O rinoceronte ao luar. Num mar de plástico.
"Pluralitas non est ponenda sine neccesitate"
( Entidades não devem ser multiplicadas além do necessário.)
Guilherme de Ockham
Posso começar este texto definindo a palavra trevas. Segundo o Aurélio, o termo nada mais é que “...estar na ignorância (fig.) ou na escuridão absoluta”. E, fora alguns fãs do Poe, ou aqueles que cultuam o Demo em casa com suas camisas pretas e discos de Black Metal, mas que se cagam ao verem um Erê, ninguém gosta de se sentir num breu total.
A citação acima vem de um cidadão chamado Guilherme de Ockham. Esse franciscano, que nasceu num vilarejo de mesmo nome (Ockham) entre 1280 e 1300, tinha idéias pouco convencionais para os Papas e bispos da época. Que queriam manter o poder a todo custo. Como ainda hoje.
Claro, na base da mais genuína ignorância alheia.
Considerado como empírico e cético, ele defendia que o verdadeiro conhecimento só surgiria com a ajuda da razão. O Ockham foi um dos grandes, não duvido.
Tenho verdadeira admiração por tipos como ele.
Acredito que a ciência tem seu valor. Gostamos quando alguns fatos nos são esclarecidos, dissecados e a humanidade progride – falo de cura de doenças e similares e não da nova arma hi-tech do idiota do Bush. Mas eis que também creio que o excesso de ceticismo - aquele olhar clíncio demais, observador - tem lá seu quinhão de melancolia.
Não gosto de imaginar o mundo sem o mítico e o fabuloso. Algumas lendas têm seu encanto justamente por alimentarem nossas vidas. Tornando-as um pouco menos modorrentas. Não creio em gnomos nem em babaquices do gênero. Mas não admito um mundo onde pessoas não possam fazê-lo, mesmo que eu ache isso uma grande bobagem. Não sou do tipo que lê horóscopo. Nem fico correndo atrás de simpatias que me garantam um futuro menos endividado Recuso-me a ser tolo. Ao menos este tipo de tolo.
É minha opinião. Sincera.
Todavia, em determinados momentos de minha vida, prefiro a fantasia que mil e quinhentos livros do Nietzche. Nada contra sua importância, muito pelo contrário. Na minha opinião, Ecce Hommo é um desses legados para toda a humanidade. Um livro que nos faz acordar para a vida. O Anticristo é outro livro que deveria ser lido por todos pelo menos uma vez. Por trazer à tona tantas verdades que a gente nunca imagina. E o velho foi um gênio. Um desses heróicos desbravadores que nos trouxeram uma nova realidade, plena de sabedoria. Ele tinha coragem. Além daquele bigode respeitável.
Presença mesmo.
Assim como vocês, não quero viver num mar de ignorâncias. Nas trevas, por assim dizer. Sou um cético com relação a muita coisa. Contra tudo aquilo que me prejudica e me limita a imaginação, ou não a alimenta. E creio que o Ockham também não queria um mundo de pessoas maçantes e ranzinzas. Os tais iconoclastas pé-no-saco.
Por mim o tal Mister X morria queimado, sem truques. Ou todo furado com aquelas espadas longas e afiadas que costumam aparecer nos shows de mágica. Ele devia ser assassinado por desencantar um monte de gente, ao desvendar as artimanhas de mágicos. Os que viveram em nosso imaginário de forma tão terna. Os da minha infãncia.
O que gente como ele faz é desnecessário. É como se, ao assistir o filme E La Nave Va, de Fellini, e ao ver a cena onde um rinoceronte está apaixonado, uma bióloga chegasse do meu lado e me dissesse, com aquele jeitão pragmático e boçal: “Não procede. Rinocerontes da espécie Rhinoceros Unicornis não podem se apaixonar. Os genes não combinam e etc e tal...”
Seria muito ruim e constrangedor prum cara como eu, a esta altura da vida, ter de cometer homicídio triplamente qualificado. Ou o que quer que seja.
Não estou defendendo aqui a burrice nem a ignorância. Estou querendo explicar que podemos ver belezas em absurdos, nas mentiras e nas farsas. Podemos nos deixar levar por uma lenda, respeitá-la pela carga cultural nela contida, por sua beleza. O que falar dos índios e suas histórias, por exemplo?
Quero um mundo mais bacana. Onde eu possa compor uns rocks rurais e, quem sabe, cultivar um bigode bacana tal qual o do Belchior, ou do Nietzsche – também queria ter toda a coleção dos discos do Jethro Tull; mas isso seria desejar um mundo perfeito demais. Estou afim de viver num lugar onde as mentiras que nos trucidam sejam esclarecidas. E as belas sejam mantidas, estimuladas. Mesmo que saibamos que não são coisas reais.
Quero crer que um rinoceronte possa deixar de comer com saudades. E que ele também possa sair ileso dum navio, num pequeno barco de madeira. Tendo ao fundo uma lua artificial. Navegando solene, num imenso e azul mar de plástico.
Bastante interessante o texto. Campbell e Mircea Eliade me revelaram que o mundo não existiria sem seus mitos. O mito não é só uma historinha de Trancoso mas traz codificado toda a história psiquica-emocional de um povo. Freud, por exemplo, mergulhou profundamente na mitologia grega no desenvolvimento da psicanálise, certamente porque sabia que toda nossa civilização ocidental é profundamente helênica. Assim, um rinoceronte que voa não é apenas uma imagem surrealista, mas talvez traga em si verdades intrinsecamente reais.O "Mister M" é uma personalidade desprezível e apoética justamente porque busca nos provar que no mundo não existem mistérios apenas ilusionismo.
ResponderExcluirjflávio
tem uma conversa que os mitos africanos (hoje representado pelos santos, no culto afro) vinheram antes dos gregos e de que os gregos se basearam nele. isso é verdade? no mais, creio em rinocerontes que amam. abçs
ResponderExcluirPois num parece coida do outro mundo, Gustavo ! Abri agora mesmo o site CRONÓPIOS que é fenomenal e encontrei um artigo do Antonio Cicero justamente sobre a questão da influência da mitologia africana na Grécia. Colei o artigo no blog !
ResponderExcluirAbraço,
jflávio
Gustavo,
ResponderExcluirUma experiência que tive sobre a "quebra" da fantasia foi quando trabalhei com a produção do filme "Corisco e Dadá" e depois fui pro cinema vê-lo. A gente não consegue se "distanciar" do aparato que montamos para "rodar" determinada sequência e o nosso olhar fica muito técnico. Fiquei querendo de volta o meu "sonho".
Um grande abraço,