sábado, 11 de agosto de 2007
BLOW UP
FAVELA
JFLÁVIO
Pois é , amigos, vivendo e aprendendo ! Confesso que a imagem crua e assustadora que surge aos meus olhos, todo santo dia pela TV, das intermináveis batalhas nas favelas do Rio de Janeiro, entre policiais, traficantes, milícias , me aturde como se acontecesse aqui no Grangeiro. Existem inúmeras razões para que me sinta assim. Primeiro por que sempre tive uma visão colorida do morro, colhida possivelmente da poesia de Zé Kéti, Ismael Silva, Ataulfo Alves, Cartola, Nélson Cavaquinho, Sinhô e tantos outros. Como se a lua vivesse eternamente “furando nosso zinco e salpicando de estrelas nosso chão”. Por outro lado, inconscientemente, percebo que o morro está prenhe de sangue nordestino , daqueles que tiveram que deixar sua terra, em busca do Shangri-lá, da terra prometida e, entoando a Triste Partida, foram se acumulando como lixo humano na periferia das capitais. Mas talvez o mais importante para me sentir tão próximo ao morro, tenha sido meu deslumbramento em descobrir a força de tantos contra a adversidade. Pessoas simples, sobrevivendo em casebres, dependurados em encostas, sem emprego, sem saneamento, acossados pela polícia e pelo estado, mas que conseguem arrancar, a fórceps, a alegria da vida e explodir no Samba, no futebol, no Pagode e na dionisíaca celebração do Carnaval.
Pois bem , fui revolver a história da favelização no país e minha admiração só aumentou. No Rio , os primeiros registros de pessoas vivendo em casebres improvisados datam de 1860, nos morros de Santo Antonio , Castelo e do Senado, no Centro da então capital federal. Desde o início , o estado perseguia os cortiços e tentava a todo custo destruí-los, máxime os mais centrais, que a seu ver poluíam visualmente a cidade. No final do Século XIX , houve a absurda demolição de um grande cortiço central chama de Cabeça de Porco e seus moradores, expulsos como animais, se mudaram para o Morro da Providência, onde construíram aquela que é considerada a primeira favela. Neste mesmo período, após a Guerra de Canudos, muitos soldados e fugitivos vieram bater no Rio de Janeiro e, esperando algum apoio governamental, terminaram desamparados e foram se estabelecer nas encostas do Morro da Providência. E, pasmem vocês, eles mesmo apelidaram o local de Morro da Favela, em homenagem a um morro baiano , da zona de combate, e que recebera este nome por ser revestido deste tipo de vegetação. A tendência de esconder a pobreza continuou na República, quando Pereira Passos destruiu inúmeros cortiços com o fito de abrir ruas imponentes , com características européias e sem qualquer visão possível de miséria. Os humildes foram se dependurando pelas encostas mais inacessíveis. A visão da elite dominante , desde esta época, foi de associar o morro não como residência dos mais humildes, mas como um antro de vadiagem, de concupiscência e marginalidade. Lima
Barreto, de origem paupérrima, entendia muito bem do assunto e denunciou que Pereira Passos queria dividir a cidade em duas : uma européia e a outra indígena. A partir dos anos 20 , agravando-se o Aparthaid , o estado buscou desesperadamente extinguir as favelas, com a expulsão seguida dos moradores e o Código de Obras do Rio de 1937, considerava a Favela uma “aberração urbana” e propunha a eliminação de todas existentes e a proibição de construírem-se novas. Ao invés de enfrentar a dura realidade social da favelização , o governo mais uma vez buscava apenas eliminá-las , sem procurar caminhos para apagar o rastilho da imensa bomba social que tinha nas mãos. A política de remoção seguiu até os anos 60 e fez com que neste período os moradores, incentivados por D. Hélder Câmara, se organizassem em associações e resistissem algumas vezes à expulsão. Durante a Ditadura Militar a organização popular foi silenciada e a partir do anos 70, o morro deixou de ser um lugar poético e lírico, com a chegada do narcotráfico. No processo de redemocratização, continuando a orfandade de governo nas favelas, o crime organizado se firmou e criou raízes. Em 1992 , cento e trinta anos depois, quando um milhão de pessoas já morava nas favelas é que começaram as primeiras políticas de urbanização. Talvez já tarde demais.
Basta beber um pouco desta história para perceber que a simples repressão policial não vai resolver o problema. Repetir simplesmente o que se vem fazendo há mais de cem anos, sem efeito, não parece ser a melhor conduta. Fechar os olhos simplesmente para a miséria, não vai fazer com que ela desapareça. Alguém já disse que se antes a cidade empurrava a favela, agora é a favela que empurra a cidade. Para se trilharem veredas que possam levar à solução, a longo prazo, o governo precisa assinar a promissória desta incalculável dívida social e buscar saldá-la com políticas sociais sustentáveis: moradia, emprego, saneamento, saúde, educação. Atualmente é o tráfico que faz esta função nas favelas e torna-se impossível combatê-lo se ele tem a justa cumplicidade de todos os moradores.
Mas a principal lição que a história nos traz está ligada à denominação de Favela. Percebam que ela vem de Canudos. Simplesmente, Canudos não acabou quando se utilizou a mesma técnica tentando destruí-la. Hoje existe um com arraial em cada cortiço, em cada morro, em cada esquina. Os novos Antonio Conselheiros respondem pelo nome de Marcelo VP, Fernandinho Beira-Mar, Meio Quilo, Escadinha. O mar já virou sertão, agora só falta mesmo nossas brenhas virarem mar.
cara, tava lendo algo sobre isso dias desses, no livro Dom Obá II D'África, o prícine do povo. ele fala da urbanização do Rio, então capital federal. era foda. um monte de gente egressa da bahia, ex-escravos e etc tomaram a cidade numa tentativa de uma vida mais bacana. Brasil é isso, resultado dessa confusão.
ResponderExcluirImpressionou-me a estória dos "não-mortos" de Canudos! Sempre imaginava que a origem das favelas eram só a partir dos negros libertos. Muito esclarecedor a pesquisa e texto.
ResponderExcluirValeu, Zé!