quarta-feira, 31 de julho de 2013

Quem é você para que me revele também? - José do Vale Pinheiro Feitosa

Nesta semana cheguei a 114 programas de rádio numa emissora de Paracuru trazendo traços autobiográficos de centenas de pessoas que vivem lá através de suas próprias entrevistas. Sempre procurei estimular a voz solta das pessoas, tentando o máximo possível não repará-las enquanto falavam e sem apontar as contradições entre as diversas afirmativas e negativas que faziam. Optei para mesmo que não trouxesse a cópia fiel do que é e foi cada pessoa, ao menos trazer em seus discursos ideias que por vezes não conseguiram ser e nem realizar mas que gostariam de ter acontecido.

Na verdade eu estava trabalhando com um material humano da maior sensibilidade. A autobiografia é a versão da própria pessoa sobre si mesma, mas sempre haverá a tendência a tentar mostrar-se superior para que sejam importantes. Mesmo aí eu não vi problemas, pois os valores mudam ao longo de décadas e muito do que era referência para aquelas pessoas nas primeiras fases de suas vidas, se tornaram quase nada na idade mais avançada. É este passo que me interessava.

Mesmo assim gostaria de deixar o registro feito por Jean Jacques Rousseau quando escreveu seus textos autobiográficos e um poema de Fernando Pessoa que praticamente é um paralelo no que diz o filósofo francês. Rousseau escreveu o texto que segue no próximo parágrafo e ainda deu uma gozada em Montaigne como verão a seguir.

Ninguém pode escrever a vida de um homem a não ser ele mesmo. Sua maneira interior de ser, sua verdadeira vida só ele a conhece; mas ao escrevê-la ele a disfarça; com o nome de sua vida, faz sua apologia; mostra como quer ser visto, mas de forma alguma tal como é. Os mais sinceros são verdadeiros no máximo no que dizem, porém mentem com suas reticências, e o que calam transforma de tal maneira o que fingem confessar que, ao dizer apenas uma parte da verdade, não dizem nada. Não coloco Montaigne à frente desses falsos sinceros que desejam enganar dizendo a verdade. Ele se mostra com seus defeitos, mas somente atribui a si os amáveis; não há homem que não possua alguns odiosos. Montaigne se retrata parecido, porém de perfil. Quem sabe se um lanho na face ou um olho vazado no lado que nos escondeu não teria transformado totalmente sua fisionomia? Um homem mais fútil do que Montaigne, porém mais sincero, é Cardano. Infelizmente este mesmo Cardano é tão louco que não se pode extrair nenhuma instrução dos seus devaneios. Aliás, que desejaria ir pescar tão raras informações em dez volumes in folio de extravagâncias?”    
Agora vamos ao poema do Fernando Pessoa.


Poema em linha reta
Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Seria o prenúncio dos Cavaleiros do Apocalipse? - José do Vale Pinheiro Feitosa

O que se apresenta como fatos isolados, na verdade é uma narrativa histórica muito perigosa.

Por isso fatos como as mortes de manifestantes no Egito, a forte perseguição dos EUA aos seus cidadãos que denunciam arbitrariedades contra os povos estrangeiros e o desmonte da vida privada das pessoas. Assim como o episódio de quatro países ocidentais que não permitiram o pouso do avião do Presidente da Bolívia. Do mesmo modo a grande tensão da direita italiana e da Liga Norte contra uma Ministra negra que discute a questão dos migrantes. Assim como a mais escandalosa notícia de que o Governo Inglês está indo aos bairros de Londres com carros de som, panfletos e cartazes pondo medo em todos os migrantes ilegais e prometendo cadeia para todos. A campanha é para que se apresentem e tratem de ir embora. O governo os ajudará nos papéis necessários ao seu caminho de volta.

Vans circulam pelos bairros de Londres que possuem maior número de migrantes transportando outdoors e distribuindo panfletos com a frase: Está no Reino Unido Ilegalmente? Vá para casa ou enfrente a prisão! Também deixam um número de SMS para receber conselhos gratuitos de como deixar o país.

Enfim a narrativa da crise do capitalismo liberal, deixando as pessoas à própria sorte, ao desespero e à necessidade de salvar a sua pele e da família no espaço exíguo que lhes restou. A conjuntura não é a mesma mas possuem os mesmos sinais de intolerância e desarranjo social dos tempos que antecederam a Segunda Grande Guerra Mundial e quando o Nazi-Fascismo surgiu como uma opção histórica real. A campanha inglesa acirra o convívio entre os daqui e os de fora. Expõe ao perigo até mesmo os migrantes legais que vivem no país, além de ampliar enormemente a intolerância e os conflitos entre grupos, com a possibilidade de estimular atos de extrema violência.


Estas políticas intolerantes costumam alimentar partidos e movimentos políticos moldados nesta prática que se tornam grande risco para pluralidade, a igualdade de direitos e a paz social. 

Brasil: apenas será uma grande Nação se for um grande Povo - José do Vale Pinheiro Feitosa

Estou pagando uma dívida para meus eventuais leitores. Em texto de semanas passadas me propus a levantar a questão se o Brasil poderia ter um papel diferente mesmo considerando as condicionantes do capitalismo mundial e sua história. Isso é do interesse dos brasileiros, especialmente quando pensamos numa sociedade mais igualitária dentro do nosso país.

Acho que todo desvio da ideia de igualdade como o pódio do mérito, a diferença racial, de sexo, de religião, de naturalidade, de herança de riquezas e outros tantos que pretendem promover privilégios, devem ser compreendidos e controlados. Somos todos iguais, com nossas idiossincrasias, mas literalmente temos o mesmo potencial de viver em paz e como os recursos e meios necessários.

Toda vez que alguém começa a considerar os gritos dos vizinhos como o empecilho para o próprio crescimento, estranhar a oração do outro, ter ódio do livre pensar ou mesmo desejar sobretudo explorar e ganhar dinheiro a custas de outros, a desigualdade não é simplesmente ampliada, ela na verdade é negada, sabotada e violentamente atacada.

Enfim, o Brasil para exercer um novo paradigma num futuro sistema capitalista mundial precisa viver, antes de tudo, uma sociedade igualitária. Se não temos os mesmos objetivos para nordestinos, sulistas e nortistas, algo grave ocorre no país. Se a classe média mais ilustrada apenas imagina nos moradores das periferias urbanas como mero serviçais para suas casas, ainda teremos muito para educar desta ilustração que não compreendeu ainda o verdadeiro sentido do que é o ser humano.

Somente na expectativa de vivermos uma sociedade igualitária é que podemos nos colocar como potência mundial em face de novos paradigmas para o sistema capitalista mundial. Há meses passados estava com um motorista chileno em longa conversa e ele como homem de direita e acostumado a transportar brasileiros que têm a mesma identidade política, veio o Lula por ter cedido naquela questão da Bolívia.

