quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

R$ 86.000.000,00 - José Nilton Mariano Saraiva


Você, que com muito sacrifício paga em dia os escorchantes impostos cobrados pelo Governo do Estado do Ceará, não pode deixar de lavrar seu protesto veemente, de manifestar-se de alguma forma, de exercitar sua cidadania. É que, segundo dados oficiais disponibilizados pelo valente Deputado Heitor Ferrer, um dos poucos na Assembléia Legislativa do Ceará que não tem rabo preso, o Governo Cid Gomes, no período 2008 a 2012, literalmente “jogou fora” o montante de R$ 86.000.000,00 (oitenta e seis milhões de reais) via pagamento a seresteiros, sertanejos, forrozeiros e por aí vai.
Para um Estado onde tudo falta, onde a população interiorana passa fome e sede, onde não existe saneamento, habitação, postos de saúde, etc,  gastar em média R$ 17.200.000,00 (dezessete milhões e duzentos mil reais) por ano com esse tipo de promoção, no mínimo configura falta de respeito para com o contribuinte.
Mas, como pimenta nos olhos dos outros é refresco, um dos Tribunais Estaduais (certamente que estimulado pelo Governador) decidiu que o Ministério Público Estadual está proibido de questionar números ou solicitar qualquer documentação relacionada a gastos governamentais.
Assim, resta-nos torcer para que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal se sensibilizem e procurem um jeito de examinar essa autentica farra com o dinheiro público por parte de um governo que se diz sério, mas que, por baixo dos panos, pratica manobras pra lá de suspeitas. 

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Horda de marginais - José Nilton Mariano Saraiva



Ao raiar do ano 2000, de férias no Rio de Janeiro, tivemos oportunidade de ver em ação a tal torcida organizada “Gaviões da Fiel”, do Corinthians. E podemos garantir: trata-se de uma coisa assustadora, de arrepiar qualquer um, fazer tremer estátua de pedra. Aos hurros, proferindo palavras de ordem, aquela horda descontrolada de marginais penetrou na estação do metrô em Copacabana e, literalmente, passou como um rolo compressor, verdadeiro redemoinho, por sobre o que encontrou pela frente; catracas, os parrudos seguranças e torcedores do time adversário e por aí vai (ainda bem que os seguranças, pós-passagem e refeitos do susto, num átimo de coerência, nos recomendaram – torcedores do Vasco da Gama - que, se não quiséssemos ser trucidados, tirássemos imediatamente a camisa do time, adversário do Corinthians naquele jogo da final do Campeonato Mundial, dali a pouco, no Maracanã.
Dali até aqui, foram muitas (mas sempre suportadas) as confusões patrocinadas pela “Fiel”, mas eis que, agora, 13 anos depois, os marginais que se dizem torcedores (e que são financiados pelo clube, sim, em suas andanças pelos estádios de futebol por esse mundo afora), chegaram às raias do absurdo: assassinam de forma violenta e covarde um jovem adolescente e, ainda por cima, em um outro país.
 E aí, temos a palhaçada, verdadeira canalhice, patrocinada pela principal emissora de TV do país (Rede Globo), de par com a CBF e torcedores corintianos integrantes de segmentos da mídia esportiva: ante a perspectiva real de o clube ser penalizado com a exclusão de uma competição internacional, dada a repercussão mundial do fato e em sendo o Corinthians um chamariz de audiência e, conseqüentemente, patrocinadores, imediatamente deram um jeito de arranjar um “menor de idade” (acompanhado da mãe), que, orientado com perguntas e respostas devidamente ensaiadas, prestou depoimento exclusivo àquela emissora, em horário nobre, garantindo ter sido o responsável isolado pela barbárie (na realidade, não exista prova nenhuma de que realmente estava presente ao estádio, mas, só em alegar tratar-se de um “menor de idade”, a Globo se previne, na perspectiva de que nada lhe acontecerá; quanto à família, será regiamente “recompensada”, a posteriori).
A matéria foi reprisada nos dias seguintes, nos diversos telejornais da emissora (manhã, tarde e noite), de forma que se firme na mente dos incautos e desprovidos de consciência crítica que tudo não passou de uma fatalidade, que o “coitadinho” não tinha consciência do que estava fazendo, que não direcionou a bomba para a torcida contrária e, enfim, que a vida segue e nada adiantará ficar remoendo coisas da espécie; a Globo continuará bancando o Corinthians, ad infinitum, e arrecadando milhões com os patrocinadores, enquanto os marginais das “organizadas” continuarão impunes e aprontando (covardes e ridículos, alguns dos bandidos que foram presos, portando e exibindo “santinhos” do Cristo, tiveram até a desfaçatez de se dirigir, claro que pela Globo, à presidenta Dilma Roussef, solicitando que o governo brasileiro intervenha para a sua soltura).
O que mais revolta nisso tudo é que, embora todos saibamos tratar-se de uma farsa grotesca, visando não prejudicar os ganhos futuros da Globo, os formadores de opinião de outros veículos de comunicação não questionam, não se interessam no aprofundamento da questão, portam-se como verdadeiros cúmplices da barbárie.
Mas... por que estranhar: afinal, Obama não disse que matou Osama e, embora ninguém tenha visto o corpo, até hoje muitos acreditam seja aquela a verdade verdadeira ???

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

SENHOR DEPUTADO, UM MÍNIMO DE RESPEITO – José Nilton Mariano Saraiva

Quando se dispõe a escolher um determinado candidato, concedendo-lhe, através do voto, um passaporte/mandato para tomar assento numa das várias Assembléias Legislativas (vereador, deputado ou senador) naturalmente que a população espera que o próprio seja emissário e portador das demandas que lhe afligem, através de um trabalho diuturno, sério e de alto nível, consubstanciado em propostas práticas e exeqüíveis; afinal, os problemas são muitos e diversificados, e eles, parlamentares, são a caixa de ressonância da coletividade.

Muitas dessas “Excelências”, no entanto, por despreparo, descompromisso, ou até mesmo por não terem idéia da seriedade do compromisso assumido, terminam por transformar o ambiente parlamentar numa espécie de circo de quinta categoria, estuário das suas ironias e piadas de mau gosto.
A mais nova deu-se dias atrás, quando do “batismo” da rodovia estadual CE-350, que liga os municípios de Pacatuba/Maranguape/Maracanaú, na região metropolitana de Fortaleza: pois bem, a deputada Fernanda Pessoa sugeriu que, para homenagear os índios Pitaguarys, antigos donos de uma parte das terras, a rodovia referenciada recebesse  tal denominação (Pitaguarys); já o parlamentar Lucilvio Girão, legislando em causa própria, sugeriu que o patrono da mesmo fosse um parente, Luis Girão, porquanto teria prestado relevantes serviços a uma das comunidades; e aí, durante a áspera discussão que se seguiu, um terceiro deputado – Ely Aguiar - resolveu fazer gracinha, transformar a arena parlamentar num ambiente circense, ao sugerir que a rodovia fosse batizada com dois nomes distintos: Pitaguarys, no sentido de quem demanda da capital para o interior; e Luis Girão, para quem vem em sentido contrário, do interior para a capital (não, não é brincadeira; o fato foi noticiado pelo jornal O POVO).
Será que o nobre deputado, que tem sua base eleitoral no Crato, não poderia privar os conterrâneos de um espetáculo tão deprimente ??? Será que a população cratense votou nele pra isso ???  Será que o Crato não tem sérios problemas a serem levados ao plenário da Assembléia, visando debatê-los e solucioná-los ???
Senhor Deputado, um mínimo de respeito para com aqueles cratenses que o sufragaram nas urnas (não nos incluímos aí). Se não pode ajudar, pelo menos não nos mate de vergonha...       

domingo, 24 de fevereiro de 2013

festa estranha com gente esquisita

Recuso-me a ficar insone madrugada a dentro assistindo entrega de Oscar: essa festa careta, com suas apresentações pirotécnicas e ocas, com seus apresentadores com piadinhas sem graça, com suas estrelas enfeiuradas com vestidos esquisitos, tudo celebrando um cinema medíocre, previsível, acomodado, salvo raras exceções de um e outro filmes pretensamente ousados, um e outro cineastas estrategicamente desobedientes aos ditames de uma cinematografia acadêmica e dominante.
Na foto, Orson Welles, que só ganhou um Oscar em toda sua ótima filmografia: pelo roteiro de "Cidadão Kane", em 1941. Perdeu Melhor Filme para "Como era verde o meu vale" (muito sintomático!), de John Ford, e ator para Gary Cooper em "Sargento York" (mais sintomático ainda para o bélico público americano).

