sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ele vem aí, não demora não, ele vem aí com uma vassoura na mão! - José do Vale Pinheiro Feitosa

O vocábulo udenismo notado no dicionário Houaiss fala apenas da filiação partidária a um partido que existia antes de 1964, chamado UDN. É um cuidado de dicionário de uma pobreza histórica, pois a palavra passou para a história como aquele programa de se fazer política sempre através da denúncia da corrupção. O udenismo foi uma das armas da perseguição política exercida pelo regime militar com as chamadas cassações por corrupção, hoje se sabe mais feitas para tirar adversários do jogo político do que propriamente para solucionar a questão de origem. A verdade é que os cassados nunca tiveram acesso aos processos que o cassaram e por consequência a nenhuma defesa.

Instigada pela mídia nacional e pautada por uma realidade mercantilista em que tudo é dinheiro, a população cai como patinho nesta questão de ordem moral no particular, sem tomar consciência do mal maior (do geral) que é a dinâmica de apropriação e acumulação de riquezas que acompanhou a retomada liberal dos anos 90. Vivendo uma dinâmica de corrida para bater as entradas de renda com as saídas de consumo, a população sabe que algo muito podre acontece no reino e a mídia lhes oferece o veneno diário do mal feito por seu vizinho.

Olha os nossos problemas não estão no forró eletrônico do vizinho, no carro zero daquele orgulhoso da rua de cima, não estão apenas nas verdureiras que pretendem ganhar mais no molho de coentro. Mas a mídia nos instiga contra eles, naqueles programas policiais, de dedo em riste como a palmatória do mundo. É um estilo julgador daqueles pastores de olhos esbugalhados com os dedos sobre os pecados alheios, enquanto se julga o senhor do próprio pecado.

Este espírito linchador renascido na mídia nacional, a fazer renascer a vassoura de Jânio Quadros, a fazer pregações moralistas como se interesses não movessem esta prática. Nos idos da ditadura militar foi perseguir e extinguir quem pensasse diferente e agora não é diferente, embora tenha uma questão maior a esconder. O que escondem?

Os juros altos, por exemplo, que consomem as reservas fiscais mais do que qualquer outro programa social. Mas a mídia, diga-se de passagem, é “científica” em seus argumentos, ela não virá como um clérigo pecador a apontar os pecados alheios. Ela vem invertendo equações, desequilibrando a verdade e mudando de lugar causas e efeitos.

A quem beneficia os juros altos? Às famílias ricas do Brasil que recebem do Estado pelo dinheiro que acumularam na economia brasileira que inegavelmente e monetariamente é uma contribuição coletiva de trabalhadores e técnicos especializados. O trabalhador e o técnico, nunca receberão destes juros, eles são o que pagam, além do que já perderam para estas famílias ricas na origem da acumulação do capitalista. Então por que a grande mídia fica cheia de “argumentos” econômicos quando os juros caem?

Por que não vai mais dinheiro para a saúde pública? Vamos devagar para chegarmos a uma percepção maior. Primeiro por que a fonte do imposto para a saúde foi nas transações financeiras e estas que retiram alguma coisa das famílias pobres, abrem o “escândalo” das transações entre ricos. Segundo por que existe uma oposição beneficiária do “udenismo” renascido que precisa sangrar de meios o governo federal mesmo que à custa dos seus prefeitos e governadores. Terceiro por que alguns setores privados se beneficiam da fragilidade pública pelo subfinanciamento para ganhar um pouco mais na mercantilização da medicina. Quarto por que o Congresso Nacional foi eleito por financiamento privado e está lá para representar os interesses apontados pelos atores dos itens anteriores.

A verdade é que gastamos menos que países assemelhados ao nosso com saúde (proporção do PIB), estimulamos uma iniqüidade pervertida com os planos de saúde (já explico melhor) e estamos comprometendo uma escala enorme de programas sociais hoje exercidos em nível municipal: saúde, educação, segurança patrimonial, assistência social, etc. Estamos comprometendo por que os orçamentos municipais estão inchados de novas atribuições deste a constituinte de 1988.

Os planos de saúde são geridos por entidades privadas que lucram e lucram muito com eles, mas planos não são financiados por estas entidades. Os planos de saúde são fundos mutuais, formados por pessoas que aderem a ele e a maioria é de trabalhadores que os cria através de negociações salariais (portanto abdicando de ganho direto no bolso, por descontos em planos de saúde). Além do mais os planos de saúde se tornaram um grande negócio de vender produtos através de procedimentos o que gera um consumismo exagerado de meios e uma mercantilização perversa que só aumenta custos e diminui efeitos positivos sobre a saúde das pessoas. Os planos de saúde no Brasil por este lado do consumismo são um fator brutal de iniqüidade, quando o gasto per capita neste meio é muitas vezes superior àquele do setor público e acrescente-se o fato de que concentrado no sudeste e sul do país. A iniqüidade é de tal ordem que o consumidor padrão destes planos mora na capital de São Paulo, tem menos de cinqüenta anos e é homem.

Os agentes particulares da saúde não venderiam seus produtos, sem o esforço coletivo do povo brasileiro, através de impostos ou por formação de fundos mutuais, nem a um terço da população brasileira. Apesar dos pesares e das denúncias “udenistas” ou não, a saúde pública financiada pelo imposto dos brasileiros é a presença mais firme nas grandes questões de saúde pública e a única força que efetivamente descentraliza recursos para o interior do país.

O udenismo visa linchar alguns para subtraí-los do jogo político nacional, mas não conseguirá modificar a realidade desta civilização que tem enormes contradições, entre as quais ter que viver com o que existe de proteção social e da renda pessoal.

A questão carcerária - Emerson Monteiro


Um dia, pelas ruas de Mangaratiba, cidade litorânea do Rio de Janeiro, visualizei o passeio dos detentos da Ilha Bela, antigo presídio hoje desativado. Quadro marcante, cortejo de homens válidos, corpulentos, em marcha batida, controlados por guardas e cães, a percorrer trechos daquela cidade. Alguns traziam consigo peças de artesanato de própria fabricação, oferecidas aos circunstantes por preços ocasionais. A cena ficou gravada para voltar ao pensamento quando, como agora, enfeixo a intrincada crise penitenciária brasileira. Aqueles zumbis, de olhos vazios, trajes encardidos, quais reses de tosquia, trastes da culpa, apenas arrastavam o tropel do destino à luz da vontade dos homens.

E revivo também a sensação cotidiana dos noticiosos quando exploram o mundo cão. São raros os meses em que deixam de ocupar o cardápio as rebeliões nas celas, com registros de fugas, incêndios, perdas de vidas e homicídios.

Tais aspectos percebidos significam o estrangulamento do sistema penal; refletem a estrutura da sociedade como um todo, onde deficiências indicam muito chão ainda para percorrer até a perfeição final do processo vida.

Cheira mesmo a repetição dizer que as cadeias, quais viveiros de pássaros indomáveis, converteram-se no campus da monstruosa universidade do crime, imagem conhecida, onde os apenados ali encaram desafios primitivos junto de outros em condições físicas e morais deploráveis. Daí, qual onda avassaladora, estranho relacionamento impõe e multiplica a morbidez de seres vencidos, depois lançados às sarjetas, num ciclo de miséria que aumenta os custos do subdesenvolvimento mórbido.

Intenções honestas de resolver o problema, contudo, não eliminam o atraso dessa área, vistas experiências nos países ricos, mesmo sabidas quantas falhas lá também persistem.

Planos que se cogitem devam sempre vincular a participação efetiva da força de trabalho reclusa às celas, estagnando a capacidade produtiva. Em resposta, as sentenças assim deixariam de inutilizar a mão de obra prisioneira, sobrando ao Estado o mérito de soluções criativas e geração de riqueza, alimentando e estabilizando as contas da instituição punitiva, além de profissionalizar quem chegar, de comum, sem ofício. As prisões agrícolas demonstram a viabilidade desta idéia.

