NA LAGOA
Lagoa Rodrigo de Freitas, Sacopenapã ou Piraguá. Água,
peixinhos, mangue, galhos e biguás. Num ouvido a coleção lacustre. No outro a
feroz explosão dos motores sobre rodas.
Tudo em volta é presença humana. Até na lagoa. Nos céus e
nos morros.
Na orla, uma faixa compartilhada. Bicicletas pedalando
gente. Executivos, empregados, atletas para a academia, encontros em silenciosos
ciclistas movidos a energia elétrica.
E uma mulher com rosto de pássaro passa correndo em sentido
contrário. E tem uma regra média: cenhos angustiados, suados, pálidos e sufocados.
Tudo isso pela vida. A vida igual à posição social e econômica: corrida.
E todos se movem na órbita de sete quilômetros e meio. Um
homem de cabelos de nuvem vem por cima da mureta à beira lago num passo ágil
como uma espécie de prevenção do Mal de Alzheimer.
Eis que alguém por trás se aproxima confessando que Daniela
não fala mais com ela. E quanta gente mais não fala com ela. Na Lagoa apenas a
sua companhia. Mas o afastamento de Daniela é a dor da proximidade.
E os prédios na margem da Lagoa. Há que nomear-se em alguma
língua, como francês ou inglês, jamais português. Isso faz parte da escalação
social. Há que negar sua origem. Agora é outra coisa. Mora na Lagoa.
E estudiosos da epidemia de suicídios em indígenas do Amazonas
identificaram origens na perda da língua materna. E andamos na lagoa pensando
que é imensa a população bilíngue do mundo e nem por isso suicida-se. Como os
prédios dos moradores da Lagoa.
Mas a questão não são as duas línguas. É a extorsão de sua
língua e imposição de novos valores na língua que matou a sua. É o português
rasgando cada folhelho do fruto do coração.
E a mulher com rosto de pássaro passa novamente, já fez a
órbita inteira. Não porei neste cesto as inúmeras obras, visões e cenas da
Lagoa. Mas é impossível, ao passar em frente a Ipanema, olvidar um cantinho, o
violão, o Corcovado, o Redentor que lindo.
São varandões escancarados para toda a visão da Lagoa e dos
morros. Corcovado, Sumaré, Vista Chinesa e tudo que no largo do mundo exista.
Porém todas varadas estão fechadas. No máximo uma pequena brecha.
Embaixo do arvoredo das margens o vendedor de coco despeja
doçura e sedução sobre a cadela da madame. Despeja em tal volume que transborda
para as delícias seduzidas que a madame não tem em casa.
A mulher com rosto de pássaro completa outra volta na Lagoa
e eu nem a metade. E o alemão, aposentado de uma multinacional gentílica, a
família desapareceu, hoje a Fonte da Saudade é o seu lar e a Lagoa sua
caminhada. Todos os dias à mesma hora. Falando o tempo todo segue na companhia
de um senhor com feições e corpo de general cearense aposentado.
A Lagoa é, agora, um sítio permanente de atletas trocando
ideias com as consequências da Torre Babel. Tais visitantes, com suas mochilas,
certamente pertencem à economia das Olimpíadas. Mas não é isso mesmo que se
precisa, movimentar-se para sair da crise?
Sei. A caminhada é longa. Especialmente para o Facebook e
ainda faltam mais de duzentos metros para completar a volta. E uma mulher passa
dizendo que os helicópteros de passeio não mais voam por causa da crise.
Eu logo imagino. Silêncio nos céus do Corcovado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário