quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

VINÍCIUS: O ANARQUISTA.

Anarquista medular. Não precisa nem raciocinar. Ele é. E muito superior a este pessoal do curvar-se ao poder do Mercado. O Deus Mercado, provedor de sonhos, vitórias e escárnio aos perdedores.

Vinícius nasceu numa ilha, mas desenvolveu-se no continente. Especialmente entre a Cidade e Ipanema. Os bares nunca tiveram tempo de senti-lo ausente. Sem saudades. Numa esquina, na metade do quarteirão e um grande desejo de fundir-se ao Rio enquanto a eternidade durasse.

Jovem. Ousado. Andou nas areias das praias, na aspereza das pedras, embora úmidas do mar, nos tapetes macios e ajoelhou-se em êxtase com os olhos fervendo de desejo ao corpo delas. Amou. Principalmente tinha a maldição do amor eterno.

E fez-se em roda de música. Com o fluir das palavras em sonoridade, das revelações profundas do ser, da explosão emotiva das contemplações, da denúncia ferina das traições e dos éditos ditatoriais. Tornou-se o símbolo de uma época. Uma trilha para se transitar.

Mas Vinícius sumiu de cena. Ninguém mais o viu. No centro, em Ipanema, nalgum restaurante de Copacabana, em qualquer bar do Leblon. Nas tocas edificadas da civilização a ausência permanente. Tornou-se lenda dos desaparecidos. Quem sabe na “Curva do Calombo” na Lagoa.

E por acaso tive acesso ao sumidouro do Vinícius. Depois da Fonte da Saudade, na subida da Sacopã. Apartamento de fundos. Virado para a mata. Úmido e penumbroso. Pela janela a sabiá canta na mata e os macacos pulam de galho em galho e chegam às janelas por um pedaço de vida qualquer.

- Caramba! Que sumiço!

- Não existe eclipse algum. É a vida. Vivo a felicidade de ter envelhecido. A liberdade do meu corpo seguir os estímulos constantes do mundo. Sem regras. Controles. Clareamentos. Defesas.

Atento ao discurso de Vinícius.

- A velhice é uma adolescência radical. Infinitamente mais radical. Todos os órgãos começam a funcionar na própria regra. Ninguém obedece mais à ditadura da totalidade. Partes abandonam o corpo por vontade própria, dentes, cabelos, a tesão, o fluxo da urina, o ritmo digestivo. As regulações perdem os roteiros, ritmos, regularidades, compensações e toda esta lei de mercado e vivem uma anárquica e bela arritmia, elevam-se os níveis tensionais, afrontam-se os órgãos reguladores. E a beleza de todas as belezas, as células deixam a escravidão fisiológica e se multiplicam em outras formas, em funções fora da regra, invadem o lugar daquelas ainda escravizadas. Há uma linda e incomensurável afrontamento deste corpo burguês. O refúgio dos covardes.  


Os olhos acesos à beleza da anarquia em estado puro. 

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