sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

SÓ UM SUSTO NA CORRUPÇÃO - Dr. Demóstenes Ribeiro (*)


Certo dia, Adonias se enfeitiçou por uma filha de Iansã, foi pra Salvador escreveu que não voltaria mais. Entrei em desespero e jurei não me envolver com mais ninguém - com a ajuda de Deus, criaria o meu filho! Meses depois houve o concurso da Polícia Militar e eu fui aprovada. Após a fase de treinamento, fui destacada para o patrulhamento na Beira Mar, em dupla com um colega, quase sempre de manhã.

Ali, as pessoas que caminhavam ou corriam, eram rostos anônimos, pouco a pouco tornados familiares. Com o tempo percebi que um senhor olhava demoradamente para mim. Até então, nenhum bom-dia, nenhum aceno de onde a minha intuição só enxergava carência e solidão.

Veio o Dia Internacional da Mulher e ele me surpreendeu com um ramalhete. Eu timidamente agradeci, sob a ironia leve do colega. Sem saber o seu nome, a partir daí os bons-dias se sucederam de maneira formal. No Dia dos Namorados, passando apressado, ele me deixou um presentinho e um cartão. Tamanha a surpresa, foi tudo tão rápido, eu nem pude recusar. Havia um número do telefone e um anel. À noite, liguei hesitante e agradeci. Dias depois nos encontramos. Era um viúvo que não queria mais viver sozinho.

Esperei o tempo de Deus e nos casamos. Vicente é engenheiro, eu deixei a polícia e me formei em contabilidade. Trabalho no seu escritório de projetos e somos uma família normal. O meu filho estuda arquitetura e o tem como um verdadeiro pai. Nós conversamos bastante e estamos indignados com a situação atual. Assim, participamos ativamente daquelas manifestações.

Numa delas, estivemos à frente da multidão, eu entre Vicente e o meu filho, braços dados a universitários, secundaristas, donas de casa e profissionais liberais. À entrada do prédio, havia uma barreira policial, porém ex-colegas me reconheceram e nos deixaram avançar. Na tribuna um demagogo homenageava um vagabundo qualquer. Não sei como, mas logo atrás de nós surgiu um grupo de mascarados fortões trazendo barra de ferro, corrente e soco-inglês. Foi uma correria geral.

No plenário, em pânico, o velho corrupto desmaiou. Outro, ajoelhado e sob a ameaça de um porrete, jurava defender o povo desde o tempo de líder sindical. Um chilique jogou o baitola nos braços do machão, antigo coronel da ARENA, e os dois fugiram para o banheiro das mulheres. A gordona, chorando, se escondeu embaixo da mesa e padecia sufocada. O histriônico se borrou todinho e a grande liderança ficou toda urinada.

De tão hilariante o espetáculo, o pessoal nada quebrou e se sentiu vingado. Saímos rapidamente pela porta dos fundos e a PM fez de conta que ia atrás. Dei um tchauzinho pros ex-colegas e a massa iniciou o Hino Nacional. Ninguém parava de rir e Vicente era só felicidade: ele é de sessenta e oito, esteve na passeata dos cem mil e ainda não perdeu as ilusões.

Foi só um susto na corrupção e a coisa parece não ter jeito: é mensalão, lava-jato, petrolão... E até já escalamos a seleção da penitenciária: Cerrado – Primo, Babel, Boca Mole e Caju – Indio, Santo e Mineirinho – Ferrari, Todo Feio, Caranguejo e Angorá.

Que valha-nos Deus e Nossa Senhora!


(*) Médico-cardiologista (Fortaleza-CE)

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