Aí eu disse que o melhor para o Brasil seria ter uma grande relação com os países da América do Sul sem exercer a ganância do imperialismo americano. Seria fácil ao Brasil pressionar a Bolívia, inclusive facilitando a vida das multinacionais francesas, inglesas, holandesas e outras mais, no sentido de desmoralizar um país pobre e sem condições de se defender. Mas isso seria negar igualmente aos mais pobres do Brasil. Os estados que sempre ficaram à margem, por exemplo, da enorme potência que é a economia paulista.

A igualdade entre os brasileiros é o norte para que grandes projetos internacionais do Governo ou das empresas brasileiras se exerçam sob bases mais humanas e voltadas para o desenvolvimento humano. Por isso se luta tanto o desde os anos 30 com leis trabalhistas, da previdência social, da defesa do índios e assim por diante. A educação pública, a saúde pública, a segurança e o transporte público como eixos para a igualdade. Além do estímulo à criatividade por um trabalho em condições de dignidade por empreendedorismo coletivo cooperativado visando sempre o bem comum.

Essa é apenas uma parte conceitual, de um arcabouço muito maior e que precisa ser enfocado em toda a sociedade brasileira para que possamos pensar no que o professor da UFRJ José Luís Fiori afirma. “Sempre existirá um imenso espaço de liberdade e de invenção revolucionária para o Brasil:  descobrir como projetar seu poder e sua liderança fora de suas fronteiras sem seguir o figurino tradicional das grandes potências. Ou seja, sem reivindicar nenhum tipo de “destino manifesto”, sem utilizar a violência bélica dos europeus e norte-americanos, e sem se propor conquistar qualquer povo que seja, para “convertê-lo”, “civilizá-lo”, ou simplesmente comandar o seu destino.”


terça-feira, 30 de julho de 2013

Como estamos nos desenvolvendo? - José do Vale Pinheiro Feitosa

Gostamos de ideias. E se essas ideias forem forte melhor ainda. Os números (estatísticas) mostram ideias fortes, mas o leitor tem dificuldade de aceitar sua afinidade com tais números dispostos de um modo puramente descritivo.

Para começo de conversa, convido os leitores a entrarem neste endereço http://www.atlasbrasil.org.br/2013/perfil/ e tomar conhecimento dos índices de desenvolvimento humano dos municípios que desejarem. Em seguida desejo oferecer uma ideia força do que seja o IDH.

A ideia do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal é fazer uma síntese do desenvolvimento humano através de suas conquistas em educação, saúde e renda. E o mais importante é compreender que estas três dimensões refletem o conjunto das ações públicas de uma sociedade. E no caso do Brasil é ter políticas nacionais que desdobrem em regiões, estados e municípios.

Claro que ao medir o IDHM estamos falando do conjunto do município e não estamos compreendendo a diferença, por exemplo, que exista entre o Bairro Gisélia Pinheiro e o Pimenta. As duas situações estão incluídas no conjunto, mas é importante saber que como estas dimensões são medidas por centenas de indicadores, a síntese com números mais altos e mais baixos refletem um atraso geral ou um avanço geral, mas acentuado sempre no Bairro Gisélia ou no Pimenta quando se trata dos dois extremos.  

Para relembrar: o IDH-M é subdividido em cinco faixas: muito baixo (0 a 0,49), baixo (0,50 a 0,59), médio (0,60 a 0,69), alto (0,70 a 0,79, e muito alto (0,80 e 1). Agora vamos às ideias fortes.

Todas as capitais brasileiras têm IDH-M alto ou muito alto. O Rio de Janeiro se encontra no limiar entre alto e muito alto com indicador de 0,799 enquanto Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba e Vitória têm IDH muito altos sendo o maior o de Florianópolis (0,847). Mas de qualquer modo a variação entre o menor índice (São Paulo 0,802) e o maior neste grupo top das capitais é inferior a 5%.

As demais capitais estão todas com IDH alto e como podemos concluir pela lista acima estão fora das regiões sul e sudeste. A diferença entre o maior (Palmas 0,788) e o menor (Maceió 0,721) indicador nesse grupo é de 8,5%. O IDH-M de Fortaleza é de 0,754. A ideia forte é que as nossas capitais com suas favelas, atulhadas de veículos, com problemas de saneamento básico, entre tantos males continuam sendo lugares de forte atração para desenvolvimento das pessoas em nosso país. Isso não independe de que precisamos avançar muito para que tais cidades se tornem centros de qualidade de vida. Mas este fato revelado nestes índices é importante para quando dizemos que tudo nelas são apenas coisas negativas. Estas ideias mostram eixos e caminhos de desenvolvimento.

E o nosso velho e gostoso Ceará?  A região metropolitana de Fortaleza, com seus atrativos industriais, com renda pública elevada e grandes concentrações humanas estão com seus municípios oscilando entre os indicadores médios e altos. Aliás olhando a variação dos IDH entre os diversos municípios desta região, iremos encontrar indicadores que mesmo quando médios estão na faixa próxima à classificação de alto ou seja tudo leva a crer que já estejam todos com indicadores altos agora em 2013. Como se observa a variação entre os municípios da região metropolitana é de apenas 6% mostrando a homogeneidade entre eles.

E o nosso interior. Não verifiquei todos os municípios. Deixo a tarefa para que outros avancem no assunto. Mas de qualquer modo tomando cidades do Cariri e próximas aos Inhamuns fomos encontrar muitos pequenos municípios com Índice de Desenvolvimento Médio (Brejo Santo, Milagres, Missão Velha, Nova Olinda, Santana do Cariri, Assaré) e outros mais afastados com indicadores baixos mas acima da metade desta faixa tais como Barro no limiar (0,599),         Aiuaba (0,569), Araripe (0,564) e Potengi (0,562). 

E nós aqui nos três polos principais do Cariri? Vamos começar com uma conversa comparativa. No nosso caso é Sobral. Fica no interior e é um grande polo de 188.233 mil habitantes na região norte do Estado. Sobral tem IDH-M de 0,714 em 2010. Em 1991 este indicador era de 0,406 e saltou para 0,537 no ano 2000. Em 19 anos Sobral deu um salto de 75,8%, ou seja teve uma diferença acumulada de 0,308 no seu indicador sendo que o maior crescimento aconteceu entre 2000 e 2010, quando cresceu 0,177. Considerem que quanto mais próximo de 1 as margens de crescimento do indicador serão cada vez menores.

Agora o nosso polo no censo de 2010. Juazeiro do Norte tem um território de 249,5 Km2, uma população de 249.939 habitantes e densidade de 1001,75 Hab/Km2. O território do Crato é 1013,76 Km2, população de 121.428 habitantes e densidade de 119,81 Hab/Km2. Barbalha tem um território de 481,7 Km2 uma população de 55323 habitantes e densidade de 115,1 hab/Km2.  

Como percebemos o polo formado por estes três municípios já tem uma população conjunta de 426.690 habitantes. A principal mancha urbana, pois contínua e localizada, é Juazeiro do Norte que possui a terceira maior densidade populacional do Ceará, perdendo apenas para Fortaleza (com mais de 7 mil habitantes por quilômetro quadrado e Maracanaú com mais mil e novecentos). O resultado é que os três municípios têm IDH-M muito próximos entre si, Barbalha IDH 0,683, Juazeiro do Norte 0,694 e Crato 0,713. Crato já está classificado na faixa de desenvolvimento alto, mas Barbalha e Juazeiro do Norte também estão muito ali na fronteira entre desenvolvimento médio e alto.

