segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Amor americano - Los Jaivas - poema de Pablo Neruda

Era a época em que jovens músicos clássicos migraram para o rock. E usando os recursos eletrônicos, especialmente dos sintetizadores, abriram a senda do rock progressivo. Algum tempo após tornara-me parte carioca, passo num dos primeiro shoppings da cidade e escuto um rock progressivo bastante diferente. Com instrumentos musicais andinos. Descobri o conjunto chileno Los Jaivas que ainda hoje está ativo. E eram jovens que faziam uma música nova no país que havia mergulhado na idade média. A era Pinochet não matou o novo. Foi só uma questão de tempo para tudo vir à tona. Esta música que ouviram de um poema de Pablo Neruda fiz uma tradução ao modo das possibilidades. Mesmo que uma ponte, sempre existem outras possibilidades. Afinal é poesia. 

Suba comigo, amor americano. 
Pablo Neruda

Beija comigo as pedras secretas.
A prata torrencial da Urubamba
faz voar o pólen em sua copa amarela.

Voe o vazio da trepadeira,
a planta pétrea, a grinalda dura
sobre o silêncio do costado serrano.
Vem, minúscula vida, entre as alas
da terra, enquanto – cristal e frio, ar golpeado –
apartando esmeraldas combatidas,
oh água selvagem, baixas da neve.

Amor, amor, até a noite abrupta,
desde o sonoro pedernal andino,
até a aurora de joelhos rubros,
contempla o filho cego da neve.

Oh, Wilkamayu de sonoros fios,
quando rompes teus trovões lineares,
em branca espuma, como ferida neve,
quando teu vendaval alcantilado
canta e castiga despertando o céu
que idioma traz ao ouvido apenas,
desarraigada de tua espuma andina?

Quem apresou o relâmpago ao frio
e o deixou na altura encadeado
repartido em suas lágrimas glaciais
sacudido em suas rápidas espadas,
golpeando seus estambres aguerridos  
conduzido em sua cama de guerreiro,
sobressaltado em seu final de rocha?
   
Que dizem teus clarões acossados?
teu secreto relâmpago rebelde
antes viajou povoado de palavras?
Quem vai rompendo sílabas geladas,
idiomas negros, estandartes de ouro,
bocas profundas, gritos submetidos,
em tuas delgadas águas arteriais?

Quem vai cortando pálpebras florais
que vem a mirar desde a terra?
Quem precipita os racemos mortos
que baixam em tuas mãos de cascata
a debulhar sua noite debulhada
no carvão da geologia?

Quem despedra o ramo dos vínculos?
Quem outra vez sepulta os adeuses?

Amor, amor, não toques a fronteira,
nem adores a cabeça submergida:
deixa que o tempo cumpra sua estatura
no seu salão de mananciais rotos,
e, entre a água veloz e as muralhas,
recolhe o ar do desfiladeiro
as paralelas lâminas do vento,
o canal cego das cordilheiras,
o áspero cumprimento do orvalho,
e suba, flor a flor, pela espessura,
pisando a serpente despedrada.

Na escarpada zona, pedra e bosque,
pó de estrelas verdes, selva clara,
Mantur estala como um lago vivo
E como um novo piso do silêncio.

Vem ao meu próprio ser, a alvorada minha,
até as soledades coroadas.
O reino morto vive todavia.

E no relógio a sombra sanguinária
do condor cruza com uma nave negra.

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