Restam imaginar perspectivas novas para problema tão arcaico. O gesto de segregar aos calabouços, sem outras preocupações racionais, apenas mascara uma chaga que transborda de dor e clama decência. Compromisso pesa, pois, sobre todos os ombros, sabendo que o zelo da liberdade vem assegurado como atributo essencial, dom divino que cabe manter, sobretudo a quem necessita desde criança das poucas e limitadas oportunidades vitais.

A consagração de Lula pela intelectualidade francesa

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma recepção de pop star hoje, em Paris, durante a cerimônia de entrega do título de doutor honoris causa pelo Instituto de Estudos Políticos (Sciences-Po), o maior da França. Em seu discurso, o ex-chefe de Estado enalteceu o próprio mandato e multiplicou os conselhos aos líderes políticos da Europa, que atravessa uma forte crise econômica.
Antes, durante e depois, Lula foi ovacionado por estudantes brasileiros, na mais calorosa recepção da escola desde Mikhail Gorbachev. A cerimônia foi realizada do auditório do instituto, com a presença de acadêmicos franceses e de quatro ex-ministros de seu governo: José Dirceu, Luiz Dulci, Márcio Thomaz Bastos e Carlos Lupi. Vestido de toga, o ex-presidente chegou à sala por volta de 17h30min, acompanhado de uma batucada promovida por estudantes. Ao entrar no auditório, foi aplaudido em pé pela plateia, aos gritos de "Olé, Lula". Em seguida, tornou-se o primeiro latino-americano a receber o título da Sciences-Po, já concedido a líderes políticos como o tcheco Vaclav Havel.
Em seu discurso, o diretor do instituto, Richard Descoings, se disse "entusiasta" das conquistas obtidas pelo Brasil no mandato do petista. "O SENHOR LUTOU PARA QUE O BRASIL ALCANÇASSE UM NOVO PATAMAR INTERNACIONAL", disse, completando: "NÃO É MAIS POSSÍVEL TRATAR DE UM ASSUNTO GLOBAL SEM QUE AS AUTORIDADES BRASILEIRAS SEJAM CONSULTADAS".
Autor do "elogio" a Lula - o discurso em homenagem ao novo doutor -, o economista Jean-Cluade Casanova, presidente da Fundação Nacional de Ciências Políticas, LAMENTOU QUE A EUROPA NÃO TENHA UM LÍDER "DE TRAJETÓRIA POLÍTICA TÃO ILUMINADA". Cssanova pediu ainda que Lula aproveitasse sua viagem para "DAR CONSELHOS AOS EUROPEUS" SOBRE GESTÃO DE DÍVIDA, DÉFICIT E CRESCIMENTO ECONÔMICO.
Lula aceitou o desafio e encarnou o conselheiro. Em um discurso de 40 minutos, citou avanços de seu governo, citando a criação de empregos, a redução da miséria, o aumento do salário mínimo e a criação do bolsa família e elogiou sua sucessora, Dilma Rousseff. "Não conheço um governo que tenha exercido a democracia como nós exercemos", afirmou, no tom ufanista que lhe é característico. Então, lançou-se aos conselhos. Primeiro criticou "uma geração de líderes" mundiais que "passou muito tempo acreditando no mercado, em Reagan e Tatcher", e recomendou aos líderes da União Europeia que assumam as rédeas da crise com intervenções políticas, e não mais decisões econômicas. "Não é a hora de negar a política. A União Europeia é um patrimônio da humanidade", reiterou.

ANDREI NETTO, CORRESPONDENTE - Agência Estado

lucidez

Que ninguém e nada
conspirem a meu favor.

Que o mundo permaneça alheio
e as coisas inalteradas.

Que a montanha não se mova
em minha direção e o mar
não se corte ao meio
por minha causa.

Que as estrelas nasçam e morram
sem mandarem notícias
do corredor escuro
de outras galáxias.

Que o meu bermudão não mostre seus bolsos
nem procurem nas minhas mãos moedas.

Que as minhas botas durmam
sem sonhar com as calçadas.

Que anjos não pensem em mim
nem façam da minha alma
uma aurora.

Que demônios esqueçam
o vazio da minha mente.

Que ninguém e nada
conspirem a meu favor.

Sei muito bem das emboscadas.
Da luz que finda e do grito.
Do olhar cúmplice
e da revolta.

Apartem-se do meu coração os arautos da felicidade.
Esses cães dos próprios ossos e da própria carne.

Sei do descuido, da farsa,
da longa vida que é a morte.

Que ninguém e nada prometam-me
a vida e o seu deleite em outra terra.

Que a paz dos meus chinelos
seja toda a verdade
que vejo -

sem truque,
sem medo.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Cacete: lá e cá - José Nilton Mariano Saraiva

Sábado (24.09.11): no Crato, durante uma pacífica manifestação dos professores (em greve) o fanfarrão Ciro Gomes chama uma deles de “moleque” e ainda se vangloria de ser corajoso, ao sugerir ter coragem de partir pro confronto, ao anunciar: “...vocês conhecem o meu jeito” (coisa que não é verdade, já que em tais ocasiões preventivamente sempre se cerca de uma tropa de choque). Ou alguém já viu o Ciro Gomes engrossar o pescoço quando não tem algum áulico por perto ???
Quinta-feira (29.09.11): pela manhã, em Fortaleza, na casa que deveria ser do povo (Assembléia Legislativa), antes da votação do “piso” para os professores da rede estadual de ensino (em greve), a despreparada e truculenta polícia de Cid Gomes baixa o cacete, sem dó nem piedade (e o sangue jorrou), em alguns dos indefesos barnabés que, pacificamente, reivindicavam melhorias.
Quinta-feira (29.09.11): à noite, certamente que avisado que a matéria e imagens da estapafúrdia e covarde agressão seriam veiculadas no Jornal Nacional (para todo o Brasil), no intervalo, após a “chamada” da matéria por William Bonner, Cid Gomes aparece afável e com um sorriso de Mona Lisa, a tecer loas sobre a prioridade do seu governo ao setor educacional (desdizendo o que as imagens mostrariam em seguida). E podem esperar que amanhã cedinho os jornais de Fortaleza veicularão “matéria paga” pelo Governo do Estado, de páginas inteiras, tentando justificar o injustificável.
Perguntas: Até quando os “valentes”, arrogantes e prepotentes Ferreira Gomes vão “cantar de galo”, aqui e alhures, com todo mundo dizendo amém ??? Será que o povo do Crato vai ter coragem de sufragar o candidato apoiado por Ciro Gomes pra prefeito, já que ele próprio recebeu no Crato 11.000 votos para Deputado Federal, nunca fez nada pela cidade e quando lá aparece é pra atingir moralmente homens e mulheres (trabalhadores) de bem ???

déjà vu

Não é ilusão o pressentimento
de ter vivido em outro tempo
a mesma vida e ter estado
no mesmo lugar e espaço.

Afinal a mente é um macaquinho.
E de galho em galho há instantes

em que é natural
na copa da árvore

o sol refletido
trazer-me angústia
e tanto espanto.

A árvore não muda,
assim como a vida.

Onde estou e onde estive
não foi nem é  sonho
tampouco loucura
da minha mente,

pois ela [já disse]
é um macaquinho
que apressado
não lembra

aquilo que deveria -
a batida do meu peito
contra minhas costelas.

"Prioridade: EDUCAÇÃO" - José Nilton Mariano Saraiva

Pela importância de que se reveste, pela projeção dada ao Brasil em função de, pelo ineditismo do reconhecimento de uma personalidade sul-americana por parte de uma respeitável instituição européia secular, bem como em razão das causas consistentes constantes na peça que o justifique, abaixo o...