Todos os três municípios tinham IDH-M muito baixos no ano de 1991 e alcançaram os níveis atuais neste intervalo. O menor índice era o de Barbalha com 0,381, seguido por Juazeiro com 0,419 e Crato com 0,444. A trajetória de elevação dos índices foi semelhante àquela apontada para Sobral, cresceu muito entre 1991 e o ano 2000, mas o aumento maior aconteceu entre 2000 e 2010. Em outras palavras houve uma política de desenvolvimento conjunto e efetiva nestes 19 anos, sendo mais forte nos dez anos após o ano 2000. E outro dado importante: as grandes cidades do interior do Ceará não estão mais atrasadas do que aquelas localizadas na região metropolitana, como vemos Crato e Sobral já têm IDH-M semelhantes ao de Fortaleza.   

E agora vem a ideia central. As políticas municipais a partir de agora terão que ser em busca de diferenciações cada vez maior, para poder erguer setores mais atrasados dentro dos seus territórios. As políticas agora serão cada vez mais integradas na conurbação portanto com planejamento intermunicipal. A infra-estrutura, meios e recursos precisam atender à maior vulnerabilidade social. O investimento em saúde precisa ser universal, estratégico e atender aos setores públicos e privados. O investimento em educação precisa avançar para a escola de tempo integral com alargamento da porta para completar todo o ciclo do ensino fundamental. Escolas técnicas serão necessárias e o acesso à universidade precisa de políticas sociais compensatórias. Além dos estímulos à geração de emprego por meio das instalação de empresas é preciso estimular a produção solidária e cooperativada para alargar a base da renda. Não fazer cara de espanto para políticas de compensação de renda do tipo aluguel social, financiamento de melhorias habitacionais, melhoria de ruas e acessos e assim por diante.


Outro fato relevante por se atingir os níveis atuais de Desenvolvimento Humano é a efetiva necessidade de maior investimento em meio ambiente e na cultura. Uma população com maior educação, mais saúde, necessita ir além das mesas de restaurantes e bares para viver ambientes diferenciados de expressões culturais. Inclusive não fica ausente desta perspectiva a formulação estética considerando os novos tempos. Além disso é preciso o estímulo ao acesso à internet nas escolas e nos ambientes públicos entre outras lembranças que identificam uma sociedade mais complexa e mais diferenciada em termos de demandas.   

"Pés de barro" - José Nilton Mariano Saraiva

Quando o Ministro-Presidente do STF, Joaquim Barbosa, resolveu inovar nos ritos processualísticos dessa banda do Ocidente, ao importar da literatura alemã leis que permitiram condenar os réus envolvidos no tal “mensalão” sem provas, (por mera suposição ou desconfiança de que haviam praticado crimes), de pronto a mídia nacional resolveu transformá-lo numa espécie de “herói nacional”, paladino intimorato da nossa justiça, ícone de uma nova era, arauto contra a falta de ética e a presença da corrupção. Tanto é que, a partir de então, Sua Excelência passou a figurar na lista dos possíveis candidatos à Presidência da República e, já aí, com um percentual de intenção de votos bastante animador e nada desprezível. Assim, Joaquimzão, querendo ou não, da noite pro dia tornou-se o “cara” da vez.
Mas, eis que de repente, como o pau que bate em Chico é o mesmo que açoita Francisco, Joaquimzão passou de estilingue a “vidraça”, por conta da descoberta de atos suspeitos no seu dia-a-dia, incompatíveis com a posição que ocupa, daí a mesma mídia que o incensou às alturas tentar agora tirar-lhe a escada, lançando-o no olho do furacão.
É que, objetivando adquirir um apartamento de alto padrão nos Estados Unidos (Miami), Joaquimzão resolveu constituir uma empresa offshore, no Brasil (Assas JB Corp); só que pisou no tomate e ficou definitivamente comprometido ao colocar o endereço do imóvel funcional em que mora (Brasília) como sede da citada empresa, numa manobra típica visando obter benefícios fiscais.
Descobriu-se, então, que o Decreto nº 980/1993, que regula a cessão de uso dos imóveis residenciais de propriedade da União, situados no Distrito Federal, não prevê o uso de imóvel funcional para outros fins, que não o de moradia.
E a emenda ficou pior que o soneto quando, na tentativa de defender-se da manobra suspeita, Joaquimzão garantiu não ter cometido nenhuma irregularidade e, apelando para o tradicional e desgastado argumento utilizado por nossos políticos mafiosos, garantiu ter sido alvo de uma “brutal invasão de privacidade”.

Fato é que, independentemente de ser convencido ou não a concorrer em qualquer tipo de eleição, lá na frente, Joaquimzão forneceu de bandeja munição suficiente para ser utilizada por futuros adversário-concorrentes, porquanto mostrando-nos ser um mero santo de “pés de barro”. 

segunda-feira, 29 de julho de 2013

"E do melhor, seja comum, para qualquer um, seja que for" - José do Vale Pinheiro Feitosa

Uma ideia central do que seja o neoliberalismo é bem traduzida por uma resposta do presidente Piñera do Chile ao se ver diante das manifestações dos universitários chilenos por ensino público. Disse o presidente: educação é um bem de consumo. Não é uma política social de desenvolvimento humano, é uma bem de consumo como uma bolsa Luis Vitton.

Do mesmo modo os neoliberais brasileiros desenvolveram, durante décadas e com a ajuda da televisão, a mesma ideia em relação à saúde: é um bem de consumo. Por isso promoveram os Planos de Saúde e já pensando numa privatização ampla do setor, até criaram a Agência Nacional de Saúde. Todos os domingos o Fantástico vendia um novo item do consumo: uma nova tecnologia de saúde sem a qual a próxima semana não existiria para ninguém. E com a mesma finalidade inundaram páginas na Veja, Isto É e Época.

Criaram um verdadeiro fetiche consumista que se repetiu em todas as áreas da medicina com as mesmas técnicas de marketing que já haviam desenvolvido na cirurgia plástica, cosmética, hotelaria hospitalar e helicópteros. Em resumo o efeito foi tão arrasador sobre a segurança das famílias que um fator de crescimento do plano de saúde individual no nordeste se devia ao financiamento pelo jovem trabalhador migrante que do distante sudeste financiava o Plano de Saúde para sua querida e “desemparada” mãe.

Mas a verdade é que qualquer estudo de alocação de tecnologia médica no interior do Brasil irá demonstrar que o SUS alocou com mais eficiência os recursos do que o setor privado. Simplesmente por ser para o Planos um bem de consumo e um negócio e os verdadeiros negócios se localizam nos grandes centros urbanos. Aí se encontra o grande problema de descentralizar médicos mesmo com salários altos para o padrão do salário público brasileiro.

