J. Flávio Vieira
Eram os gloriosos Anos 60, aqui em Crato. Vivíamos a época de ouro do futebol na nossa cidade. Campos se multiplicavam pelos subúrbios. Toda uma geração de garotos se imantava na conquista das Copas do Mundo de 1958 e 1962. Times de Futebol Association como o “Sport”, o “Satélite”, o “Rebelde” e craques como Anduiá, Charuto, Chico Curto, Antonio e Luiz Pé de Pato, Fruta-Pão , Netinho, Pinto, Enoque levavam a torcida a superlotar o precário Campo do Sport. Paralelamente, os nossos times de Futebol de Salão ganharam renome em todo estado pela combatividade e efetividade do seu jogo. Ainda menino, encantava-me com as disputas gloriosas e acirradas entre o Votoran, o Volkswagen, a AABB e o Crato Tênis Clube e com as jogadas de craques como Gledson, Reginaldo, Dote, Luciano, Pernambuco, Zé Vicente, Paulo Cézar, Gilton. Desses times, periodicamente, se convocava a aguerrida Seleção Cratense de Futebol.
Com
tantos embates empedernidos e fabulosos, surgiu a necessidade imperiosa do seu
registro midiático e foi justamente neste período que floresceu o jornalismo
esportivo da região, em Crato polarizado entre as duas Rádios : a pioneira
Araripe e a jovem e recém-inaugurada Educadora. Foi neste cenário e com alguns
célebres personagens que aconteceu, nessa época, o mais monumental
acontecimento da história radiofônica caririense.
A
Seleção Cratense de Futebol de Salão , multivitoriosa, viajou para um embate
duríssimo com a Seleção de Iguatu que jogava em casa. A transmissão naqueles
tempos áureos era dificílima. Iguatu encontrava-se numa zona silenciosa de
radiodifusão e só existiam duas maneiras de executar a tarefa. Conectar a rede
diretamente no fio do telégrafo ou na linha do trem, captando, depois, por
fios, diretamente aqui, os sons possíveis e múltiplos que viessem. A qualidade
era péssima, cheia de ruídos e sons adventícios, principalmente quando se
utilizava a modalidade linha do trem. E mais, sem possibilidade de comunicação
direta com a Rádio local, nunca se sabia se a transmissão estava sendo
possível. Era sempre um tiro no escuro.
Pois bem, a Rádio Educadora adiantou-se e, em ofício, solicitou a linha aos “Correios
e Telégrafos”. A Araripe ficou no olha-e-veja, tarde despertou para o fato de
ter sido sobrepassada pela concorrência . Restava-lhe, tão somente, optar pelo
péssimo recurso da linha do trem e a incerteza da possibilidade de
retransmissão ou a certeza de perder a audiência para a Educadora por conta da
baixa qualidade sonora. Um jovem locutor esportivo, então, teve uma ideia
inusitada. Ouvir no estúdio da Araripe em Crato, a transmissão da concorrente e
, através dela, fazer a própria veiculação da partida, como se lá estivessem. O
comentarista esportivo, mais tarimbado, temeu pela dificuldade quase
intransponível do feito, mas, sem opção, acedeu. A equipe cedo se trancou no
estúdio da Araripe, para que todos pensassem que haviam viajado para Iguatu e,
de lá, sorrateiramente, ouvindo a emissão defeituosa e cheia de ruídos da
Educadora, retransmitiram, como se lá estivessem, todo o jogo. Até mesmo o
segundo gol do time do Crato , gritaram antes . Como foi possível ? O jovem
locutor, atento, em meio a propaganda da Araripe, percebeu quando a torcida do
Crato berrou : Gol de Gledson ! E, antes da adversária, sapecou : -- Gollll da Seleção
Cratense ! Gledson ! O comentarista, anos depois, contava que o mais terrível
era ter que comentar os lances sem ver e, mais, no intervalo do jogo, ver-se na
imperiosa necessidade de fazer considerações minuciosas por mais de quinze
minutos sobre a partida. Nem é preciso dizer que todo Cariri optou pela
transmissão da Rádio Araripe, limpíssima e sem quaisquer barulhos estranhos.
Quando a Educadora descobriu o blefe , estabeleceu-se uma celeuma danada,
protestos e mais protestos, editoriais no noticiário. Nem sequer perceberam que
haviam presenciado a mais extraordinária façanha do Rádio caririense em todos
os tempos, protagonizada por um jovem locutor esportivo, ainda pouco conhecido,
chamado Heron Aquino e um comentarista já mais taludo e que se tornaria,
depois, um dos nomes mais queridos do jornalismo cearense : Elói Teles.
Pois
bem, amigos, rápido, cinquenta anos se foram desfolhando, como por encanto, na
Folinha da parede. O nosso querido comentarista já hoje flutua nas ondas
celestiais. Neste dez de setembro, o Dia
da Imprensa , o Cariri emudece um pouco mais, quando seu companheiro, o jovem locutor de outrora, resolveu
dependurar o microfone.
Neste interlúdio de meio século,
Heron Aquino se tornou o mais completo nome do Rádio Caririense. Locutor,
Narrador Esportivo, Noticiarista, Disk-Jóquei, Cerimonialista, Assessor de
Imprensa, Produtor, Publicitário, Diretor de Emissoras de Rádio, Redator e
Repórter, desempenhou as mais variadas e díspares funções com galhardia,
competência e simplicidade. Trabalhou ainda em Fortaleza, na Ceará Rádio Clube e na TV Ceará e poderia
ter tido uma fulgurante e próspera carreira nas terras alencarinas se a saudade do pé-da-serra não tivesse vencido aos
doces prazeres da beira-mar. Aqui
retornou e fez sua voz brilhante e característica se transformar na voz oficial
da nossa cidade. Ético, nunca fez da sua
atividade um balcão de tramoias e negociatas, não precisou por qualidades em
quem não tem, nem pespegar virtudes em salafrários. Equilibrado sempre propagou
a notícia como um mote para que o ouvinte , do outro lado, desenvolvesse sua
própria glosa.
Sem
Heron, o Rádio perde uma voz importante e isenta e um técnico de uma
completude quase que insubstituível. Ele
seguiu, intuitivamente, os
preceitos de Pulitzer do bom jornalismo : foi sempre breve para que fosse
ouvido; claro para que lhe apreciassem; original para que nunca o esquecessem e
, acima de tudo, preciso para que , como um farol, muitos viessem a ser guiados
por sua luz.
Crato, 10/10/14
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