está na Educação e não na punibilidade. O Estado precisa  olhar para todos e não tratar alguns como filhinhos do papai e os outros como enteados. É preciso , sim, continuar na luta contra a desigualdade social. As vozes que hoje se levantam  a favor da diminuição da Maioridade Penal  são a reencarnação daquelas mesmas que um dia se puseram contra o fim da Escravidão e  a favor do genocídio de Canudos e do bombardeio do Caldeirão.  Elas continuam hasteando os mastros dos seus Navios Negreiros e reerguendo seus Pelourinhos pelas praças deste país.


Crato, 02 de Abril de 2015

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