Eu queria chegar mesmo é no assunto de hoje que é o impressionante salto qualitativo que a sociedade brasileira deu em relação ao seu desenvolvimento humano nos últimos 20 anos. No ano de 1991 o Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios brasileiros saltou de 0,493 para 0,727 em 2010 e isso representou um crescimento de 47,8% no IDHM.

Como tais números representam a média nacional, a força da mudança é maior quando olhamos os números de cada município: em 1991 os município brasileiros com IDHM considerado muito baixo representava 85,5% do total e hoje eles são 0,6%. Ou seja, é desprezível o número de municípios com IDHM muito baixo.

E tem mais. Além de terem saído do patamar do desenvolvimento humano, os municípios brasileiros atingiram níveis intermediários e muitos deles têm índices de desenvolvimento alto. No ano de 2010, 74% dos municípios tinham índice de desenvolvimento médio ou alto e isso em 1991 era assim: nenhum município tinha índice alto e apenas 0,8% apresentava índice médio.

Para efeito de comparação o índice é dividido em quatro faixas: muito baixo (0 a 0,49), baixo (0,5 e 0,59), médio (0,6 e 0,69), alto (0,7 e 0,79) e muito alto (0,8 e 1,0). O índice é composto por centenas de indicadores que são calculados em três dimensões: longevidade, renda e educação. Vale salientar que um grupo de municípios têm índices de IDHM muito alto e que a medida do IDHM foi a principal medida social a demonstrar a queda da desigualdade social no país, especial entre o Norte e o Nordeste em comparação com as outras regiões mais ricas.

Agora juntando o texto numa conclusão. Onde aconteceu o maior impacto no IDHM foi na longevidade da população. Os brasileiros ganharam 9,2 anos de vida nestes vinte anos, passando de uma esperança de vida ao nascer de 64,7 anos para 73,9 anos. E o maior impacto da longevidade aconteceu por força da gloriosa redução da mortalidade infantil. E diga-se que esse impacto é uma vitória da saúde pública brasileira que não foi tratada como mero bem de consumo. Foi uma política de anos, em todo o território nacional com a unidade da União, Estados e Municípios.

E sabem qual o nome desta unidade de esforço público nacional? Chama-se Sistema Único de Saúde. Que não é um bem de consumo, não é um Plano de Saúde como a mídia construiu só para promover a concorrência com os fetiches do consumo vendidos pelos Planos de Saúde. E diga-se de passagem vendidos e quase sempre não entregues ao consumidor. O SUS é a expressão institucional do Estado no seu dever de promover o direito à saúde.

Aliás, um conselho ao jovem prefeito da minha terra. Não trate os planos de saúde e o SUS como coisas distintas. Não são. Toda a atenção de saúde é de relevância pública constitucionalmente. Todas as unidades, serviços e ações de saúde têm que seguir um plano municipal de saúde. Leve a atenção de saúde privada para dentro do Conselho Municipal de Saúde.


Caro prefeito, com todo respeito de um cidadão de sua terra que não vive aí: parte do medo da classe média com o SUS, além dos graves problemas de sua assistência, é a insegurança em relação aos Planos de Saúde que têm. Que dificultam acesso. Que cobram caro e nem sempre têm os serviços que deveriam ter para cumprir todas as coberturas a que estão obrigados.   

Breve comentário sobre o "SUS" - José Nilton Mariano Saraiva

Mesmo ser atuar na área, de certa forma já tínhamos conhecimento da importância do SUS para os menos favorecidos, em razão de, mensalmente, acompanharmos um familiar ao Instituto do Câncer, aqui em Fortaleza, para consulta e recebimento da medicação respectiva (Glivec: uma caixa, com 30 cápsulas, custa na farmácia nada menos que R$ 12.000,00 o correspondente a 17,7 meses de ganho do salário mínimo – quase dois anos, portanto).  E assim, nessa peregrinação mensal, ao acompanhá-lo tivemos oportunidade de conhecer muitos outros, normalmente aposentados de salário mínimo ou nem isso, que fazem uso dessa e de outras medicações específicas, além do que se submetem a consultas mensais e ao doloroso tratamento radioterápico e quimioterápico.
Pois bem, se você quer avaliar a importância e grandeza de um programa como o SUS, é só comparecer num dia qualquer da semana ao Instituto do Câncer, aqui em Fortaleza, e presenciar aquela legião de centenas e centenas de pessoas que, acometidos por moléstias diversas, dependem do governo para tentar livrar-se da morte ou pelo menos prorrogar sua chegada. Evidentemente, muito precisa ser feito, porquanto não existem médicos suficientes pra atender tanta gente, assim como o espaço físico se mostra precário ante a demanda; mas, a se levar em conta os depoimentos sinceros dos próprios doentes, antes do SUS a coisa era muito pior.
A reflexão acima é só pra lembrar recente postagem do Zé do Vale que, como competente profissional da área de saúde, vivencia de há muito o problema. Pois bem, segundo ele, os planos de saúde, que cobrem ambulatórios e hospitais atingem apenas 43 milhões de pessoas, no universo brasileiro de 193 milhões de habitantes; e aí não é preciso se ser nenhum “bamba” em contas, pra constatar que sobram 150 milhões de pessoas, evidentemente que necessitadas ao extremo; e para atendê-las, ainda segundo Zé do Vale, o Governo entra com nada menos que “...130 bilhões de reais gastos em saúde no setor público” (consultas, exames, internações e medicação).
Alfim, num recado para os que criticam o SUS sem conhecer sua estrutura e realidade, Zé do Vale arremata, contundentemente: “... construímos uma coisa fenomenal e uma das maiores instituições de saúde do mundo e podemos tirar proveito dela. Vamos apostar nela, empurrar sua qualidade, seu acesso, sua melhor distribuição. Abandonemos a empulhação e partamos para a conquista que muitas gerações levaram de sacrifício e agora ainda tem que receber esta sandice alienada”.

Uma tradução simplista para o acima exposto ??? Quem fala assim não é gago.

domingo, 28 de julho de 2013

Vendemos o nosso tempo através do trabalho, mas é preciso libertar o ser humano do comprador que lucra com isso - José do Vale Pinheiro Feitosa

Na democracia representativa, os meios de comunicação se constituem no instrumento mais eficiente de influenciar políticas econômicas. Os grandes grupos midiáticos sempre responderam às demandas dos grandes anunciantes e grandes grupos econômicos, estabelecendo uma não isonomia com outros setores.”
                                                                 Jornalista Luis Nassif em seu blog

A cortesia de José Flávio enviando-me um convite para o lançamento de seu novo livro, aliada da divulgação nos blogs da região que leio com frequência, me levam a comemorar esse lançamento. Mais um livro do Zé. Comemorar, pois como é óbvio o livro acabou de ser lançado, e não tenho muito o que dizer sobre ele quando ainda não o li. Mas como li na resenha parece-me que alguns dos textos já me sejam conhecidos.