Discurso de Luiz Inácio Lula da Silva quando do recebimento do título Doutor Honoris Causa – Sciences Po - Paris, França - 27 de setembro de 2011

Minhas amigas e meus amigos,
É uma grande honra, para mim, receber o título de Doutor Honoris Causa do Instituto de Ciências Políticas de Paris. Honra que se torna ainda maior por eu ser o primeiro latino-americano a recebê-lo. Estou profundamente grato à direção da Sciences Po e a todos os seus professores, funcionários e alunos por me conferirem uma láurea tão prestigiosa. Esta casa, a um só tempo humanística e científica, é reconhecida e admirada no mundo todo por seus elevados propósitos e pela excelência do seu corpo docente e discente. É uma instituição que representa de modo exemplar o compromisso da França com a liberdade intelectual, a dignidade da política e o aperfeiçoamento permanente da democracia. Representa essa França consciente de suas conquistas materiais e espirituais, ciosa de seus valores civilizatórios, mas nem por isso menos aberta a povos e mentalidades diferentes, à compreensão do outro. Essa França insubmissa e libertária que, durante séculos, inspirou – e continua de alguma forma inspirando – a trajetória de muitos países, entre eles o Brasil. Essa França que, desde o século 18 até os dias atuais, é tão relevante para o Brasil, seja no terreno das idéias políticas e sociais, seja na esfera da educação e da cultura, seja no que se refere às parcerias produtivas e tecnológicas.
Minhas amigas e meus amigos,
Mais do que um reconhecimento pessoal, acredito que este título de Doutor Honoris Causa é uma homenagem ao povo brasileiro, que nos últimos anos vem realizando, de modo pacífico e democrático, uma verdadeira revolução econômica e social, dando um enorme salto histórico rumo à prosperidade e à justiça. Depois de prolongada estagnação, o Brasil voltou a crescer de modo vigoroso e continuado, gerando empregos, distribuindo renda e promovendo inclusão social. Deixamos para trás um passado de frustrações e ceticismo. Os brasileiros e as brasileiras voltaram a acreditar em si mesmos e na sua capacidade de resolver problemas e superar obstáculos, por mais difíceis que sejam. Graças a um novo projeto de desenvolvimento nacional, com forte envolvimento da sociedade e intensa participação popular, conseguimos tirar 28 milhões de pessoas da miséria e levamos 39 milhões de pessoas para a classe média, no maior processo de mobilidade social da nossa história. Em oito anos e meio foram criados 16 milhões de novos empregos formais. O salário mínimo teve um aumento real de 62%, e todas as categorias de trabalhadores fizeram acordos salariais com ganhos acima da inflação. Além disso, implantamos vários programas de transferência direta de renda, dos quais se destaca o Bolsa Família, que é o principal instrumento do Fome Zero e, no final do ano passado, beneficiava 52 milhões de pessoas. Dessa forma, a desigualdade entre os brasileiros atingiu o menor patamar em 50 anos. Nos últimos dez anos, a renda per capita dos 10% mais ricos aumentou 10%, enquanto a dos 50% brasileiros mais pobres teve um ganho real de 68%. O consumo se ampliou em todas as classes, mas no segmento popular cresceu sete vezes. Os pobres passaram a ser tratados como cidadãos. Governamos para todos os brasileiros e não apenas para um terço da população, como habitualmente acontecia. Acreditamos firmemente que o desenvolvimento econômico precisa estar a serviço da redução das desigualdades sociais, sem paternalismo, promovendo a inclusão das pessoas mais pobres à plena cidadania. Acreditamos, igualmente, que isso pode, deve e será feito sem que se descuide do equilíbrio macroeconômico, combatendo com firmeza a inflação.
Minhas amigas e meus amigos,
Ao mesmo tempo que resgatávamos grande parte de nossa dívida social, trabalhamos para modernizar o país, preparando-o para os desafios produtivos e tecnológicos do século 21. Investimos fortemente em educação, pesquisa e desenvolvimento. Orgulho-me de ter criado 14 novas universidades federais e 126 extensões universitárias, democratizando e interiorizando o acesso ao ensino público. Também lançamos o Reuni, um programa para fortalecer o ensino público universitário, com a valorização dos docentes. Ele contribuiu para que dobrássemos o número de matrículas nas instituições federais. Mas não ficamos restritos a isso e instituímos o Prouni, um sistema inovador de bolsas de estudo em universidades particulares. Com ele, garantimos que 912 mil jovens de baixa renda pudessem cursar o ensino superior. E a oportunidade não foi desperdiçada: os jovens com bolsas do Prouni têm-se destacado em todas as áreas, liderando em muitos casos os exames nacionais de avaliação feitos pelo Ministério da Educação. Ou seja, bastou uma chance e a juventude brasileira deu firme resposta ao mito elitista segundo o qual a qualidade é incompatível com a ampliação das oportunidades.
Também me orgulho muito de termos inaugurado 214 novas escolas técnicas federais, que criaram possibilidades inéditas de formação profissional para a juventude. A boa qualidade do ensino na rede de escolas técnicas federais também abre as portas para as universidades, mesmo para quem trabalha durante o dia inteiro, porque durante o meu governo aumentamos o número de vagas nos cursos universitários noturnos. Esses jovens têm que CONTINUAR SONHANDO, têm que lutar para conquistar o doutoramento, para trabalhar nos diversos centros de pesquisa e desenvolvimento tecnológico que existem no Brasil. Deixamos de considerar a educação como um gasto para tratá-la como investimento que muda a vida das pessoas e do país. Por isso, em meus dois mandatos, triplicamos o orçamento do Ministério da Educação, que saltou de 17 bilhões de reais para 65 bilhões de reais em 2010.
Essas mudanças eram imprescindíveis, pois a garantia de acesso à educação de qualidade, da pré-escola aos cursos de pós-graduação, é um dos principais instrumentos para promover a igualdade social, combater a pobreza e assegurar um desenvolvimento econômico, científico e tecnológico sustentável em longo prazo. A EDUCAÇÃO FOI COLOCADA COMO PRIORIDADE ESTRATÉGICA PARA O PAÍS. O investimento público direto em educação passou de 3,9% do Produto Interno Bruto em 2000 para 5% em 2009. E, agora, a presidenta Dilma Rousseff assumiu o compromisso de ampliar o investimento em educação progressivamente até atingir 7% do Produto Interno Bruto.
Minhas amigas e meus amigos,
O Brasil já tem muito a mostrar no segmento de pesquisa e desenvolvimento. A Lei da Inovação, aprovada em dezembro de 2004, incentivou as universidades a compartilhar seus projetos de pesquisa e desenvolvimento com as empresas públicas e privadas, para alavancar a inovação tecnológica no ambiente produtivo. O número de cientistas envolvidos em pesquisa e desenvolvimento passou de 126 mil em 2000 para 211 mil em 2008. E o número de patentes depositadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) cresceu de 21 mil em 2000 para 280 mil em 2009. Além disso, o governo federal destinou 41 bilhões de reais ao setor de pesquisa e inovação no período de 2007 a 2010, através do Programa de Aceleração do Crescimento.
Minhas amigas e meus amigos,
Uma das preocupações do meu governo – e que continua a ser um firme compromisso da presidenta Dilma – foi garantir que o crescimento econômico e os investimentos estruturantes fossem sustentáveis do ponto de vista ambiental. Nos últimos anos, o Brasil superou a falsa contradição que opunha o desenvolvimento à sustentabilidade ambiental. Nesse período, a taxa de desmatamento caiu 75%.
Em nosso governo, fixamos como meta reduzir as emissões de CO2 entre 36% e 39% até 2020. Esse compromisso foi incorporado à Política Nacional de Mudanças Climáticas, apresentada em Copenhague, em dezembro de 2009, e posteriormente transformada em lei pelo Congresso Nacional.
O Brasil é uma referência no enfrentamento dos desafios ambientais do século 21, pois é responsável por 74% das unidades de conservação criadas no mundo desde 2003. Também alcançamos recentemente o menor nível de desmatamento dos últimos 22 anos.
Minhas amigas e meus amigos, Os avanços que conquistamos nos últimos anos foram possíveis porque praticamos intensamente a democracia. Não nos limitamos a respeitá-la – o que é um dever – mas levamos suas possibilidades ao limite, promovendo um amplo processo de participação social na definição das políticas públicas. Estabelecemos uma nova relação do Estado com a sociedade, na qual todos os setores sociais foram ouvidos, mobilizados, e puderam discutir não somente com o governo, mas também entre eles próprios. Multiplicaram-se os canais de interlocução da sociedade com o Estado, o que contribuiu de modo decisivo para que crescimento econômico e desenvolvimento social caminhassem juntos. Para tanto, realizamos 74 conferências nacionais entre 2003 e 2010, precedidas por reuniões em níveis municipal e estadual , que contaram com a presença de cerca de 5 milhões de pessoas. Discutimos e aprofundamos nessas conferências temas importantes: do meio ambiente à segurança pública; dos transportes à diversidade sexual; dos direitos dos indígenas às políticas de telecomunicações; da igualdade racial à política nacional de saúde , dentre muitos outros. Conselhos de políticas públicas, com ampla representação popular, foram criados junto a todos os ministérios. Em outras palavras, apostamos decididamente na política. Porque sempre acreditamos na força da política como promotora da emancipação individual e coletiva. A participação política é o melhor antídoto contra a alienação e as tentações autoritárias.
Eu próprio sou produto da política. A luta sindical me deu a convicção de que era necessário incorporar os trabalhadores às decisões políticas. Foi por isso que, em 1980, criamos o Partido dos Trabalhadores, que em menos de 20 anos tornou-se o maior partido de esquerda da América Latina e chegou à Presidência da República. Também construímos a maior a central sindical da América Latina, a Confederação Única dos Trabalhadores. Tenho a plena convicção de que os problemas da sociedade só podem ser resolvidos com mais democracia e mais envolvimento da sociedade no exercício do poder.
Minhas amigas e meus amigos,
O Brasil não está sozinho nessa trajetória virtuosa, que reuniu democracia, desenvolvimento econômico e justiça social. A esperança progressista do mundo, hoje, navega no vento que sopra do Sul. A América do Sul não é mais o estuário dos problemas do mundo, e sim a mais promissora fronteira da luta pela justiça social em nosso tempo. Sem os países em desenvolvimento, não será possível abrir um novo ciclo de expansão que combine crescimento, combate à fome e à pobreza, redução das desigualdades sociais e preservação ambiental. No momento em que se está constituindo um mundo multipolar, a América do Sul afirma a sua presença no plano internacional, renovando a confiança em si e na capacidade de seus povos de construir um destino comum de democracia e crescimento econômico com inclusão social. Vivemos numa região de paz. Não há ódio religioso entre nós. Os governantes de todos os nossos países foram eleitos em pleitos democráticos e com ampla participação popular. A democracia é o nosso idioma comum.
Minhas amigas e meus amigos,
Avançamos muito no Brasil nos últimos anos. Ampliamos a inclusão social e a democracia se fortalece cada vez mais. Elegemos, pela primeira vez na nossa história, uma mulher para a Presidência da República. Fizemos muito, mas ainda há muito por ser feito. E o governo da presidenta Dilma Rousseff assume esta responsabilidade. Lançou o programa Brasil sem Miséria para erradicar totalmente a extrema pobreza. Fortaleceu a área da educação, ao ampliar o programa e ensino técnico e aumentar o número de bolsas de estudos no exterior. O lançamento de uma nova política industrial, com o programa Brasil Maior, fortalecerá a inovação e a competitividade. Por último, quero enfatizar que o conhecimento e a informação são cada vez mais importantes para o aprimoramento espiritual da Humanidade e também para viabilizar o progresso econômico e o bem-estar dos povos. O governante que não enxerga isso, não está preparado para governar uma Nação. Governante que não sonha não transmite esperança. Agradeço novamente à Science Po por ter sido agraciado o título de Doutor Honoris Causa e estou honrado por fazer parte do seleto grupo de pessoas que mereceram esta honra.
Muito obrigado.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

