Como definir o sertão? Ou melhor, como deixar de definir o sertão, quem o conhece, bem ou superficialmente? O sertão que passa do morto-cinza ao verde-vida como passe de mágica, logo quando as primeiras chuvas tocam-lhe o chão. Essa mutação instantânea da paisagem sertaneja tem no poeta e geógrafo Mauro Mota um insuperável definidor:
“Bastam algumas horas de chuva para que se erice a penugem na ‘pele’ seca dos campos, e na reentrância dos lajedos, e chegue ao terreiro das casas das fazendas como uma esperança horizontal que se alastra. O primeiro contato da água desperta logo essa reação sensual da natureza que se julgava morta, mas que somente dormia sob o torpor da soalheira. A babugem é uma cor de vida estendida no chão. O chão luta para sustentá-la e ampliá-la, para fazê-la subir nos esqueletos das árvores. Estamos com o prenúncio do inverno, captado pelo sentimento dos homens e pelo faro dos bichos. A caatinga expele os bodes hirtos com os couros curtidos ao vivo. Como se fossem libertos dos suportes de um museu secular, lambem a erva tenríssima insinuada. Comem uma ração mais de cor. A seriema grita o grito fino de regozijo e corre com as pernas de pernaltas abertas e fechadas em tesoura, cortando os desesperos do peneplano. O céu vazio começa a povoar-se: voam as jandaias nos rastos coloridos dos vôos anteriores[1]”.
Luiz Gonzaga é também um mestre nas descrições do “sertão das muié séra e dos homi trabaiadô". Sertão, ah sertão! Não lhe faltou nem lhe faltará porta-vozes à altura de sua beleza, dos seus mistérios e, também, da sua dor. Dor profunda, mas superável na alegria e na festa cotidiana celebrada em cada alpendre ou em cada latada, sob a bruxuleante luz do candeeiro ou do intenso holofote da lua cheia. Sertão de Catulo da Paixão Cearense que cantou os versos peremptórios: não há, oh gente, oh não luar como esse do sertão. Sertão dos versos inigualáveis, belos e eternos de Patativa do Assaré. Sertão Alegre de Leonardo Mota, cronista maior da poesia e da linguagem dos rincões nordestinos. Sertão de coisas alegres e profundas, além da dor já falada. Coisas do Sertão, do saudoso “Seu Elóia”, assim como o sertanejo do Vale do Cariri chamava o Mestre Eloi Teles de Morais – comunicador de rádio, poeta, folclorista, homem de bem, de coração generoso e alma pura.
Quando Seu Eloi partiu para o sertão celestial, o sertão terreno quedou-se triste. O Forró da Casa Grande nunca mais alegrou os finais da tarde sertaneja. As aves canoras e aquela bela valsinha, tocada por um quarteto de cordas, e que faziam o fundo musical para o recital das Coisas do Meu Sertão– emudeceram para sempre. Ficou, pois, uma lacuna, mas esse vazio começa a ser preenchido como o milagre do inverno que molha o chão e tinge de verde a paisagem outrora cinzenta do sertão.
É festa no sertão de novo e a alegria volta aos finais das tardes mágicas e início das noites misteriosas que, agora, voltam a fluir nas ondas do rádio caririense.
Diariamente, das 16h30min às 18 horas, pela Rádio Educadora do Cariri, a mesma emissora que irradiou a voz de Seu Eloi na segunda fase de sua gloriosa carreira (a primeira foi na Rádio Araripe, pioneira emissora de rádio da hinterlândia cearense), está sendo veiculado o programa Festa no Sertão, sob a apresentação de um certo Seu Zezé.
O Seu Zezé, em questão, é o mais novo comunicador de rádio do Cariri. Uma personagem diferenciada, que chama a atenção dos ouvintes apreciadores das genuínas coisas do sertão; acostumados que foram pelo jeito telúrico dos grandes sertanistas, a exemplo de Eloi Teles, de cantar o sertão e o sertanejo.
Seu Zezé, como disse, é uma personagem criada por José Iderval da Silva, que também é operador de áudio da Rádio Educadora, tendo iniciado a profissão, inclusive, ao lado de Seu Eloi, nos programas Coisas do Meu Sertão e Forró da Casa grande. É o próprio Iderval que explica:
“Fui operador de áudio por oito anos, quando decidi abandonar a profissão para estudar. Terminei o ensino médio e me graduei em História pela Universidade Regional do Cariri. Recentemente, com a mudança que ocorreu na administração da Rádio Educadora, voltei a trabalhar como operador de áudio e fiz a proposta de um programa nos moldes daquele que era apresentado por Seu Eloi, o Forró da Casa Grande. Inclusive, o nome da personagem que apresenta o programa Festa no Sertão, é uma homenagem a Seu Eloi e uma evocação ao meu pai, Cirilo João da Silva, e à minha avó, que me chamavam de Zezé”.
O programa Festa no Sertão estreou no dia 6 de outubro do ano passado e, pouco a pouco, vem caindo no gosto do ouvinte que, de imediato, reconhece a semelhança de estilo existente entre Seu Zezé e Seu Eloi. Não somente no repertório musical, calcado no cancioneiro popular nordestino, mas, principalmente, na maneira envolvente de se comunicar com o público a partir dos mais puros valores sertanejos.
[1] Mauro Mota, Paisagens das secas, p. 81.
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