terça-feira, 15 de janeiro de 2019


AS CIDADES VIVIDAS – SANTANA DO CARIRI

O viajante, que subiu a Chapada do Araripe, pisará a teia de aranha do tempo e seus rastros se misturarão à poeira dos passos corridos do povo Buxixé que percorria o planalto, até descer nas vertentes do vale do Cariús. 

Na borda do arenito da Formação Exu, um cruzeiro a 750 metros de altura, desperta as sobrecapas das levas humanas, criando territórios de histórias milenares, que imitam as camadas sedimentares, a oferecem, ao visitante, o panorama da idade da terra. 

Junto ao povoado do Cancão Velho tudo é mundo e tudo é história. Desde a separação ruinosa das placas da terra, regredindo o oceano e deixando pedras dos corpos entardecidos da vida de então e depois um lago onde se imprimiram em milhares de anos as tênues partes do corpo de lepidópteros.

E as camadas sedimentares da história humana, com as inscrições rupestres, na mirada do alto do Cruzeiro, as lendas dos povos cariris e a chegada violenta doS europeus, com as pestes em seus corpos e o chumbo com pólvora nos braços, o dedo no gatilho e as boiadas a tomar as terras e suas emanações de vida.

E na camada superficial, mesmo aqueles viajantes mais apressados, que apenas enxergam a face da terra, encontrarão a oração de Sant´Ana: Senhor, Deus de nossos pais, mesmo quando pais nossos não foram, que concedeste a graça de gerar a vida, dali extrair os filhos que lutam para sobreviver, em meio à fúria dos rituais do dinheiro e da ganância, na borra ritualística extraída das nossas almas originais, então maculadas em sede de vingança e medo do amanhã. 

Santana do Cariri por tuas ruas compridas, nascidas na base da serra e alinhadas em rumo do Brejo, tenha por certo a pureza de coração, a paciência da espera, porém se conectando ao correr do tempo e das eras, enxergando mais do que uma civilização além mar, achando os corpos d´África e toda a força daqueles que nestas terras já estavam.

Que tu, viajante destas terras belas, com teu véu (chapéu) de duas cores, um marrom para representar a simplicidade da síntese de quem tem os arremates das camadas do tempo e o verde para que renasças deste longo sonambulismo das gôndolas dos supermercados ou das vitrines luminosas dos shoppings.

Quando em Santana do Cariri encontre-se com sua filha a Senhora da Luz e deste encontro saiba que tudo o que possas compreender em rastros, símbolos e vida, foi o esforço de um filho, preparado intelectualmente, no Seminário do Crato, que fundou a compreensão Plácido Cidade Nuvens das camadas do tempo e da história humana.

Seja Santana do Brejo Grande, Santonópole e afinal o teu Santana do Cariri, eis, de algum modo a tática europeia de implantar-se no Novo Mundo: transpor os símbolos de sua história para os Cariris Novos. E fizeram isso porque precisavam dar sentido à invenção da civilização mercantil: a isso disseram sincretismo. Afinal todo arranjo é sincrético em religião, lendas, símbolos e língua.

Sabe o viajante que nas ruas de Santana, correu sangue da guerra dos coronéis, das rixas políticas do Século XX, assim como até esqueceram do padre que um dia bebia com os amigos quando um disse: nesta terra só quem não bebe é o sino da igreja. E o padre, audacioso, disse: sino bebe. Ele bebe! Desceram o sino e o banharam em cachaça. Só que na movimentação, no tombar do sino, ele rachou.

E, a partir daí, ficou roufenho. Como cordas vocais partidas entre os componentes que o viajante encontrará de três continentes da história humana e toda as eras geológicas, que a indústria cínica do extrativismo chama Pedra Cariri. Aquelas que se tornarão pisos de praças malcuidadas do interior do Ceará.  

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