amálgama

Antes que eu morra meus lábios ficam dormentes,
uma borboleta azul entra por meu ouvido direito
e sai uma bailarina de porcelana pelo esquerdo.

Amor não é somente o mel das abelhas.
Mas os zangões com seus infortúnios
e as escravas que tecem
a pelugem da rainha.

Amor não é saudade.
É delicada ausência
que junta os pontos
da cicatriz do ferido.

Amor não é posse.
É uma fatia de pão
dividida com todas
formigas do quarto.

Antes que eu morra meus olhos explodem
e duas estrelas ocupam o lugar no rosto.

arroubo

Aquela noite eu parecia um doido,
os cabelos de Ezra Pound
os olhos de Baudelaire
o sorriso de Neruda

entrando em bares
e correndo nas praças

berrando versos,
bebendo todas,
colhendo flores.

Aquela noite assombração alguma me vencia
nem Cérbero nem Anderson Silva,

estava mesmo um doido varrido
um anjo de porta em porta

abraçando pessoas,
cães e gatos.

Aquela noite eu era uma coisa do outro mundo,
filho de D. Quixote com Dulcineia Del Toboso.

Os óculos embaçados,
as faces vermelhas,
os lábios trincados

cuspindo versos,
bebendo todas,
colhendo flores.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Honoris Causa para um escravo - tradução José do Vale Pinheiro Feitosa

Li este artigo e como expressa muito bem o espírito “escravista” brasileiro, resolvi traduzir a “mis modos pero” de modo fiel.

A artigo saiu no Página 12 e foi escrito por Martin Granovsky

Título: Escravistas contra Lula

Podem pronuncia sians po. É mais ou menos a fonética de ciências políticas. Como dizer Ciência Po basta para encaixar perfeitamente em duas estruturas: a Fundação Nacional de Ciências Políticas da França e o Instituto de Estudos Políticos de Paris.

Não é difícil pronunciar Sians Po. O difícil é entender, nesta altura do século XXI, como as idéias escravocratas seguem permeando as gentes das elites sul-americanas.

Hoje à tarde, Richard Descoings, diretor de Scientes Po, entregou, pela primeira vez, o doutorado Honoris Causa a um latinoamericano: o ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio “Lula” da Silva. Falará Descoings e falará Lula, claro.

Para explicar bem sua iniciativa, o diretor convocou uma reunião em seu escritório na rua Guillaume, próxima da igreja de Saint Germain de Pres, numa contraparte em que se podia ver-se as castanholeiras com folhas amarelas. Entrar na cozinha sempre é interessante. Se alguém passava por Paris para participar como palestrante de duas atividades acadêmicas, uma sobre a situação política Argentina e outra sobre as relações entre Argentina e Brasil, não ficaria mal que se metesse na cozinha da Sciences Po.

Pareceu ao mesmo à historiadora Diana Qauttrocchi Woisson, que dirige em Paris o Observatório sobre a Argentina Contemporânea, é dirigente do Instituto das Américas e foi quem teve a idéia de organizar as duas atividades acadêmicas sobre Argentina e Brasil e às quais também participou o economista e historiador Mario Rapoport, um dos fundadores do Plano Fênix há 10 anos.

Naturalmente, para escutar a Descoings haviam sido convidados vários colegas brasileiros. Sciences Po tem uma cátedra de Mercosul, os estudantes brasileiros vêm cada vez mais à França, Lula não saiu da elite tradicional do Brasil, porém legou o máximo nível de responsabilidade e aplicou planos de alta eficiência social.

Um dos colegas perguntou se era conveniente premiar a quem se jacta de nunca haver lido um livro. O professor manteve sua calma e o olhou assombrado. Talvez seja que esta jactância de Lula não conste em atas, embora seja certo que não tem título universitário. Tão certo é que quando assumiu a presidência, no 1º de janeiro de 2003, levantou o diploma que dão aos Presidentes no Brasil e disse: “Lamento que minha mãe morreu. Ela sempre quis que eu tivesse um diploma e nunca imaginou que o primeiro seria o de presidente da república”. E chorou.

