quinta-feira, 3 de setembro de 2015

NA LAGOA
Lagoa Rodrigo de Freitas, Sacopenapã ou Piraguá. Água, peixinhos, mangue, galhos e biguás. Num ouvido a coleção lacustre. No outro a feroz explosão dos motores sobre rodas.

Tudo em volta é presença humana. Até na lagoa. Nos céus e nos morros.

Na orla, uma faixa compartilhada. Bicicletas pedalando gente. Executivos, empregados, atletas para a academia, encontros em silenciosos ciclistas movidos a energia elétrica.

E uma mulher com rosto de pássaro passa correndo em sentido contrário. E tem uma regra média: cenhos angustiados, suados, pálidos e sufocados. Tudo isso pela vida. A vida igual à posição social e econômica: corrida.

E todos se movem na órbita de sete quilômetros e meio. Um homem de cabelos de nuvem vem por cima da mureta à beira lago num passo ágil como uma espécie de prevenção do Mal de Alzheimer.

Eis que alguém por trás se aproxima confessando que Daniela não fala mais com ela. E quanta gente mais não fala com ela. Na Lagoa apenas a sua companhia. Mas o afastamento de Daniela é a dor da proximidade.

E os prédios na margem da Lagoa. Há que nomear-se em alguma língua, como francês ou inglês, jamais português. Isso faz parte da escalação social. Há que negar sua origem. Agora é outra coisa. Mora na Lagoa.

E estudiosos da epidemia de suicídios em indígenas do Amazonas identificaram origens na perda da língua materna. E andamos na lagoa pensando que é imensa a população bilíngue do mundo e nem por isso suicida-se. Como os prédios dos moradores da Lagoa.

Mas a questão não são as duas línguas. É a extorsão de sua língua e imposição de novos valores na língua que matou a sua. É o português rasgando cada folhelho do fruto do coração.

E a mulher com rosto de pássaro passa novamente, já fez a órbita inteira. Não porei neste cesto as inúmeras obras, visões e cenas da Lagoa. Mas é impossível, ao passar em frente a Ipanema, olvidar um cantinho, o violão, o Corcovado, o Redentor que lindo.

São varandões escancarados para toda a visão da Lagoa e dos morros. Corcovado, Sumaré, Vista Chinesa e tudo que no largo do mundo exista. Porém todas varadas estão fechadas. No máximo uma pequena brecha.

Embaixo do arvoredo das margens o vendedor de coco despeja doçura e sedução sobre a cadela da madame. Despeja em tal volume que transborda para as delícias seduzidas que a madame não tem em casa.

A mulher com rosto de pássaro completa outra volta na Lagoa e eu nem a metade. E o alemão, aposentado de uma multinacional gentílica, a família desapareceu, hoje a Fonte da Saudade é o seu lar e a Lagoa sua caminhada. Todos os dias à mesma hora. Falando o tempo todo segue na companhia de um senhor com feições e corpo de general cearense aposentado.

A Lagoa é, agora, um sítio permanente de atletas trocando ideias com as consequências da Torre Babel. Tais visitantes, com suas mochilas, certamente pertencem à economia das Olimpíadas. Mas não é isso mesmo que se precisa, movimentar-se para sair da crise?

Sei. A caminhada é longa. Especialmente para o Facebook e ainda faltam mais de duzentos metros para completar a volta. E uma mulher passa dizendo que os helicópteros de passeio não mais voam por causa da crise.

Eu logo imagino. Silêncio nos céus do Corcovado.

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