AS CIDADES VIVIDAS – NOVA OLINDA
Nova
Olinda se esconde do viajante. Fica numa reentrância da Chapada do Araripe a
depender por onde o destino conduz. Ao deixar o litoral e descer pelo sertão
central do Ceará, passando na região dos Inhamuns, após algumas serras o
andante chega lá.
Quando
vem pela região do Cariri o viajante é obrigado a atravessar a Chapada do
Araripe e seguir descendo por grotas, alcantilados sedimentares, cortados tão
verticais que lembram as paredes de cânions litorâneos. E ali brotam olhos de
água doce.
A
velha Tapera que fermentou um tempo, ao invés do abandono. Lenta transformação
que perdeu o sentido dos propósitos. Numa manhã de inverno atravessava a Ponte
de Pedra, no lapso de dois mundos, aquele que vivia para morrer e o que morria
para viver.
A
velha Casa Grande, nascida dos currais e dos tangerinos atravessando os sertões,
até os matadouros e salgadeiras, que maturaram o produto da carcaça em cortes e
o transportaram no lombo de animais para, depois de muitas léguas, embarcarem
nos mares bravios, aos quais vaqueiros nem imaginavam como eram.
Alguma
parte da carne, tornou-se carne-de-sol no prato do povo da Tapera. Assim como
parte do couro foi curtida e ali transformada em sola e amolecida após ser
tingida e ao final artesãos a transformarem em selas, arreios, perneiras, gibões,
alpercatas, botas e açoites, de muitas tranças, lindas peças que poderiam
lanhar a carne do açoitado.
Tudo
era uma névoa do tempo. Uma espécie de final de ano que mal recordava o início.
Por certo alguém, com as veias circulando do seminário de Olinda deu à velha
Tapera o Novo tão distante dos recifes.
E
a moda pegou, tem Nova Olinda do Norte no extremo do Amazonas, tem Nova Olinda
do Maranhão e até uma Nova Olinda da Paraíba. Afinal não foi por algo distinto,
que a vetusta freguesia portucalense, dos Templários e dos bispos poderosos tais
qual Marqueses, resultou, em pleno solo úmido dos Cariris, numa Crato
substitutiva da Missão original.
O
viajante encontra em Nova Olinda três minaretes que coçam o céu da mitologia. O
primeiro desanuvia o panorama em sentidos gênicos, sejam animais, minerais ou
vegetais. Tudo se move no presente dos vivos e na borda do fantástico
simbólico, na analogia das formas rotineiras com aquelas da eternidade
mitológica.
Alemberg
Quindins e Rosiane Limaverde transformaram os trapos da história, numa teogonia
esplêndida, onde todos os sentidos se voltam aos que nascem, se transformam e
se expressam com uma autenticidade nunca antes vista naquela simbologia
superada da aldeia abandonada.
Afinal
Nova Olinda chegou ao apogeu do seu propósito (de ser uma linda situação para o
seu povo). Mas não veio com os versos de cavalaria, na métrica dos poemas dos
trovadores. Esta Nova renasceu como uma revelação de Vinhos da Alma, produzido
a partir da mistura de cipós e folhas. Portanto, surgiu da relação dos seres
mutantes da floresta, com a burguesia rígida das tramas viárias.
Do
mesmo modo, fazendo parte da mesma mesquita, o segundo Minarete reflete a
esquecida civilização do couro. Uma espécie de reconquista do mundo perdido do profundo
sertão, onde o ferro e outros instrumentos eram raros e ao couro se daria toda
a serventia do que faltava. Seu Espedito Seleiro continua fazendo do couro as
mesmas sandálias que o pai fazia para lampião confundir os “macacos”: um solado retangular sem dianteira e
traseira.
O
viajante poderá encontrar uma bolsa num shopping qualquer da alta burguesia,
extasiada pelo exótico, sem entender nada dos símbolos que seu Espedito
exprimiu nos desenhos quase mouros. E não foi uma aliteração, o terceiro
Minarete é o próprio Viajante em busca de um sentido para o vago da
globalização incompreendida.
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