Por quê premiam a um presidente que tolerou a corrupção? Foi a seguinte pergunta.

O professor sorriu e disse: “Olhem, Sciences Po não é a Igreja Católica. Não entra em análises morais, nem tira conclusões apressadas. Deixe para o balanço histórico este assunto e outros muito importantes, como a eletrificação de favelas em todo Brasil e as políticas sociais”. E completou, pegando o jornal Le Monde: “Que país pode medir moralmente hoje a outro? Se não queremos falar destes dias, recordemos como um alto funcionário de outro país teve que renunciar por haver plagiado uma tese de doutorado de um estudante”. Falava de Karl-Theodor zu Guttenberg, Ministro da Defesa da Alemanha.

Mais ainda: “Não desculpamos, nem julgamos. Simplesmente não damos lições de moral a outros países”.

Outro colega perguntou se estava bem premiar a quem uma vez chamou de “irmão” a Muamar Khadafi.

Com as devidas desculpas, que foram expressadas ao professor e aos colegas, a impaciência argentina levou a perguntar onde havia comprado Khadafi a suas armas e que país refinava seu petróleo, além de comprá-lo. O professor deve ter agradecido que a pergunta não citara, com nome e sobrenome, a França e Itália.

Descoings aproveitou para destacar que Lula “ao homem de ação que modificou o curso das coisas”, e disse que a concepção de Sciences Po não é o ser humano como “os uns ou os outros” e sim como “os uns e os outros”. Marcou muito a letra “e” em francês.

Diana Quattrocchi como latino-americana que estudou e se doutorou em Paris para sair do cárcere da ditadura argentina graças à pressão da Anistia Internacional, disse que estava orgulhosa de que Sciences Po dera o Honoris Causa a um presidente da região e perguntou pelos motivos geopolíticos.

“O mundo se pergunta todo”, disse Descoings. “E temos que escutar a todos. O mundo não sabe sequer se a Europa existirá o ano que vem”.

Em Sciences Po, Descoings introduziu estímulos para que possam ingressar estudantes que, se supões, correm com desvantagem para se aprovado nos exames. A isso chama de discriminação positiva ou ação afirmativa e se parece, por exemplo, a obrigação argentina de que um terço das candidaturas legislativas devam ser ocupadas por mulheres.

Outro colega brasileiro perguntou, com ironia, se o Honoris Causa a Lula formava parte da ação afirmativa de Sciences Po.

Descoings o observou com atenção antes de responder. “As elites não são apenas escolares ou sociais”, disse. “Os que avaliam quem são os melhores são os outros, não os que não iguais entre si. Se não, estaríamos frente a um caso de elitismo social. Lula é um torneiro mecânico que chegou à presidência, porém segundo tenho entendido não um golpe sim que foi votado por milhões de brasileiros em eleições democráticas”.

Como Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff na Assembléia Geral da ONU, Lula vem insistindo que a reforma do FMI e do Banco Mundial está atrasada. Disse que estes organismo, como funcionam atualmente, “não servem para nada”. O grupo dos BRICs ofereceu ajuda à Europa. China tem o nível de reserva mais alto do mundo. Num artigo publica no El País, de Madrid, os ex-primeioros ministros Felipe González e Gordon Brown pediram maior autonomia para o FMI. Querem que sejam o auditor independente dos países do G-20, que integrem os mais ricos e também, pela América do Sul, a Argentina e Brasil. O seja, queren o contrário do que pensam os Brics.

Em meio a esta discussão chegará Lua à França. Convém fazê-lo saber que, antes de receber o doutorado Honoris Causa de Sciences Po, deve pedir desculpas aos elitistas de seu país. Um operário metalúrgico não pode ser presidente. Se por alguma causalidade chegou ao Planalto, deveria guardar recato. No Brasil, a Casa Grande das fazendas estava reservada aos proprietários de terras e escravos. Assim que Lula, agora, silêncio por favor. Os da Casa Grande se enojam.

A Psicopotalogia do Mercado - José do Vale Pinheiro Feitosa

No segundo semestre de 1972 um grupo de jovens ligados a um movimento esquerdista de classe média tentou roubar um banco em Ipanema no Rio de Janeiro e isso desencadeou a roda da insensatez. Um dos jovens foi baleado, uma companheira escapou junto com o ferido e uma vez tendo um namorado cuja mãe era médica e esposa de um político cassado, convenceu o namorado a levar o ferido até a mãe para retira-lhe a bala. Dito e feito, a mãe sentindo o “envolvimento” do filho (levar o ferido até ela), retirou e fez o curativo no rapaz em casa mesmo.

Algumas semanas mais tarde, na fuga, o jovem foi preso em Belo Horizonte e sob tortura abre tudo, inclusive o nome da médica que não sabia nada do movimento rebelde. O exército, à paisana, ligado ao DOI-CODI da Barão de Mesquita na Tijuca invade a casa do político e prende todo mundo, inclusive os jovens da vizinhança que costumavam freqüentar a casa. O político cassado é aprisionado, ameaçado para entregar o filho que nesta altura havia se refugiado em Saquarema praia onde rolava um fuminho, era disso que ele gostava, além do rock e do surf.

O pai é levado para a Barão de Mesquita, ameaçado sob pressão, posto na famosa geladeira e finalmente transportado para Saquarema para encontrar o filho que havia fugido dali. Depois é recolhido em casa e como o jornal do Brasil começasse a investigar a “ação” em plena zona sul, inclusive por denúncia de uma política que era amiga e vizinha do casal, o exército saiu de lá, mas levou a médica presa. A política era ligada ao Lacerda, amiga de generais e simpatizava com a direita brasileira e, assim mesmo denunciou a ação.
A médica desapareceu. Por trinta dias estava sumida. Mesmo o político cassado tendo grandes relações no Rio, não conseguiu apurar a situação da sua esposa. Finalmente receberam notícias que ela estava internada e que tinha sofrido uma cirurgia no Hospital do Exército. Orlando Geisel, Ministro do Exército de Médici, que já virara general de pijama no final do Governo Jango e por este foi promovido e tendo recebido a notícia a pedido de Jango pela voz do político cassado, mandou avisá-lo que ele iria visitar a esposa. Ele recebeu a autorização e foi na Barão de Mesquita para os trâmites finais.

Simultaneamente o General Fiuza, comandante do DOI-CODI telefonou para a política para se queixar por que o político cassado não o tinha procurado antes para saber notícia da esposa. A política lhe disse: ora General, ele não tinha que lhe procurar coisa alguma, você é que deveria ir procurá-lo. Então o político entrou na sala do General Fiuza que estava junto de outro oficial, o dispensou e veio até o político para tecer considerações que justificavam a tortura.

Coisas terríveis que tinha de praticar para receber informações sobre o inimigo. Ele até se lamentava por que já havia perdido alguns excelentes oficiais que se “viciavam” tanto nas sevícias e no sofrimento alheio que iam até o fim. E finalmente disse que a mulher tinha sido muito bem atendida no hospital do exército, que tinha sido atendida por um ótimo profissional. Um “ótimo profissional” que operava as pessoas sem nem ao menos consultar os familiares foi o que lhe respondeu o político cassado.

Aquilo era a senha final do enredo: o DOI-CODI já não sabia mais separar a boa fonte de informação daquela que não tinha informação alguma. Naquele caso, a médica só tinha duas informações: que havia retirado uma bala e esta fora de um jovem que ela nem sabia o nome. Eis o exemplo fatal da irracionalidade patológica sobre as instituições, de como psicopatas chegam a elas e como elas transformam pessoas normais em psicopatas irracionais.

