terça-feira, 15 de janeiro de 2019


AS CIDADES VIVIDAS – ARARIPE

O viajante das léguas e do tempo sobre a Chapada do Araripe, se não descer a serra em Santana, seguirá pelo planalto até declinar na cidade, também denominada Araripe, um pouco mais afastada da elevação.

Um fervor histórico formou esta cidade. A história, como sabemos, é fruto da política praticada pelos poderes religiosos e laicos. Formou-se uma nova comunidade, atrelada ao modelo imperial, do então Brasil independente, pós-guerras napoleônicas e da era do Imperialismo Inglês.

O fervor religioso, acompanhado pelo carisma do Padre Henrique José Cavalcante, foi atraindo gente dos outros sítios de Santana, Assaré e pelos Inhamuns e Campos Sales adiante. As famílias foram chegando por aí, mas com um forte pé nas vizinhanças piauienses e suas boiadas pelo Vale do Médio Parnaíba.

As lutas pela emancipação da comunidade, com base familiar, sempre se acompanharam dos eventos históricos fortes nos séculos XIX e XX: a freguesia de Santo Antônio do Brejo Seco, depois evoluído para Município com o mesmo nome para finalmente, 1889, na Proclamação da República tornar-se Araripe. 

Araripe tem uma espécie de ilusão de compreensão, atordoando o transeunte que em seu espaço chega. As primeiras impressões espaciais se igualam às cidades sertanejas, com ruas empoeiradas, um silêncio de clima seco, o cheiro de criação, as audições do badalo de chocalho e a depender do horário do dia, madrigais de passarinhos se espalham pelos “locus” da cidade.

Uma vez superado o sentimento do espaço, introduz-se o tempo humano e seu trabalho e assim encontra-se o território plenamente centrado na família numerosa, aparentada, seguindo todo o modelo, quase clânico, como faz cultura e se organiza politicamente.

Os Alencar, os Almino, os Arraes e tantos outros entrelaçamentos, onde o viajante extrai a formação de poder e família que se projeta nos principais pilares do Estado e da Sociedade. Quando o transeunte é acolhido numa roda de conversa, jamais cite alguém ou se mostre admirado por um espécime do gênero humano, ninguém é indivíduo congelado, todos estão solvidos no arco do tempo e do espaço do regato familiar.   

Um dia Padre Limaverde tornou-se vigário de Araripe. Aliás este Padre exótico fez o mapa do Ceará, se teve notícias dele em povoações juntas ao litoral e agora nesta viagem, numa Chevrolet verde Cabine Dupla, foi transportado até sua paróquia.

Ninguém veio busca-lo. Em Araripe chegou e num quarto da casa paroquial guardou tudo que tinha na vida, não ultrapassava muito de vinte quilos, inclusive livros. Mas levava uma carne preparada para comemorar no almoço.

As partes firmes do corpo de uma cobra jararaca, já preparada e temperada, precisou apenas ir ao fogão. Comeu com uma alegria que encantou os demais comensais de outras iguarias, numa verve impossível do viajante repetir, porque apenas, junto ao Padre Limaverde, seria possível sentir os cânticos dos jardins do paraíso, numa explanação exuberante e otimista.

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