quinta-feira, 4 de julho de 2013

A estética do acelerador - José do Vale Pinheiro Feitosa

O poder do acelerador é a soma da energia motora, do domínio das ruas e da esmagadora força sobre os pedestres. Com o acelerador encurta-se o tempo do deslocar-se no espaço e por ele a volúpia da velocidade encanta todo o corpo e a sensação de liderança sobre tudo, sobre todos e por sobre todos.

Tanto poderia ocorrer com um homem ou com uma mulher. Vamos escolher uma motorista do sexo feminino à espera que o sinal de trânsito, de uma rua de botafogo em frente à Favela do Morro da Dona Marte lhe desse passagem. E o sinal de trânsito abre todo o ímpeto quase medular, automático em vontade de acelerar e tomar a dianteira sobre as ruas.

Mas eis que um velho com ares resoluto, e seu olhar opaco, cabelos ralos com raízes brancas e as pontas pretas; com sua boca murcha e desdentada, resolve atravessar neste exato momento em que o sinal abre-se para a motorista.

Imediatamente uma revolta com força de uma manifestação de “vândalos” toma conta dos direitos de acelerar da motorista. Ela olhando aquela cena de um velho desprezível, com roupas surradas, um passo trôpego, arrastando um carrinho de compras no seu lento deslocar-se.

O seu ódio ao feio, aos velhos, aos brasileiros que nunca dão certo. Aquele velho jamais seria uma norte-americano ou um europeu. Seu sangue de bem sucedida com o pé no acelerador do seu luxuoso e potente URV sente-se ultrajado por andar num território que tem um velho desdentado, insignificante, interrompendo o trânsito.

Afinal isso acontece numa bosta de país como esse. Ainda bem que o gigante despertou para dar um basta a tudo que está aí.

Virando a página noutra esquina. No queridíssimo Leblon. Tudo clean, inside, New York, Paris e as noitadas alagadas de luxo e prazeres. O mesmo pé sobre o acelerador e outro sinal a abrir-se para a motorista.

Um garotão dourado de praia, os músculos intumescidos como genitálias em permanente efeito pornográfico. Aquelas pernas de abarcar o mundo e aqueles braços de virar o prazer pelo verso e reverso. Aquela promessa de prazer barra a iniciativa do acelerar e atravessa a rua como um felino carregando uma prancha de surf num evoluir rápido demais para o prazer da visão.


O mundo é esse. A felicidade é essa escolha. Não importa a vida e nem o ser humano. Só o poder de acelerar e os fetiches de consumo.

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