Esta história se deu e aconteceu no clima dos anos setenta quando o Brasil se envolveu numa ditadura militar cujo eixo era a Guerra Fria. A luta para alguns entre os exploradores imperialistas e a libertação dos povos oprimidos. Ou para outros a luta entre o bem do capitalismo e o demônio do comunismo. Vieram os anos 90 e um dos pilares da guerra fria desmoronou e sobre os seus escombros os inimigos descobriram o horror da tortura e das prisões irracionais. Falo da ex-União Soviética. Claro que o inimigo do comunismo comemorava a própria vitória.

Terminamos os anos 90 com as bandeiras desfraldadas do neoliberalismo econômico, a globalização financeira a mostrar a nova realidade, o furor das privatizações e o muxoxo desdenhoso com os arcaicos da velha realidade. Foi aí que o primeiro mito caiu: o da infalibilidade física do imperial poder da globalização. As torres gêmeas de Nova York, precisamente por que era um prédio de abrigo dos especuladores de Wall Street, se desmorona com aeronaves civis do próprio império. O império era vulnerável: todo mundo assistiu pela rede mundial de televisões.

No final da primeira década dos anos dois mil, menos de vinte anos após o primeiro pilar da guerra fria vir abaixo, cai o segundo pilar. Hoje estamos num total desprovimento dos mitos destas duas forças do século XX. O século XXI finalmente começou como algo novo e diferenciado. Parece que as regras estão todas a mudarem. A racionalidade da marcha da expansão da Rússia e dos EUA foi historicamente superada.

Recente estudo no paraíso do liberalismo econômico, a Suíça, parece ter evidenciado o que sempre se soube desde o século XX: o equilíbrio ótimo, trazendo ganhos para todos que seria a racionalidade do Deus Mercado não existe. E não existe no real do mundo: nas pessoas que afinal demonstraram o mesmo vício dos torturadores do DOI-CODI da Barão de Mesquita.

O estudo comparou corretores da bolsa com um grupo controle de pessoas normais e com psicopatas internados em clínicas de segurança máxima da Alemanha. O que caracteriza os psicopatas? Comportamento egoísta e não-cooperativo, desprovidos de qualquer empatia e responsabilidade social. Pois bem os corretores se comportaram de modo menos cooperativo que os psicopatas. E tem coisa pior, que justifica a crise do mercado: os agentes financeiros tiveram resultados piores que os psicopatas em relação aos ganhos finais de suas decisões.

Acontece que os “psico-corretores” são apenas capazes de maximizar seus ganhos à custa dos oponentes. Tiveram desempenho péssimo no que se refere à performance geral, ou seja, nos tais ganhos absolutos que os clássicos da economia santificavam. Na verdade esta psicopatologia de mercado tem um comportamento altamente destrutivo do ambiente social e se expressa como diz o psiquiatra que realizou o estudo: “É como se você destruísse o automóvel do seu vizinho com um taco de beisebol, para que seu carro seja o mais bonito da rua”.

Enfim a dinâmica do outro pilar era a traição sistemática do companheirismo e da sociedade.

duas irmãs

Sim, há solidão alegre.

Aquela que nos estreita os laços
com nossos objetos de cada dia.

Que nos lança à plenitude
e coça nossos pés

e nos deixa livres
para nós mesmos.

Que bobagem ficar de mal da cafeteira
só por ela nos ter queimado o braço.

Que tolice insana ignorar um livro
apenas porque ele nos leva
a uma caverna escura
e fria.

Miséria é o homem que não beija
é a mulher que não beija

que se apartam da vida
sisudos, coléricos, fúteis

e acabam morrendo sufocados
por uma solidão, deus, tão triste.

Esta é uma solidão triste.

Setaro's Blog: Das estruturas da narrativa

Setaro's Blog: Das estruturas da narrativa: A construção de uma narrativa cinematografia obedece a diversos critérios assim como um projeto arquitetônico corresponde a determinadas opç...

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

PROFESSOR NÃO É MOLEQUE!


E A GREVE CONTINUA...

Mesmo sob ameaças e mentiras do governador Cid Gomes, o destempero verbal de seu irmão problemático Ciro Gomes, a omissão dos deputados estaduais e a conivência do judiciário, os professores do Ceará mantêm erguida a bandeira da dignidade e da ousadia: GREVE GERAL - INTERIOR E CAPITAL!!!

Agenda Crato-CE:

Terça-feira, dia 27.Set.2011
7h30min - Audiência na Câmara de Vereadores
9h30min - Ato em conjunto com os servidores dos Correios e Bancários, em frente à Agência dos Correios

Quarta e Quinta-feira, dias 28 e 29.Set.2011
Mobilização permanente nas escolas e comunidades
Denúncias na imprensa e nas redes sociais

Sexta-feira, dia 30.Set.2011
14h00min - Assembleia Geral dos Professores em Crato, no CEJA

O GOVERNADOR DO CEARÁ 
QUER ACABAR COM A CARREIRA DO MAGISTÉRIO  

Cid Gomes não perde o rebolado de ditador. Diz que se preocupa com a educação, desconversa sobre as reivindicações da categoria e as joga para conversas futuras. Fere de morte a educação cearense. Será que nesse tempo todo ainda não deu para analisar as propostas?! 

Na última reunião com o Comando de Greve, em Fortaleza, o governador blefou. Jogou sabendo que possui aliados fortes no seio da categoria, influentes o suficiente para atraiçoar e enfraquecer o movimento. Ameaçou covardemente os professores ao declarar que vai abrir processo administrativo contra os grevistas. Que bom comportamento esse do Ferreira Gomes para início de negociação.

Como não fosse pouco, seu irmão de palavrório solto e fútil, Ciro, o ex-muita-coisa que leva o tempo em catar holofotes para si, demonstrou o medíocre pensamento de sua dinastia ao desqualificar os professores em greve, chamando-os de "moleques" e "ignorantes". Isso se deu em Crato-CE, quando de sua vinda para evento de seu partido, o PSB - Partido "Socialista" Brasileiro, sábado, dia 24 de setembro.  

Cid sabe que tem a seu favor toda a estrutura de poder e pressão. São seus serviçais desembargadores, que vergonhosamente lhe dão pareceres favoráveis como pagas de favores de ontem e de hoje, mesmo fundados em mentiras e desvios jurídicos. Hospedam-se na sola de suas botas a quase totalidade da assembléia legislativa, com deputados que se comportam como cães amestrados. Tem a cumplicidade da grande mídia.

O povo está só! À mercê dos prazeres malvados de um louco que trai, corrompe, age ilegalmente, ameaça, intimida... E ninguém o enquadra na lei porque a lei é manipulada em benefício dos poderosos.

Mas podemos muito mais! Digamos NÃO à tentativa de engabelação perpetrada pelo governador e seus prepostos. Sigamos na luta. Mantenhamos a GREVE!

GREVE GERAL
INTERIOR E CAPITAL!!!

domingo, 25 de setembro de 2011

retrato

Sinceramente duvido se haverá o dia em que
sentado na cadeira e o olhar perdido
direi: "eu vos amo,
meus netinhos."

Primeiro, se eu estiver bem velhinho
eu quero correr na calçada
e deixar o sol da manhã
queimar meus cabelos.

Digo-vos, meus prováveis netos,
quando eu estiver bem velhinho
não me venham com essa
de sentar-me na sala
cercado de gente.

Não tirem fotografias
nem me filmem sentado.

Já disse, quero estar na calçada
correndo feito um louco atrás
de uma borboleta
de três olhos.

Se possível,
acompanhado de uma jovem.

Não quero nenhuma velhinha comigo.
Nem que eu sofra ameaças dessa jovem.

Mas é uma jovem que quero ao meu lado
correndo também feito uma louca
atrás de uma borboleta
de três olhos.

Acreditai, se a morte vier assim
e me pegar bem acompanhado

passará pelo menos dois minutinhos
admirando a beleza da moça.

Tempo suficiente
para que eu fuja
pro meu quarto.

