sábado, 14 de novembro de 2009

ABRIR A CORTINA DO EU - Por Emerson Monteiro

Venha comigo. Vamos juntos erguer a barra do horizonte e vislumbrar algumas imagens resistentes ao esquecimento. Parei, ouvi ruídos e flagrei, circulando sorrateiras nesse espaço que habita a fronteira de mim com a memória, algumas ideias do mundo divisório, transcendental, filhas infinitas do ativo das horas e do ritmo trepidante lá no sótão pegajoso das pausas que pulsam sem parar, limite de coisas e inexistências.
Essas nuvens tradicionais de palavras conhecidas, sentimentos às vezes impetuosos, impacientes poças d’água espalhadas ao longo do caminho, deslizavam ligeiras em propulsão acelerada sob pés indecisos desta sombra que passa numa velocidade selvagem, cativa de atitudes ferinas, a conduzir fragmentos ao final de vários dias, causando reviravoltas no céu, algazarra festiva de andorinhas alegres, inconsequente bando afogueado de colegiais no intervalo das vidas.
Formas de juventude eterna, momentânea. Tudo possibilidades juvenis, sonhos afinados com o vento, feira livre de escorregadias ilusões, lógica perene de turmas de formação e contextos impostos por saltimbancos autoritários, na cena que se abre ao expectador sequioso de nós próprios, riscos, papéis, recordações, arquivos jogados fora, lama fermentada de velhos aniversários e alucinada comemoração.
Com isso, a vontade farejava encontros novos, cruzamento genético de letras e sentido, forçando com bravura o pulmão do parágrafo e gerando blocos consistentes de valores, na alma dos calendários, marcas doridas, atos contidos de luzes, cicatrizes, aventuras, pontos assustados no azul do firmamento, corpos suados de notas musicais e pinceladas agressivas, sonhos absurdos, sementes plantadas em outra dimensão, calada, quieta de querer, dentro das dobras dos corações celerados. Energia que circulava toda a pele do momento, tatuagem de cascas de árvore estóica, vítima do imprevisível carrasco pontiagudo, fagulhado, passado de folhas secas na cascata das eras, tintas e sons assoberbados de dúvida ao impacto da emoção cristalina.
Com passos calculados, cuidadosos, de fera na busca do alimento, ações sincopadas, o espectro arrisca estender mãos no oco do imediato e lota de influência cada aspecto no seguinte do imaginário, e avança clandestino pela greta entre as moléculas da ânsia, corredor vazio diante da sequência dos acontecimentos, película dirigida autor genial, mestre do inesquecível e sábio todo imortal.
De pronto, cresce nos olhos clínicos um tato suficiente a florir de esperança fumegante o desejo, na areia da permissão, ainda que, consigo, traga germes de interdição, todavia, consistente qual meteoro enlavecido na farra vertiginosa da transformação dos impulsos em matéria prima, metamorfose de açúcar em sal, mel em pólen.
Houvesse circunstância favorável, abrir-se-ia a cortina num volteio de brisa, aos acordes do silêncio adormecido na leveza do mistério. Então, luvas crispadas, nervosas, romperiam a vitrine da memória, e poemas e prosas jorrariam em traços e sílabas, silvos e gemidos, inundando a antessala do furor, lívidos atores do espetáculo do alvorecer, e pediriam à orquestra que jugulasse a noite com fanfarras maravilhosas. Entretanto, o pano só se renderia aos metais, largando desenhos conclusivos no ar platinado, sonoro, carrancudo, da presença do senhor e soberano do inevitável tudo Isso.

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