sexta-feira, 17 de novembro de 2017

POBRES ANALFABETAS” - José Nilton Mariano Saraiva

Até certo tempo atrás, eram comuns “homenagens” aos ídolos do futebol, música e cinema, por parte de pais “torcedores fanáticos”, através da tributação, preferencialmente ao primogênito, do nome de algum deles. No entanto, um outro tipo de homenagem era muito comum entre genitores normalmente humildes e de parca cultura, e que merece ser lembrada: batizar o rebento com um nome estrangeiro, uma “sopinha de letras” de difícil pronúncia, capaz de “enrolar a língua” de qualquer um “metido a besta”. Não importava a origem do nome, quem o usava (se se tratava de algum marginal ou uma autoridade constituída). O que valia era a “boniteza” da grafia e, principalmente, a dificuldade que os “analfabetos” tinham de pronunciá-lo.

Pois foi estribado em tais “conceitos revolucionários” que o pai de um nosso colega de trabalho resolveu batizá-lo com o pomposo nome de Zwínglio (aos desavisados, a principal referência sobre, é o suíço Ulrich Zwínglio, teólogo e principal líder da reforma protestante naquele país; portanto, um nome de peso e com história, mas que o pai certamente não conhecia).

Fato é que, de tanta ouvir o pai se “gabar” com os amigos do nome estrambótico e difícil que tinha posto nele, nosso amigo assimilou “ipsis litteris” todo aquele arrazoado laudatório e, ele próprio, a partir de uma certa idade, passou a se vangloriar do nome e, tal qual o nosso rei Roberto Carlos, a se achar “o cara”. Ria às escancaras quando, ao fornecer informações para um cadastro qualquer nas lojas comerciais, observava a extrema dificuldades e a cara de espanto daquelas moçoilas/entrevistadoras que preenchem as fichas respectivas: “Por favor, senhor, “Zu...” o quê ???”, lhe inquiriam. E nessa oportunidade, como se fora um paciente professor catedrático, todo “cheio de razão”, fazia questão de citar, uma a uma, aquelas letras famosas, caprichando na dicção: Z – W – Í – N – G – L – I - O. E se punha a rir com a cara de espanto daquelas “pobres analfabetas”.

A adoração pelo próprio nome virou mais que mania, tornou-se uma verdadeira obsessão, tanto que, 200 anos antes de casar, ele já decidira que o primeiro filho receberia na pia batismal o mesmo nome do pai (afinal, era uma rara oportunidade de homenagear o avô (seu pai), que mesmo pouco letrado, tivera a ideia brilhante de arranjar-lhe um nome tão “porreta”).

Assim, constituiu-se uma tremenda surpresa o nascimento de uma robusta criança do sexo feminino e não um “homem”. E agora, o que fazer, se perguntava atarantado. Eis que, como num passe de mágica, absorveu o choque rapidamente através da adoção de uma solução simplérrima - “feminilizar” o próprio nome, trocando o “O” final pelo “A”, daí que a filha chamar-se-ia “ZWÍNGLIA”. Pronto, resolvida a questão, até mesmo porque... com ele ninguém podia. Era um gênio.

Anos após, evidentemente que quando começou a se entender por gente (ao adolescer), a filha criou verdadeira ojeriza, aversão azeda ao próprio nome, a ponto de ter vergonha de citá-lo em conversas particulares e, principalmente, em público. Quando absolutamente necessário pronunciava-o quase sussurrando. Virava uma “fera ferida” quando o pai, na ânsia de mostrar ao mundo o que era um nome bonito e charmoso, a chamava pelo nome exótico, em voz alta. Para ela, seu pai “tava doido varrido ou bêbado” quando decidiu batizá-la com aquela “praga de nome”. Pra encurtar a conversa e já que não tinha jeito, Zwínglia resolveu que a partir de então seria simplesmente “Zu”. E não admitia tergiversações. Se o pai não gostasse que fosse à PQP. Se possível, sem passagem de retorno.

Enquanto isso, na solidão da sua última morada, Ulrich Zwínglio ainda hoje deve estar se contorcendo e se questionando se merecia tal tipo de homenagem de um habitante da terra “brasilis”.


Post Scriptum:

Nos dias atuais, o pai certamente preferiria homenagear o jogador da seleção alemã BASTIAN SCHWEINSTEIGER (alguém aí sabe pronunciar ???).



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