As cidades de Chico Buarque - Emerson Monteiro


Cristina Couto reuniu em livro (As cidades de Chico Buarque) fragmentos de uma época histórica do Brasil recente e intercalou-os com páginas das músicas de Chico Buarque de Holanda e. deste modo, criou belo painel que bem representa a fase crítica dos anos de chumbo. Nas marcas que anotou dos passos do poeta nos bastidores da convulsa vida nacional, a escritora conta em linguagem eficiente o que vencíamos do medo e da censura feroz para trazer ao povo os espelhos urbanos que alimentavam apreensivas esperanças e resistência.

Perante o jeito que exercita, Cristina de Almeida Couto, membro da Academia Lavrense de Letras, professora universitária e jornalista, consolidou no seu trabalho a escritura poética de Chico Buarque na visão acadêmica suficiente de dizer o que aconteceu no imaginário da criação artística, contradições e vislumbres doridos, na fase extrema, totalitária. Caminhava-se pelas ruas deserdados; atravessavam as lamúrias de um modelo econômico de época, à força dos poderes internacionais na república ansiosa de algum crescimento material.

Talhes profundos, no entanto, feriam por dentro a alma, sobretudo de jovens da classe média embalados nos sonhos imaginários de liberdades civis ideais, frustradas na quebra institucional da luta brasileira.

Trabalhou com êxito o tema desse encontro das duas vertentes, do real no cotidiano, e das letras que o interpretavam através palcos e discos, a transmitir vozes gritadas ao enlevo dos ritmos novos – misturas de samba do morro, bossa nova e inventividade nativa.

Feliz a executar o projeto estabelecido, Cristina nos permite viver ou reviver a composição popular no mister desses acontecimentos, versão do coração de quem atendeu consignar a poética na história dos vencidos daqueles instantes.

Uma viagem técnica e sentimental, pois, através das letras das cantigas... exercício de fixação salutar e digno de quem deseja guardar as lições amargas da nossa geração urbano-industrial.

Culpa no cartório ??? - José Nilton Mariano Saraiva

Falta de respeito, imoralidade, descaso e safadeza explícita para com todos nós, pobres mortais-comuns. É o mínimo que se pode deduzir das imagens veiculadas pela TV e que mostram o absurdo e surreal “teatro chinfrim” armado por dois “respeitáveis” (???) deputados federais quando de uma das sessões da Comissão de Constituição e Justiça (???) da Câmara Federal, em Brasília, na quinta-feira passada, 22.09.11.
Presidida pelo deputado federal César Colnago (PSDB-ES), tendo como votante apenas e tão somente o também deputado Luiz Couto (PT-PB) e sob os olhares incrédulos de alguns assessores, a mambembe e escabrosa “palhaçada” não durou mais que três (03) minutos, ao final dos quais foram aprovados incríveis cento e dezoito (118) projetos (entre os quais concessões de radiodifusão, projetos de lei e acordos internacionais). Acontece que, como lá ninguém quer mesmo nada com a vida (só comparecem em plenário às terças e quartas e folgam de quinta a segunda), àquela hora todos os demais deputados já se encontravam nos respectivos estados a fim de curtir o final de semana, depois de assinarem a lista de presença pela manhã.
Nas imagens veiculadas, o presidente da sessão, numa cena deprimente. já que dirigindo-se a um plenário vazio e entregue às moscas, é enfático: “...Em discussão. Não havendo quem queira discutir, os deputados que concordam com a aprovação em bloco dos pareceres permaneçam como se encontram. Aprovado”. E atentem que os dois “nobres” deputados integram a Comissão de Constituição e Justiça (???) da Câmera Federal e deveriam zelar pelo bom nome do Legislativo.

Também, fazer o quê, se o próprio poder Judiciário brasileiro é um antro de corrupção, roubalheira e falcatruas, conforme sugeriu recentemente o deputado estadual do Ceará, Moésio Loiola, numa sessão pública, ao dirigir-se diretamente ao presidente da OAB-CE Valdetário Monteiro e afirmar com todas as letras que “... o poder Judiciário pouco difere dos poderes Executivo e Legislativo em matéria de mordomia, nepotismo, fisiologismo já que as maracutaias são tantas que tornam praticamente impossível identificar os envolvidos”; na oportunidade, acusou ainda, peremptoriamente, a existência de “...desvio de conduta, fraude, estelionato, negociação de sentenças, venda de liminares, manipulação na distribuição de processos, grilagem de terras, favorecimento na liberação de precatórios, contratos ilegais e malversação de dinheiro público”; e complementou, contundentemente: “...muitos juizes não se dão ao trabalho de sequer ler os processos, manusear os autos, a fim de emitir as sentenças respectivas, dependendo do figurão que está por trás e da propina liberada.”
Como não se tem notícia que o deputado Moésio Loiola haja sido sequer advertido pela OAB-CE, pergunta-se: admissibilidade de rabo preso, culpa no cartório, reconhecimento da podridão que lá impera ???
Afinal, o que esperar de um Judiciário onde o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (Gilmar Mendes, que nunca sequer foi Juiz), atropela ritos e o andamento normal da lide processualística, a fim de conceder dois hábeas-corpus (em um só dia) a um reconhecido bandido (Daniel Dantas) ??? A trôco de quê ???
Elementar, meu caro Watson !!!

1º ANIVERSÁRIO DO TERRAÇUS BAR E PETISCARIA




O TERRAÇUS - Bar e Petiscaria está fazendo um ano. Um ano apenas e já se mostra como um local bacana, super agradável e com boa estrutura para receber pessoas de bom gosto. Um local que tem se mostrado com bastante identidade em realizar eventos de qualidade e que conta com a presença marcante de um público maravilhoso. Para comemorar a data, o TERRAÇUS chamou a SERTÃO POP PRODUÇÕES para fazer a festa. Juntos estão trazendo duas maravilhosas bandas: a NIGHTLIFE, que, indiscutivelmente é a banda Pop-Rock mais festejada e amada do Cariri, e a fantástica cover do Pink Floyd CACO DE VIDRO, a sensação do TERRAÇUS no primeiro semestre.
Como é o primeiro aniversário do TERRAÇUS, achamos que essas duas bandas irão coroar a festa. Se você não pôde ver a CACO DE VIDRO da outra vez, esse é o momento. Os caras são simplesmente sensacionais. É você fechar os olhos e sentir o Pink Floyd tocando ao vivo no Cariri.
Vamos comemorar juntos esta data querida!

PS: A festa será de um ano do TERRAÇUS, mas será também em homenagem à memória do nosso grande amigo-irmão SAMUEL GRAVATINHA que nos deixou recentemente.

sábado, 24 de setembro de 2011

Fontes do Cariri - Emerson Monteiro


Houve um tempo em que existiam bem mais fontes no sul do Ceará, quando a vazão das águas nas encostas da Serra do Araripe imperava qual maravilha das maravilhas, cantada em verso e prosa. As ordens mudaram, no entanto. Notam estudiosos as sérias perdas no potencial aquífero, devido o desmatamento ainda hoje sem controle suficiente, apesar dos esforços despendidos pelos órgãos responsáveis. Pessoa por demais dedicada a coibir tais abusos, o professor Jackson Antero, que ora atravessa sérias dificuldades na saúde. Marcou presença substancial nesse empenho conservacionista das matas caririenses, o que testemunho em preito de gratidão por tudo o que realizou à frente do IBAMA com esse valioso e incansável objetivo.

Nos dias dagora, segundo estatísticas recentes, apenas 0,9% das águas do Planeta dispõem da qualidade mínima de utilização pelas pessoas humanas. Rareadas a cada ano, vertentes naturais do líquido ganharam dimensões de bem raro, precioso, porquanto a água potável é insubstituível na sobrevivência dos seres vivos.

Lembro do livro Terra dos homens, em Antoine de Saint Exupéry narra episódio que reflete a importância das fontes de água nas civilizações. Ele, piloto do correio aéreo, resolvera cumprir promessa feita a amigo seu, chefe de uma tribo do deserto no norte da África, de trazê-lo para conhecer a França.

