quinta-feira, 18 de junho de 2020

UM "PEQUENO-GRANDE" GESTO - José Nilton Mariano Saraiva


E de repente, de uma área não muita afeita a manifestações da espécie, porquanto povoada por atletas, “machões sarados”, aparentemente embrutecidos, e ainda por cima praticantes de um esporte onde o contato físico forte e ríspido é uma constante (o futebol), uma atitude inusitada, um laivo de ternura e afeto, um “pequeno-grande” gesto, que parece ter passado despercebido pela maioria dos que o vivenciaram, ao vivo ou via telinha (pelo menos não se ouviu ou se leu nada, a respeito).

Deu-se na frienta noite londrina, no novo e monumental estádio de Wembley, por ocasião da partida final da Copa dos Campeões da Europa (2010/11), quando se enfrentaram as tradicionais e valorizadas esquadras do Barcelona (Espanha) e Manchester United (Inglaterra), dois dos maiores expoentes do mundo futebolístico da atualidade.

Aos fatos.

Quase ao final do aguardado confronto (aos 43 minutos do segundo tempo), que mobilizou adeptos do futebol em todo o mundo, com o jogo já definido e o título assegurado em favor do excepcional Barcelona (3 x 1), o técnico Guardiola (ex-jogador do próprio clube), numa atitude de grandeza e desprendimento, resolve prestar uma justa homenagem ao seu correto “capitão”, o aguerrido zagueiro Puyol, que, lesionado, não tivera condição de adentrar ao gramado, de início.

Então, faltando dois minutos para o término da pugna, convoca-o a substituir um companheiro, com o claro intuito de, naquele momento maior, no ápice daquela gloriosa jornada, braçadeira de capitão no braço, fazê-lo erguer o troféu de campeão e, consequentemente, aparecer para a posteridade nas TVs de todo o mundo, ao vivo e a cores, e na primeira página dos principais jornais do mundo, dia seguinte.

Providenciada a substituição, daí a pouco o juiz determina o término do jogo. E foi então, no momento da premiação, ante um batalhão de fotógrafos e centenas de canais de televisão de todo o mundo, que se deu o inusitado, aquilo que denominamos um “PEQUENO-GRANDE” gesto, pela espontaneidade e nobreza do ato: o guerreiro Puyol, evidentemente que fugindo do script armado pelo técnico-amigo Guardiola, mostra toda a sua humildade e excelência de caráter, ao abdicar de tamanha honraria e delega ao discreto companheiro Abidal (lateral esquerdo), o privilégio de erguer o troféu, como se fora o verdadeiro “capitão” da equipe catalã.

Explica-se: meses atrás, Abidal fora desenganado pelos médicos, em razão da descoberta de uma grave e normalmente letal enfermidade (“câncer” no fígado) e fora afastado sumariamente das atividades esportivas; agora, após um tratamento pra lá de penoso, ali, ante um estádio ocupado por 80 mil pessoas e com a partida sendo transmitida pra bilhões de telespectadores em todo o mundo, além da confiança do técnico Guardiola em escalá-lo e mantê-lo durante toda a partida, Puyol, o “capitão” de todos eles, que entrara ao final do jogo unicamente pra exercitar o que lhe conferia a patente de capitão, humilde e simbolicamente transferia pra ele, Abidal, o privilégio de erguer o troféu de campeão.

Uma cena de cortar corações e levar qualquer um às lágrimas. E, embora alguns teimem em afirmar que “homem que é homem não chora”, acreditem, não resistimos à cena e ante os dois filhos adolescentes, também emocionados, “abrimos o berreiro”. Uma atitude de “homem” (do Puyol), difícil de encontrar por essas bandas (e prestamos esse depoimento, sem nenhum constrangimento).



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