quinta-feira, 23 de julho de 2015

Num entendo... num entendo...

                                                                                 J. Flávio Vieira


Dinda Bilé foi levado pela família ao psiquiatra esta semana. Contumaz hóspede do Hospital Santa Tereza , ele tivera alta há menos uns quinze dias. Com lua nova, Dinda costumava tresvariar , botava pra conversar “arizias” e respondia a vozes que só ele ouvia. Saíra do nosocômio bem melhorado, com discurso linheiro que só prumo de pedreiro. Depois da Expocrato, no entanto,  passou a palestrar, em solilóquio,  num idioma  esdrúxulo e pouco incompreensível, repetindo, de quando em vez, o mesmo bordão:
                        --- Num entendo, num entendo...
                        Os familiares de Dinda, já acostumados com seus surtos, embora esse parecesse bem diferente, resolveram encaminhá-lo  de volta  ao psiquiatra, temendo uma crise mais grave. Bem mais tranquilo que das outras vezes, Bilé deixou-se levar ao consultório do nosso Freud tupiniquim. Cabelo meio arrepiado como se pressentisse alma penada, olhos inquisidores e vagos, perambulando de um lado para outro como se esperasse um disco voador. Sentou-se na poltrona , defronte ao médico, fitou-o meio desolado e sussurrou:
                        ---- Não entendo, não entendo...
                        Dr. Godofredo  Veronaldo já o conhecia de outros aluamentos. Tinha conversado um pouco com a família, lá fora, sobre os novos sintomas de Bilé. Achou esquisita a postura mais calma do paciente, das outras vezes viera em crise maníaca e com muita agitação e surtos de agressividade. Aproximou-se de Dinda e quis saber o que ele não entendia:
                        --- Dinda, tudo bem ? O que é que você tá com dificuldade de entender, rapaz ?
                        --- A Expocrato ,doutor... Todo ano é  a mesma coisa... depois que acaba, aumentam as moscas e diminuem as moças... Não entendo, não entendo...
                        Dr. Veronaldo sorriu ante a apreciação do lunático e cutucou mais o velho Dinda. Que mais parecia tão incompreensível?
                        --- E a rua num é pública, doutor ? Eu pensava que eu também era proprietário dela. Pois , na Expocrato, apareceram os donos . Parece que entraram com usucapião. Estavam cobrando vinte reais o estacionamento naquela rua que eu pensava que  era nossa. Num entendo... num entendo...
                        O psiquiatra começou a gostar da conversa meio sussurrante de Dinda e tentou decifrar seus outros enigmas.
                        --- Num entendo, num entendo... A Expocrato é pública feita com dinheiro privado ou é privada  e feita com dinheiro público ? Pronde vão as sobras ? Num entendo... num entendo...
                        --- Na Expocrato os burros são os que ficam nas baias ou aqueles que pagam ingressos caríssimos para assistir aos shows de péssima qualidade ? Num entendo, não entendo...
                        --- Estudante foi espancado e roubado num show da Expocrato pelos seguranças . Quem roubava e batia antigamente  num era o bandido?  E agora é o segurança  ? Socorro, chame o ladrão !  Num entendo, num entendo...
                        --- Fui assaltado  três vezes na Expocrato em um só dia, continuou Dinda. Me roubaram trinta reais no estacionamento, depois na barraca me afanaram mais dez reais quando pedi uma cerveja e um garçon me surrupiou cem reais quando inventei de pedir uma carne de sol numa telha. Pensei que era telha de amianto ! Devo fazer um BO, seu doutor ? Num entendo... Num entendo...
                        Dr. Godofredo, surpreso, parabenizou Dinda:
                        --- Rapaz, você tá melhor do que nós !  E tu num dizia que era doido  , Bilé !?
                        --- Doido eu sou, Dr. Godofredo, agora eu num sou é burro, viu ?
                        Dr.  Godofredo  chamou a família e deu o diagnóstico. Ficassem tranquilos:
                        --- O homem tá com mais juízo que nós todos juntos !  Os doidos, amigos, tão tudo solto na rua , organizando eventos, participando das administrações e se passando por sadios. O mundo tá todo às avessas: os lunáticos soltos  e os  equilibrados internos aqui neste hospital ! Por que ? Num entendo, num entendo...

Crato, 23/07/15

                        

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