Em Paris, numa praça, diante de fonte natural generosa observou a insistência do visitante de querer ali permanecer horas indefinidas, na admiração daquelas águas espontâneas a jorrar sem fim. Convidou a seguirem o passeio, quando ouviu do homem que estava disposto a esperar até ver o término daquele manancial de tanta beleza. Extasiara-se, pois, ao assistir às facilidades daquele valor inestimável, que no deserto encontrava apenas em fundos poços dos oásis longínquos.

Assim quem possui muito demora disso reconhecer a singularidade. E também recordo provérbio popular que afirma, dia de muito é véspera de pouco; dia de tudo é véspera de nada. Que tamanho descuido jamais aconteça conosco, de destruir as riquezas naturais, e que lições corretas cheguem logo, através de práticas favoráveis no respeito à Natureza.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

seu pedro

Há cinco dias não pesco.
Juro que a minha jangada
se não estivesse com o bico enterrado
correria pro mar e me largaria sozinho.

Conhecedor dessa sua natureza impetuosa
afundei-lhe o bico na areia e a parte detrás
amarrei aos meus cabelos.

Só se mexe se balanço o pescoço.
E se vou à cozinha preparar um cafezinho
levo-a junto cruzando o quarto e a área de serviço.

Há cinco dias não vejo meus irmãos golfinhos
nem abraço as minhas amigas baleias.

Na verdade só vou pro alto mar
pra me sentir bem acompanhado.

Conversar com as estrelas,
paquerar a lua que hoje,
grávida de quíntuplos,

suspira lembrando-me
que há cinco dias
não me vê.

Cio literário

O melhor desse beijo, a língua
Melhor que a língua, a fala
lambuzada de opinião
saliva meu pensamento
que o corpo vai junto, senão...
Maior que a fala, os gestos
gestos que não sabem mentir, eu calo
e calada, debruçada sobre a balaustrada ante o rio, cismo
uma teimosia preguiçosa
seria muita engenhosidade
estender a mão à palmatória dos críticos
enquanto menos trabalhoso escrever à língua
todas as páginas desse corpo
o tempo que passe!
eu vou passando
muito bem obrigada.

Hannibal de Matozinho


Assilon Cananéia tremeu do topete ao dedão do pé. De repente, ante as invectivas de D. Soledade, percebeu : tinha sido pego com as cilhas da cangalha frouxas. Ficou de um lado para outro, como galinha procurando canto para pôr o ovo. Parecia que ensaiava os passos cadenciados do Raggae, feito papagaio em areia quente. E agora? Soledade tinha sido categórica, firme, definitiva: amanhã você tem que se confessar, Si-Si, senão não vai poder comungar no casamento de Zuleika! Naquele exatíssimo momento se tinha interposto a última bola que lhe formatara a sinuca de bico. Ainda tentou contra-argumentar com a mulher. Já tinha tanta gente para a fila da hóstia, carecia lá mais um pecador no pé do padre? Soledade enfureceu, fez cara de cachorro pé-duro quando sente cheiro de onça maracajá. Aquilo seria uma desfeita sem tamanho! Onde já se viu? A filha no pé do altar e o pai esborrotando de pecado, se recusando a ajustar as contas com o Salvador? Pois bem, ameaçou a esposa: Zuleika já disse, seu miserável, se o pai não se confessar, ela se recusa a entrar na igreja, prefere viver junta com Senevaldo. Filha de pecador, tem que seguir os rastros do pai. A arapuca estava armada.

Assilon saiu meio capiongo para o trabalho. Cobrador de ônibus por longos anos, atualmente esquentava o banco no escritório da “Viação Rola Cachecha”. Não lembrava a data da última confissão. Ficou pensando na ruma de pecado que ia ter que fazer desfilar nos pés do padre. Alguns cabeludos como jumento novo. Cidade pequena, todo mundo conhecia todo mundo, ficou pensando no constrangimento que iria passar. Primeiro relacionado com o tempo da entrevista que já assustaria todos da fila da confissão e depois com o tamanho da penitência que o rigoroso Padre Arcelino lhe sapecaria. Preocupava-se, sobremaneira, com um namorico escondidíssimo que entabulara com uma beata da igreja, D. Zulena, que, por uma coincidência terrível, era sobrinha logo de quem ? Do vigário da cidade: o brabíssimo Arcelino. Convenhamos que Si-Si estava carregado de muitas razões para entrar no trabalho daquele jeito: mais prá baixo que diferencial de cururu. Os colegas perceberam o carrego , mas ignoraram, não tinham intimidade suficiente para escarafunchar aquele maribondo de chapéu. Havia, no entanto, um amigo mais chegado . Pois bem, Deusamém , montado numa confidencialidade de muitos e muitos anos, cutucou o vespeiro, sem medo das ferroadas. Si-Si , então, com os problemas já vazando pelo ladrão, contou tudo. Estava preocupado com a tarefa inadiável do dia seguinte e temendo a repercussão. Deusamém, macaco velho, saltou de lá com uma idéia brilhante. Lembrou que estava na cidade, visitando o pároco, um Padre alemão, recém chegado ao Brasil. Ainda não falava direito o português, mas teimava em confessar os fiéis. Deusamém acreditava que o Padre Nossinger Radikoff seria uma ótima saída, pois se não falava bem o português, imaginem o Matozinês, um dialeto dos mais intrincados e difíceis do mundo ! Assilon respirou aliviado e voltou para casa mais tranqüilo. Deusamém arranjara uma saída genial. Primeiro a demora seria facilmente compreendida pelo choque lingüístico entre confessor e confessado, depois havia a possibilidade de absolvição plena , sem demais protocolos e burocracias.

No dia seguinte, um contrito Assilon tomou piedosamente lugar na fila da confissão. Quando chegou sua vez, ajoelhou-se candidamente e esperou o palavrório de Nossinger que não demorou a ser escarrado da goela, com aquele sotaque forte de quem se entalou com farinha seca:

--- Meurr Filhorrr , digarr seusrr pecadorrrss!

--- Seu padre eu botei um “gato” na água lá de casa e no trabalho como cobrador, carrego um monte de “cabrito”no ônibus!

--- Meurr filhorrr, deixe de marvadezarrr com os bichinhosrrr de Deusrrr. Não derrr banhorr em gatorr não, viuuu? Agora carregarrr cabritooorr, meu filhoorrr, não serrr pecado não! Querr mais ?

--- Seu padre, quando eu vou para a roça, vez por outra eu como uma cabrinha que eu crio por lá.

--- Meurr filhorrr, isso não serrr pecadorrrrr, carne de vacarr, de boderrr, de porcorrr só serrr pecado na Semanarr Santarrr... Querr mais, meurrr filhorrr?

--- Quando não é a cabra seu padre, gosto de pelar uma sabiazinha...

--- Marvadezarrrr com os bichinhorrr de Deus, seu Assilonrrrr, de novorrr? Querr mais ?

--- Seu padre, eu tô comendo uma beata, é pecado?

--- o quêrrr ? Vocêrrr é caniballll, hein?

--- Não seu padre, eu tô fazendo um calamengau com ela toda noite!

--- Com elarrr quem ???

--- O calamengau é com Zulena !

--- Mingaurrr de Maizenarrr não é pecadorrr não seu Assilonrrr !

--- Mas seu padre, eu tenho feito com ela é por trás...

---- Porrr trássss? Arrrrr seurrr Assilonrrr ! Pois o senhorrr é um sujeitorrr traiçoeiroorrrr, não errrr ?...

No dia seguinte, devidamente purificado,ante os olhares de gratidão de D. Soeldade, o ex-traiçoeiro, ex-canibal, ex-judiador de gatos e sabiás , o ainda traiçoeiro Assilon lá estava pronto para papar a hóstia sagrada no casamento de Zuleika e Sonevaldo .

J. Flávio Vieira

P.S. – De uma idéia original de Armando Rafael, este texto é dedicado ao Capitão Ariovaldo Carvalho, Cidadão Matozense.