Mas o essencial desta história é a independência e a expressão do pensamento e da criatividade de Zé Flávio. Livre expressar e coragem de se tornar público. E mais ainda. É a natureza da independência do escritor. Ali tudo passa pelas lutas no limiar entre a dignidade e o ganha pão a que todos se obrigam como parte da classe que ganha a vida pelo seu trabalho.

Quando leio Zé Flávio sei que aquele texto não está fisgado por nenhuma bula de laboratório, apenas para lembrar a principal função econômica dele. O que codifica em palavras é o Zé Flávio no mundo sem cargos comissionados, sem arranjo eleitoral, sem acordos de conveniência, embora tenha os acordos dos códigos das leis.

Por isso os locais onde ele publica tão bem representa a beleza, a leveza e fluidez das escritas do Zé. São blogs que não aderiram. E nunca venderam sua alma à Prefeitura, ao Estado e nem à União. E olhe que estamos tratando de um livro que pelo que li teve apoio público, mas não sujeitou o escritor ao tacão da burocracia e dos chefes políticos.
Lembro que alguns anos passados entrei num debate aí no Crato quando uma pessoa muita ativa nos blogs da região resolveu vender seu talento, e junto com ele seus instrumentos da internet à situação governista. Levantei a lebre que não haveria mais liberdade e que os instrumentos seriam paulatinamente objetos do “abraço de urso” do governo.

Enquanto em me debatia com a pessoa sobre esse assunto, um terceiro emitiu uma opinião que efetivamente me deixou desnorteado. Este terceiro é um artista muito destacado no amplo meio de manifestações da imagem e ponderou que as pessoas tinham o direito de ganhar sua vida com seu talento e de acordo com a oferta que é tão cruel e exígua na nossa cidade. Não falei mais no assunto e até senti-me envergonhado de viver numa realidade em que a oferta é mais generosa.

Mas agora ao acompanhar o sucesso do lançamento do Zé Flávio sinto que minha vergonha não pode albergar a alegria que sinto em ter uma voz autêntica e livre se manifestando na minha terra. E mais ainda: sinto a alegria imensa de ver esta luz enquanto naquele caso, sinto a penumbra e o dissabor de ter visto um talento daquela ordem ser triturado pelas circunstâncias e por um governo tão menor do que era o seu contratado.   

Hoje é domingo. Aqui no Rio foi uma semana inteira de Papa e Frio. Da minha janela vi quase todos os dias a imagem ao vivo do helicóptero da FAB que a televisão mostrava, uma vez que moro encostado ao morro do Sumaré. E lá no alto aquela nave, pequena na distância, mas de grande porte, passava indo para a praia de Copacabana, assim como daqui vi a nave da voz do Cariri livre e solta a manter vida e esperança no futuro.   

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Estou cansado de tantos adjetivos - José do Vale Pinheiro Feitosa

Esperto. Manhoso. Velhaco. Ardiloso. Mas não covarde pelo menos como é dicionarizado o termo. Poderia ser astúcia, bote de serpente ou espera de felino. Mas pode ser cafajeste, infame, vil, canalha. Que se dar à práticas de bandos, corja, maloca, malta, quadrilha ou súcia.

Seria isso um estigma? Quem sabe menos. Poderia apenas ser o aprendizado de uma prática social do grupo em que se originou. Ladino menos pela vivacidade e mais por ser um espertalhão. Com pose de prestamista seria aquele vendedor de títulos de terras na lua. Em módicas prestações, com juros e correção monetária.

No particular e no bando é dado a práticas da luxúria. Aos prazeres do sexo, das bebidas refinadas, das comidas caras e dos restaurantes arrasadores de cartões de crédito. É dez, doze, quinze por cento quase sócio das empreitadas e das empreiteiras. Em nome do povo é a fonte que regra sua vida cara.

E tem casca grossa. Casco de jabuti. Não se afeta por tudo que dizem a seu respeito, a vida de velhaco já tem o desrespeito como britadeira dos próprios mal feitos. Não adianta todas as imprecações e todas os anátemas jogados contra sua ética. A vilania é sua natureza.

Se houver um decreto que roube a própria constituição e for pego com a mão na massa, não tem problema, corrige-se o “assessor” e republica-se o decreto. Se o bonde tombar sobre sua completa falta de manutenção, pague-se a defesa do Secretário, o chefe é revestido de teflon. É assim esse típico malandro que herda oito anos na coincidência que gerou um bilionário que quebrou bilhões de muita gente e instituições.  

E o Coquetel Molotov estava na mão de quem mesmo? Há! Mas não tem quem prove. O Coquetel estava lá, numa mochila que ninguém carregava e no entanto afirmaram que estava com um manifestante. Mas isso foi a polícia quem disse. E tudo que se refere à polícia foi delegado.

A culpa é do Secretário de Segurança Pública. A ele foi tudo delegado. Ele é o responsável pelas falsidades, mortes, desaparecimentos e tudo o mais do que um dia grandes assassinos do mundo desejaram como guerra cirúrgica. É o famoso efeito colateral da mezinha aplicada a este corpo rebelde e vivo de um sociedade injusta e capitalista, dado a achaques, mas inteiramente vivo e reativo.


Olhando a imagem na televisão por breves momentos, os únicos da minha vida, tive vergonha de ser da mesma espécie biológica daquele sacripanta. Mas sei que a humanidade tem algo a mais do que apenas seu organismo vivo, tem história e aprendizado. Certamente acima deste pântano de comportamento.  

Quem me levará sou eu - José do Vale Pinheiro Feitosa

E no planisfério daquela minúscula bola azul há um porta por onde se entra e outra por onde se vai. Não se sabe bem se tudo se desmancha no revelo de planícies, planaltos, vales e montanhas. Mas de algum modo há uma porta de saída não se sabe se é apenas uma porta e nada mais, assim como do mesmo modo que ao entrar não se sabe se havia um lugar de onde vir.

Mas o certo é que nesta levada que a mim toca ir adianta posso dizer a todos os meus que “a gente se vê depois. Tarde, toda tarde ir fiando, no silêncio a costurar, noite no bordado, vem chegando em retalho e põe estrelas no lugar.”

Prometo a todos que serei a costureira do lugar. A todos vocês: Anastácia, Alceu Valença, Chico Buarque, Clodô, Climério, Djavan, Fausto Nilo, Gilberto Gil, Guadalupe, Manduka, Nando Cordel, Renato Teixeira e todos que dessa agulha comigo costuraram.

Na levada comigo mesmo levo a “sede de rio e a fome de pão.” “A sede do rio quem bebe é o peixe e sede de pão quem come é o chão. Apôs tá certo,” vim desde aquele “arrebol” de Garanhuns, “arrastando as alpercatas”, junto ao meu “anjo de guarda,” buscando “casa comida e paixão” e foi ai que “bateu no coração.” A “catingueira fulorou,” “vim de mala e cuia” “de volta pro aconchego.” E ói aqui “nós dois de testa”, tem tempo que “tudo é mel” e noutras horas o amargor do fel amanhece na nossa porta. 
 
