quinta-feira, 2 de julho de 2015

O prisma


J. Flávio Vieira

                                               Na Sexta-feira última, a Suprema Corte dos Estados Unidos legalizou o Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na prática, os cinquenta estados federados , agora, não mais poderão se negar a consolidar uniões com base apenas na heterossexualidade. A questão do Matrimônio Gay se arrastava há muitos e muitos anos. Desde 1996, havia Lei Federal, emitida pelo então presidente Bill Clinton,  que proibia  esse tipo de união. A partir daí, no entanto, vários estados americanos foram, pouco a pouco , com base em suas Constituições Estaduais, quebrando o veto da Lei de Clinton e emitindo licenças para casamento. Quando da votação histórica , já trinta e seis estados tinham avançado neste sentido, restando apenas quatorze que ainda se mantinham  irredutíveis. Na última sexta feira, por fim, os juízes da Suprema Corte tiveram que decidir se os Estados americanos tinham ou não a obrigação constitucional de emitir as licenças de casamento para casais do mesmo sexo e, mais, reconhecer as uniões feitas nos outros estados da federação. Finalmente, depois de uma longa queda de braços, a bandeira multicolorida terminou hasteada festivamente nos mais recônditos locais dos EUA. A decisão da Suprema Corte, é bom que se entenda, não só permite um ato simbólico de casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas estende os benefícios sociais e pensões públicas aos parceiros dessas uniões.
                                   A decisão do último fim de semana já nem parece tão polêmica aqui no Brasil. Nos últimos anos, a questão, entre nós, já parece totalmente sobrepujada. Nossos tribunais já têm clara orientação de proceder aos enlaces independentemente de sexo. Aos poucos , como é de se esperar, as solenidades vão ficando perfeitamente naturais. Quem hoje ainda lembra da polêmica questão do Divórcio, que acalentou fervorosas discussões no Brasil nos Anos 70 ? Hoje é um ato tão simples e corriqueiro como o matrimônio. A Libertação dos Escravos movimentou toda a Sociedade Brasileira no final do Século XIX em times a favor e contra. Hoje tentamos, todos, nos esquecer daquela violência institucionalizada. Como sempre, as Lei vêm sempre a reboque do curso natural dos comportamentos e costumes.
                                   Talvez o mais chocante na decisão da Suprema Corte  more na constatação de  como um país de primeiro mundo como os EUA, a mais importante Economia do planeta, tenha demorado tanto para tomar uma decisão tão importante e libertária. Como um país tão avançado e aparentemente liberal nos seus costumes permaneceu cego durante tanto tempo ? Como fechar os olhos para a realidade cristalina à nossa frente? A família deixou de ser aquele idílico núcleo de pai-mãe-filhos. Hoje as possibilidades são infinitas : mãe-mãe-filhos, pai-pai-filhos, avó-avó-filhos-netos, mãe-sozinha, pai-sozinho, mãe-doador de sêmen-filhos, pai-mãe-barriga de aluguel-filhos, doador de sêmen-barriga de aluguel-filhos-pai adotivo ... Como compreender, assim, que um casal de gays,  vivendo muitos e muitos anos juntos, construindo todo um patrimônio a quatro mãos, com a simples separação do casal, uma parte seja totalmente prejudicada, sem qualquer intervenção possível do Estado ? E em caso de morte de um dos cônjuges,  onde estará a justiça para fazer o viúvo/viúva herdeiro, com direito à pensão do seu parceiro ? Qualquer um dia nós pode carregar sua carga de preconceitos, suas pessoais interpretações religiosas, mas o Estado deve ser um juiz totalmente imune a quaisquer tipos de preconceitos e, mais que tudo, laico.
                                   O utilitarista Stuart Mill dizia, com propriedade, que apenas uma coisa justificaria a criação de uma Lei: impedir que minha liberdade fira a liberdade dos outros. A justiça , assim, não tem jurisdição sobre o  banheiro, a alcova, os hábitos de vida, os desejos de qualquer cidadão desse planeta. A ninguém deve interessa o caminho que qualquer um tome, com quem cruze na sua viagem, desde que não se atropele ninguém no percurso  : cada um de nós determina o sentido e a direção da própria vida. O Estado deve apenas estar, a todo instante, do nosso lado,  nos amparando  e auxiliando  no itinerário. Em tempos de tamanha violência, de tanto individualismo, que o Amor floresça como rosa, como lírio, como cacto !
                                   De qualquer maneira, a sentença da Suprema Corte  traz consigo um simbolismo  imperecível.  Os grilhões do conservadorismo terminam sempre quebrados pela gazua da modernidade. Desde sexta-feira última, o mundo ficou mais respirável. Ante a luz ofuscante do passado opressivo insinuou-se o prisma do novo e refez-se o milagre da refração com o Arco-Íris pintando o mundo de esperança.


Crato, 02/07/15

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