terça-feira, 15 de janeiro de 2019


AS CIDADES VIVIDAS – NOVA OLINDA

Nova Olinda se esconde do viajante. Fica numa reentrância da Chapada do Araripe a depender por onde o destino conduz. Ao deixar o litoral e descer pelo sertão central do Ceará, passando na região dos Inhamuns, após algumas serras o andante chega lá.

Quando vem pela região do Cariri o viajante é obrigado a atravessar a Chapada do Araripe e seguir descendo por grotas, alcantilados sedimentares, cortados tão verticais que lembram as paredes de cânions litorâneos. E ali brotam olhos de água doce.

A velha Tapera que fermentou um tempo, ao invés do abandono. Lenta transformação que perdeu o sentido dos propósitos. Numa manhã de inverno atravessava a Ponte de Pedra, no lapso de dois mundos, aquele que vivia para morrer e o que morria para viver.

A velha Casa Grande, nascida dos currais e dos tangerinos atravessando os sertões, até os matadouros e salgadeiras, que maturaram o produto da carcaça em cortes e o transportaram no lombo de animais para, depois de muitas léguas, embarcarem nos mares bravios, aos quais vaqueiros nem imaginavam como eram.   

Alguma parte da carne, tornou-se carne-de-sol no prato do povo da Tapera. Assim como parte do couro foi curtida e ali transformada em sola e amolecida após ser tingida e ao final artesãos a transformarem em selas, arreios, perneiras, gibões, alpercatas, botas e açoites, de muitas tranças, lindas peças que poderiam lanhar a carne do açoitado.

Tudo era uma névoa do tempo. Uma espécie de final de ano que mal recordava o início. Por certo alguém, com as veias circulando do seminário de Olinda deu à velha Tapera o Novo tão distante dos recifes.

E a moda pegou, tem Nova Olinda do Norte no extremo do Amazonas, tem Nova Olinda do Maranhão e até uma Nova Olinda da Paraíba. Afinal não foi por algo distinto, que a vetusta freguesia portucalense, dos Templários e dos bispos poderosos tais qual Marqueses, resultou, em pleno solo úmido dos Cariris, numa Crato substitutiva da Missão original.

O viajante encontra em Nova Olinda três minaretes que coçam o céu da mitologia. O primeiro desanuvia o panorama em sentidos gênicos, sejam animais, minerais ou vegetais. Tudo se move no presente dos vivos e na borda do fantástico simbólico, na analogia das formas rotineiras com aquelas da eternidade mitológica.

Alemberg Quindins e Rosiane Limaverde transformaram os trapos da história, numa teogonia esplêndida, onde todos os sentidos se voltam aos que nascem, se transformam e se expressam com uma autenticidade nunca antes vista naquela simbologia superada da aldeia abandonada.

Afinal Nova Olinda chegou ao apogeu do seu propósito (de ser uma linda situação para o seu povo). Mas não veio com os versos de cavalaria, na métrica dos poemas dos trovadores. Esta Nova renasceu como uma revelação de Vinhos da Alma, produzido a partir da mistura de cipós e folhas. Portanto, surgiu da relação dos seres mutantes da floresta, com a burguesia rígida das tramas viárias.

Do mesmo modo, fazendo parte da mesma mesquita, o segundo Minarete reflete a esquecida civilização do couro. Uma espécie de reconquista do mundo perdido do profundo sertão, onde o ferro e outros instrumentos eram raros e ao couro se daria toda a serventia do que faltava. Seu Espedito Seleiro continua fazendo do couro as mesmas sandálias que o pai fazia para lampião confundir os “macacos”:  um solado retangular sem dianteira e traseira.

O viajante poderá encontrar uma bolsa num shopping qualquer da alta burguesia, extasiada pelo exótico, sem entender nada dos símbolos que seu Espedito exprimiu nos desenhos quase mouros. E não foi uma aliteração, o terceiro Minarete é o próprio Viajante em busca de um sentido para o vago da globalização incompreendida.    

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