Pois “eu sou do mundo,” pelas “costas do Brasil” traçando riscos na poeira, o “sertão me espera” e são “tantas palavras” como tantas são as dobras deste morim das saias das morenas. “E quando chega o verão é aquele desassossego no coração,” aquele sol bronzeando os desejos em forja de brasa.  São “sete meninas,” são todas as meninas. Algumas em cachos de pitomba, uma ruma são vagalumes na vereda, outras uma pluma de talco amaciando as pontas da vida. Mas de tudo quero, o que mais quero é um xodó. Aliás, “eu sou quero um xodó.”

“Estou de volta pru me aconchego, trazendo no peito bastante saudade.” Esse mato e essa terra e peço a tu, “não sai de perto de mim.” Mas a separação quando existe tem a trena da saudade. “Estou com saudade de tu, meu desejo, com saudade do beijo e do mel do teu olhar carinhoso, do teu abraço gostoso, de passear no teu céu.”

E posso dizer que levo a guia e logo na primeira parada “abri a porta.” “E apareci e a mais bonita sorriu pra mim. Nesse instante me convenci o melhor da vida vai prosseguir. Por este céu azul, onde a lei seja o amor e o bom e o melhor seja comum a qualquer um, seja quem for.” E neste lugar “cheguei para ficar.” “Nos olhos trago esperança, no coração trago amor e no futuro muita crença.”

“O amor não é sofrimento, não é tormento, não é dor, não existe lamento, o amor é o amor.” “Estrelas somos nós, dois vaga-lumes sós, dois objetos sós, tão sós, tão sós vamos vagando no ar.” Flutuando sem a economia do ar, a contabilidade da água e os custos dos alimentos. Vagando acima das posses, das cercas proprietárias, das contas bancárias, da renda e do imposto sobre a renda. Mas vagando acima destas coisas sem jamais esquecer das pessoas e tantas possibilidades de costurar a vida de modo tão surpreendente como o nascer de uma estrela.

“Amigos a gente encontra, o mundo não é só aqui. As coisas que eu tenho aqui, na certa terei por lá. Segredos de um caminhão, fronteiras a desvendar. Passar como passam os dias e se o calendário acabar eu faço contar o tempo outra vez. Tudo outra vez a passar. Quem me levará sou eu, quem regressará sou, não diga que não levo a guia de quem souber me amar.”

Atenção: texto construído com as letras das canções de Dominguinhos e seus parceiros. 

terça-feira, 23 de julho de 2013

O Caminho de Santiago se Debulhou em Milhares de Rotas para Outros Destinos - José do Vale Pinheiro Feitosa

Não fui buscar as estatísticas. Contive-me apenas com a impressão. Impressão marcante e surpreendente. Uma cidade que já é cheia por natureza, nela ser visível um volume muito maior de gente.

Na orla litorânea, na beira da Lagoa, nas ruas dos bairros, no centro da cidade, nos pontos turísticos, nas estradas, ônibus, aviões, nos prédios e praças grupos de pessoas com as camisetas da JMJ. Ou Jornada Mundial da Juventude.

A maioria jovens. Tirando fotos, nas calçadas, com mochilas, quase em procissão com filas duplas ou triplas para não se perderem um dos outros pelos espaços estreitos. Lembro de uma sensação assim, qual seja viver numa megalópole invadida, de outra vez, mas naquele remoto tempo por gente em veículos.

Foi numa disputa do Fluminense com o Corinthians e os paulistas tomaram as ruas da cidade com seus carros, ônibus, bandeiras e cantos de torcida. Agora a visita do Papa Francisco junta-se a um Congresso católico mundial.

Que a rigor é o encontro de jovens latino-americanos. Isso pela crise na Europa e por um fato real: o catolicismo é uma religião menos europeia hoje do que foi no passado. Mais de 65% deles estão noutros continentes e especialmente na América Latina. Eis porque habemus papam.

Quando o primeiro Papa visitou o Brasil em 1979, apenas esteve aqui no Rio. Na época lembro que limparam a imagem do Cristo Redentor e de multidões nos seus encontros públicos. Mas as ruas da cidade não tinha tantos estrangeiros quanto agora.

Uma salada de línguas, sendo a principal o Espanhol. Um novo tipo de peregrino. Naquele final dos anos setenta, eram pessoas de mais idade, vindas do próprio país. Visitavam a cidade, mas não tanto e tão expansivamente como agora.

Agora tudo é diferente. Além do Papa latino-americano. Acontece que jornais, blogs, redes sociais não são consensuais sobre a visita e as despesas públicas que gera. O mesmo senso crítico que envolveu a Copa das Federações.

Isso surgiu na manifestação de ontem nas Laranjeiras, Largo do Machado e Flamengo. Os manifestantes tinham em seu conjunto uma agenda variada, mas com um discurso uniforme: contra o Governador aquele que tem a caneta das despesas na mão, contra as posturas conservadores do Vaticano a respeito das expressões GLT, e contra a religiosidade invadindo o território laico do Estado.

A verdade é que agora a marcha da humanidade nas ruas brasileiras já não tem a ordem unidade daqueles anos das primeiras visitas. Além da unicidade, temos a multiplicidade. Na verdade sempre coexistiram, mas agora os diferentes se manifestam e se apresentam. Aliás já havíamos sentido isso na internet.

    

domingo, 21 de julho de 2013

As manifestações de rua são uma guerra política mundial - José do Vale Pinheiro Feitosa

Saiu publicado em alguns blogs (Carta Maior e Outras Palavras) a tradução de um texto de Immanuel Wallerstein analisando as manifestações populares que, tal qual sabemos, acontece em várias partes do mundo. A característica mundial das manifestações é o foco de sua diferenciação em relação a lutas populares localizadas, por vezes, até em regiões de um país. Junto com a crise econômica que atinge o centro industrial as manifestações forma um par gravitacional como se fossem estrelas duplas.

A principal conclusão de Wallerstein é que as manifestações fariam parte de um processo contínuo de algo que começou com a revolução mundial de 1968. (No final do texto ele explicará melhor o que seria esse algo). Estas manifestações teriam as seguintes características:

A primeira é que todas as revoltas tendem a começar muito pequenas e se pegam (de modo imprevisível) tornam-se maciças. Não só o Governo é atacado como também o Estado o é. Reúnem no mesmo barco quem quer apenas a mudança do governo e quem questiona a legitimidade do Estado. O tom das manifestações começa pela esquerda política e tem como tema a democracia e os direitos humanos, embora com variações sobre o conceito do que entendem dos dois temas. Normalmente a reação dos governos é reprimir ou abrandá-las com concessões ou as duas coisas. A repressão funciona, mas pode juntar mais gente ainda nas ruas. A concessões funcionam mas podem servir para ampliar as demandas. Embora as repressões sejam a principal opção elas tendem a funcionar em prazo relativamente curto.

