terça-feira, 4 de agosto de 2009

The Best-Seller


Roberto Jamacaru

Não sou consumidor potencial de livros. De forma modesta, aliás, bem modesta, talvez tenha mais prazer em escrever do que ler. Mesmo assim não me furto de observar, nas livrarias, o que existe de novidade no mundo literário. Embora tenha predileção pelos documentários, em especial os regionais, os demais assuntos também despertam a minha atenção.
A livraria é o mundo sintetizado em livros, repletos de palavras e pensamentos. Em suas vitrines e secções, os autores, dos mais variados estilos, dão o melhor de si para informar, educar e encantar os seus semelhantes. Estes, por suas vezes, navegam pelos corredores desse ambiente clausural na busca dessas idéias que venham explicar, inclusive, as razões de seus existencialismos.
Dentro de todo esse propósito, um dia, em uma grande livraria, busquei algo do meu interesse acima declarado. Por ser de uma grandeza diferente, a literatura regional, que na sua maioria é produzida de forma independente, portanto sem o apoio estrutural de patrocinadores e editoras, faz com que o público leitor tome pouco ou nenhum conhecimento de sua existência. Por conseguinte suas distribuições e vendagens tornam-se quase inexpressivas.
Subestimando essa realidade, iniciei a procura da minha preciosidade - um documentário - a partir da vitrine, a parte mais nobre da livraria. Claro, ali, principalmente, onde os Best-Selleres recebiam tratamento diferenciado, inclusive com direito a foco de luz direcionado, ela não estava! Junto aos grandes nomes nacionais, evidente que não! Nos demais estandes (estes com mais de vinte estilos de literaturas), também não! Bisbilhotei aqui, mexi acolá; um pouco mais para frente, um pouco mais para trás; pela direita, pela esquerda (já estava até meio tonto!)... Nada, nem sinal dela!
De uma vendedora, recebia seguinte resposta à minha pergunta:
- Senhor parece que... Acho que... Na verdade eu nem sei se essa coisa de regional existe aqui na livraria. Não seria mais interessante o senhor levar uma obra, nacional ou internacional, já indicada pela crítica especializada?
- Não, minha senhora, meu interesse foi aquele lhe que anunciei!

Nesses ambientes os volumes expostos impressionavam pelo extremo bom gosto sugerido nas artes das capas, nas qualidades dos papéis, nas impressões; nas diagramações e, acima de tudo, nas inteligências literárias de seus autores.
Mas, onde estariam expostas as ricas páginas dos nossos pensadores regionais? Poderiam estar no meio dos grandes nomes do ranking de vendagem nacional e mundial? Poderiam, mas não estavam! Poderiam ser pauta de discussões nos Colégios, Faculdades, Institutos Culturais e Academias de Letras das cidades? Poderiam, mas, convenhamos, são poucas as instituições dessa natureza que ousam valorizar as suas próprias raízes.
Essa subtração cultural, que tem provocado enormes lacunas na formação de várias gerações, não seria em função da aversão, da falta de visão e do puro desinteresse de muitos dos nossos formadores?
Estande a estande, continuei insistindo na minha garimpagem.
Após longo tempo de procura (acredito que dezenas de minutos) vi, em um espaço não muito altivo, na realidade era quase no chão, algo que sugeria ser a existência de um punhado de livros.
De fato! Lá estavam inesgotados, desprezados e quase prontos para serem vendidos no quilo, alguns expoentes da nossa literatura regional.
Como pessoas carentes, à espera de reconhecimento ou, quem sabe, de adoção, ali, na lugubridade da livraria, adormeciam os poemas, os romances, os contos, os cordéis; as crônicas, os documentários, a própria história... Enfim, a ação e o pensamento literário de alguns dos nossos ilustres escritores.
De forma reflexiva questionei: que mérito ou engrandecimento cultural teria um povo que não ler e interpreta si mesmo, preferindo fazê-los, tão somente, com a ideologia externa?
No nosso meio existem pessoas que são exímias interpretes, mestras até, em defender e idolatrar, em suas teses e manografias, as tendências de uma literatura européia, norte-americana ou mesmo asiática, mas que têm extremas dificuldades em informar quem são, quais os seus estilos e sobre o que falam os nossos literatos regionais espalhados e marginalizados nas diversas cidades deste país.
Culturalmente falando, entendo que conhecer o mundo a partir das nossas origens, nos faz sentir legítimos, completos, seguros, valorizados e universais... Faz todo o sentido!
Desprestigiados, porém vivos e interessantes, deterioram-se, na obscuridade mofante de algumas bibliotecas, livrarias, academias e bienais, os nossos “Best-Selleres”.
Agachei-me! Com dificuldade coletei um dos exemplares. Usando de um lenço e da paciência restauradora de um paleontologista, retirei todos os fungos e detritos pueris acumulados em sua capa. Consumei a compra junto ao caixa. Passo seguinte me vi voltando para casa. Estava angustiado... Tinha a alma dividida pela extrema alegria da aquisição e pela profunda tristeza relativa ao preconceito a ela dispensado.
Quanto equívoco!

(a pedido do autor)

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