A segunda característica é que não continuam intensos por muito tempo. Os manifestantes sente o efeito da repressão, ou são cooptados pelo governo, ou ficam cansados, mas isso não indica uma derrota. E, portanto, a terceira característica é que deixam um legado, mudam políticas quase sempre para melhor como discutir as desigualdades ou aumentar a dignidade do povão ou, ainda, ficam vacinados contra a demagogia de governos. A quarta característica é que os que chegam depois aos movimentos, em outras ondas de protestos, não chegam para preservar os objetivos iniciais, mas, ao contrário para perverte-las ou para levar grupos de direita ao poder.  A quinta características de todas as manifestações é que terminam por receberem influência de governos poderosos, de fora do país, que procuram ajudar os aliados aos seus interesses para que atinjam o poder.


E então ele conclui o texto identificando o algo que tem traçado uma movimentação de massas em todo o mundo desde 1968. Segundo Wallerstein estaríamos no meio de uma transição estrutural: de uma economia mundial capitalista, que está se esgotando, para um novo tipo de sistema. Esse novo sistema pode ser melhor ou pior. E por isso a grande batalha política mundial nos próximos vinte a quarenta anos é o que emergirá desta transição. 
Esta semana, alegando profunda depressão, renunciou à candidatura para a presidência da República do Chile o candidato direitista Pablo Longeira. O agora ex-candidato, que já fora deputado e senador, começou sua liderança embaixo do guarda chuvas da ditadura chilena tendo sido escolhido por Pinochet para ser Presidente da União dos Estudantes da Universidad Catolica. Longueira, em 1986, liderou um quebra quebra sobre os carros que transportavam o ex-Senador e já faelecido Edward Kennedy que fora ao Chile falar em Direitos Humanos.

O radicalismo da direita chilena não foi maior e nem menor do que no resto da América Latina. A direita latino americano foi um substrato sobre o qual os EUA agiram em torno dos interesses próprios de suas empresas e corporações. De modo que o radicalismo da direita por esta região foi um lago de mágoa preenchido pelos interesses exclusivos dos EUA e quase nada dos povos da região.

O pensador ocidental Noam Chomsky falando sobre o móvel da política externa dos EUA em seu livro “O que tio Sam Realmente Quer?” é claro sobre a motivação: o exclusivo interesse das empresas americanas. Análises realizadas pelo economista Edward Herman encontraram uma correlação em todo mundo entre a tortura e a “ajuda norte-americana”.  A conclusão é que a tortura e a ajuda “estão correlacionadas com a melhoria da condições de operações das empresas”. 

Pelos cálculos realizados por Chomsky e outros pensadores, os EUA estão diretamente envolvidos, só na América Central, ao assassinato de 200 mil pessoas além de terem dizimado todos os movimentos populares que lutavam por democracia e reforma social. E antes que alguém pense em Stalin, não falo em Hitler pois este está no espectro político de quem logo assim argumenta e claro os EUA e a direita latino-americana, transcrevo a conclusão do texto de Chosky: essas façanhas qualificam os Estados Unidos como fonte de “inspiração pra o triunfo da democracia em nosso tempo”, nas admiráveis palavras da revista liberal New Rapublic. Tom Wolfe conta-nos que a década de 1980 foi “um dos grandes momentos de ouro da humanidade”. Como diria Stalin: “Estamos deslumbrados com tanto sucesso.”

Não deixam de ser reveladoras as fotos das intervenções americanas na América Latina. Examinenos estas duas fotos que seguem e sintamos o que dizem. A primeira é o encontro do Marechal Castelo Branco em sua face de hospedeiro satisfeito e um sorridente Lincoln Gordon, embaixador americano o homem que operou o Golpe de Estado a favor dos EUA. E a segunda esta ameaçadora foto de Pinochet tendo às suas costas homens com as fardas da Forças Armadas chilenas.

Castelo Branco e Lincoln Gordon

Pinochet e sua pose de ódio

Onde esse texto quer chegar? Ele faz parte de uma série que postei sobre o Chile. Ele é uma sequência sobre Pablo Neruda, a quem voltaremos sobre sua vida e obra. Mas a questão básica é que Neruda morreu logo após o golpe de Pinochet. Ele já estava doente com um câncer de próstata. Provavelmente morreria em consequência, mas o que choca a todos é a possibilidade de sua morte ter sido executada sobre as ordens do esquema golpista do Chile e com a participação da CIA. Após a morte de Allende, Neruda era o último símbolo da luta popular no país. Para consolidar rapidamente o poder golpista, eles teriam eliminado intencionalmente Neruda para não deixar nenhuma resistência às forças mortíferas que se instalaram no Chile.

E antes de ouvir o velho argumento de que apesar da ditadura o liberalismo melhorou a vida do chileno, é preciso que se diga o seguinte: a) o Chile viverá algumas gerações com ódios recíprocos em razão da violência; b) em que melhorou a vida de alguns na fase de ouro das exportações de commodities, c) hoje o Chile é um país meramente exportador de matéria prima. E alguns setores chilenos que se acham privilegiados ainda devem gozar os turistas brasileiros se vangloriando dos baixos preços dos automóveis chilenos que lá pagam menos da metade que aqui.


Mas tem uma realidade cruel: o Chile tem que importar o combustível que move sua frota e não gera nenhum emprego no setor. Toda a sua frota é fabricada e geram empregos em outros países. Este modelo é furado: só leva dinheiro do povo chileno que o ganha vendendo matéria prima. A cada dia se aproxima mais o abismo deste tipo de realidade neste mundo que se queira ou não continua sendo industrial.    

sábado, 20 de julho de 2013

Teatro de rua



A DONZELA E O CANGACEIRO
Domingo, 21 de julho de 2013, 19h
70min | Livre 

Travessa Vicente Tavares Bezerra 
Bairro Pinto Madeira, Crato-CE

Como chegar?: Seguindo da RFFSA pela rua Monsenhor Esmeraldo até a Escola Dom Quintino, onde dobra à esquerda, pela rua São Francisco, direto até a travessa Vicente Tavares Bezerra, que fica à direita de quem desce.

Informações: (88) 8801.0897 / 9960.4466


Cia. Brasileira de Teatro Brincante
Texto e Direção de Cacá Araújo 
Música de Lifanco 

SINOPSE

O Sítio Fundão está prestes a ser totalmente destruído. Decifrar o enigma da esfinge de Seu Jefrésso é a única salvação. Se a Donzela morrer, tudo estará perdido...

Aventura, suspense, drama e comédia numa fantástica história que resgata o mito da Caipora e estimula a consciência crítica e atitudes de proteção à natureza.

ELENCO

Jonyzia Fernandes, Cacá Araújo, Orleyna Moura, Joseany Oliveira, Paulo Fernandes, Samara Neres, Henrique Macêdo, Márcio Silvestre.

MÚSICOS

Lifanco, Pedro Wagner, Jean Alex

sexta-feira, 19 de julho de 2013

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Ariado



J. Flávio Vieira

                                               A história de Zé Felipe não se fazia tão diferente  de muitos outros caminhoneiros Brasil afora. Começara com uma pequena Rural transportando feirantes de Matozinho para cidades vizinhas como Bertioga e Serrinha dos Nicodemos. Aos poucos o negócio foi progredindo  e Zé comprou uma caminhonete, depois uma sopa e, já nos anos quarenta, terminou adquirindo seu primeiro caminhão, ramo em que acabou se fixando pelo resto da vida. Estradas de barro , esburacadas, íngremes, tortuosas,  a profissão era uma aventura digna de um  Fernão Dias Paes Leme. Acostumara-se àquela vida de peregrino, de judeu errante. Mesmo velho, por inércia, já era impossível parar.Transportava cargas sem destino previsível, de um ponto a outro do país. Muitas vezes passava  mais de seis meses sem retornar a Matozinho.  A família não tinha nenhuma notícia de Zé neste período. A única comunicação possível seria via telegráfica e saltando de cidadezinha em cidadezinha, pelos ocos mais inóspitos do Brasil, até esta via se mostrava inexeqüível. Restava aos familiares a saudade e a prece.
                                   Cada retorno de Zé , assim, inundava a vila de alegria, comemorava-se o feito de um herói, como se ele houvesse escalado o Everest ou pisado pela primeira vez no Pólo Sul, como Amundsen. Por outro lado, Felipe vinha também como um Marco Pólo, trazendo notícias e histórias de terras distantes e quinquilharias para vender ao povo de Matozinho: últimas novidades da civilização.  Quando o velho caminhão Mercedes  apontava na descida da Serra da Jurumenha, a vilazinha exultava. Junto de Zé , seu eterno ajudante : Tico Biroba. Eles faziam uma dupla perfeita: D. Quixote e Sancho Pança da Caatinga. As histórias de Felipe ainda hoje inundam o imaginário de Matozinho, tantos anos depois, pelo inusitado, pelo humorístico, pelo doce tom de irreverência.
                                   Cada curva da estrada escondia perigos insondáveis. Felipe computava inúmeros acidentes na profissão. O maior deles , no início dos anos cinqüenta, uma capotagem terrível nas montanhas das Minas Gerais, quase dá cabo dele e de Biroba. Escaparam,  mas o caminhão destruiu-se, em tempos em que seguro de carro  inexistia. Zé ficou com uma mão no cano e outra no feixe, triste e desiludido pelos cantos. Escreveu então a Getúlio Vargas, então presidente, contando o infortúnio por que passava, agora, inclusive, sem mais ter como sustentar a família. Dias depois recebeu, por incrível que possa parecer, uma resposta do Catete. O presidente lhe ofertava um outro caminhão para que continuasse a vida nômade. Felipe recebeu-o no Rio de Janeiro e  escreveu no pára-choque uma frase que demonstrava toda  sua gratidão : “Esse foi Getúlio quem deu !”
                                   Varando as tortuosas estradas do Brasil,  por tantos e tantos anos, Felipe conhecia cada buraco. Familiarizara-se com mecânicos, borracheiros, bodegueiros, motoristas por tudo quanto é de biboca desse país. Bom papo, cheio de presepadas, conheciam-no nos lugares mais ermos, como se fora uma reencarnação de Pedro Malasartes.  Suas peripécias corriam de língua em língua e até foram , um dia, imortalizadas em um cordel atribuído  ao poeta Pedro Pito. Foi do cordel esgotado de Pito que arrancamos algumas dessas histórias  que deixamos registradas aqui, na esperança que este texto tenha mais durabilidade que as páginas já puídas do nosso poeta maior.
                                   Numa das suas raras permanências em Matozinho, Felipe encontrou, um dia, na feira, com Mané Mago, um varapau que morava nas terras do Cel Anfrízio, homem sério como fundo de touro e de pouca conversa. Mané passara uma época em São Paulo e, não encontrando o El Dorado, retornara a sua vila, com o rabinho entre as pernas. Trouxera, junto com ele, aquela indumentária própria para o inverno paulista e não a dispensava , mesmo no sol mais escaldante de outubro. O adereço mais chamativo era um chapelão enorme que mais parecia uma sombrinha. Foi com essa arrumação que Zé Felipe deu com ele, no pino do meio dia, na feira. Cumprimentou-o, cordialmente, mas não perdoou :
                                   --- Zé, meu amigo ! Onde é que você vai montar esse carrossel ?
                                   Zé, enfezado, saltou com quatro pedras na mão :
                                   --- No cu da mãe, Felipe ! No cu da mãe !
                                   Felipe não se enrolou :
                                   --- Bacana, Mané ! Só assim eu rodo de graça !
                                   Em uma das suas incontáveis viagens, no inverno,  o caminhão atolou feio lá pras bandas da Paraíba. Alguns  lavradores ,que limpavam uma roça próxima, reconheceram o motorista e vieram ajudá-lo. Calça daqui, cava dali, empurra dacolá , depois de umas duas horas, conseguiram, por fim, desatolar o veículo. Estavam todos exaustos e calabreados como se trabalhassem em Serra Pelada. Os lavradores eram todos de uma mesma família, residente ali próximo. Todos atarracados e com uma característica interessante, pescoço curtíssimo, como se a cabeça saísse diretamente dos ombros. Já no carro e acelerando, Zé perguntou-lhes quanto devia. Eles, solícitos, disseram que não era nada, enquanto já retornavam meladíssimos ao trabalho da roça. Saindo, Zé Felipe gritou :
                                   --- Obrigado, amigos ! Quando eu voltar de Campina Grande vou trazer um par de pescoço pra cada um de vocês !
                                   Teve que acelerar rápido, pois o palavrão e a pedrada comeram no centro !
                                   De uma outra feita, no interior da Bahia, próximo a Jequié, em plena zona rural, algumas pessoas atravessaram na estrada , pedindo socorro. Zé Felipe freou. Uma mulher contou então que o pai estava muito doente e pedia ajuda para levá-lo, no caminhão improvisado de ambulância, até a cidade.  O motorista mostrou-se solícito, mas pediu para examinar primeiro o paciente, pois se dizia experiente, já fora meizinheiro na feira de Matozinho e, quem sabe, poderia ajudar. Levaram-no até uma casinha de taipa e lá, em um dos quartos, encontrava-se um senhor  gordo, com uma barriga enorme e feio como o diabo com convulsão. Disse que estava sem desistir há mais de uma semana e não soltava um vento nem pelo amor de Deus. Zé o examinou, rapidamente e selou o diagnóstico :
                        --- Minha senhora, não é nada demais! É só um peido ariado. O cabra é feio demais e o peido fica zanzando pra cima e pra baixo :  não sabe se o cu é em cima ou embaixo !
                        Já velho, Zé Felipe, ainda em atividade, caiu doente. Pressentiu que a velha da foiçona arrodeava sua casa. Chamou Tico Biroba, o companheiro de toda uma vida e pediu-lhe que passasse com o velho Mercedes diante da sua casa e desse um apitão daqueles de ecoar na pradaria. Biroba, com os olhos lacrimejando, realizou o desejo do chefe e foi montado naquela buzina  que Zé Felipe empreendeu sua última viagem , desta vez por uma estrada escura e totalmente desconhecida.