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Reinos de pó



Ricardo III ,da Inglaterra, reinou por um período curtíssimo : entre 1483 e 1485. Sua enviesada ascensão à coroa , historicamente, parece eivada de crimes e assassinatos, o que sempre foi comum nas monarquias absolutistas. Para chegar ao trono, na sucessão de Henrique IV que morrera subitamente, Ricardo precisou dizimar inimigos  e, também, candidatos naturais ao cargo, além de utilizar de manobras jurídicas e armações como a anulação do casamento do seu antecessor por suposta bigamia.  Coroado , Ricardo levou Ricardo V e o Duque de York , seus sobrinhos, à Torre de Londres de onde nunca mais voltaram. Mexendo no instável castelo de cartas dos interesses da aristocracia inglesa, rapidamente, se iniciou uma enorme campanha contra o rei, sob suspeita de usurpação do trono  e que culminou com a Guerra das Rosas , encabeçada pelo Duque de Buckingham e Henrique Tudor , o Conde de Richmond. Em agosto de 1485, as tropas leais ao rei e as revolucionárias do Conde se confrontam na Batalha de Bosworth Field e Ricardo III termina abatido no confronto; dando-se início à Dinastia de Tudor. Apesar do reinado meteórico, ele se tornou , por sua dúbia personalidade, um dos monarcas mais populares do Reino Unido, tendo sido, inclusive, tema de uma das mais importantes peças de Shakespeare. Além de tudo, aumentando a aura de mistério, seu corpo jamais tinha sido encontrado. Ficou célebre o epílogo shakespeareano em que Ricardo III , a pé, sendo perseguido pela sanha do exército adversário, cita, no desespero,  a famosa frase : “Meu Reino por um Cavalo !”
                   No último dia quatro de fevereiro, quinhentos e vinte e oito anos depois da fatídica batalha, escavações num estacionamento em Leicester, no centro da Inglaterra, encontraram um esqueleto que, depois, se confirmou pertencer a Ricardo III. Tinha 32 anos na época da morte, uma profunda escoliose , sinais de trauma craniano por objeto cortante  e uma ponta de flecha entre as vértebras. Exames científicos como Datação pelo Carbono 14 e DNA confirmaram o fim do mistério que já varava meio milênio.
                   Ricardo III estava inumado num simples estacionamento e seu esqueleto não carregava quaisquer diferenças que por acaso o distinguissem de qualquer um dos   mais humildes plebeus do seu reino.  A confirmação da sua identidade , pelo exame de DNA, foi através da comparação com um dos seus últimos descendentes : Michel Ibsen, um marceneiro canadense, radicado em Londres e que não carrega consigo nenhum traço de  nobreza esperado  para um remanescente da Casa de York. O pretenso sangue azul que por acaso teria corrido nas suas veias, também, não tingiu a ossada encontrada, nem a tornou mais colorida e menos opaca do que os remanescentes de qualquer mendigo da Inglaterra. Na morte não há castas: é de pó que são construídas todas as coisas. Vaidade, riqueza, poder , ambição, egoísmo acabam todos no fim da batalha, quando o golpe de misericórdia já está armado e nós trocaríamos todas elas por um  cavalo que nos levasse para bem longe do equitativo  reino do nada, da escuridão e do pó.

J. Flávio Vieira

PEDRO: de Satanás a Bom Pastor


PEDRO: de Satanás a Bom Pastor
“Em verdade, em verdade, eu te digo: quando eras jovem, amarravas o teu cinto e andavas para onde querias; quando ficares velho, estenderás as mãos e um outro atará o teu cinto e te conduzirá para onde não quiseres” (Jo 21,18).

Teólogo e Biblista, Dr.Francisco Salatiel
            Se o Papa, bispo de Roma, exerce o ministério petrino, seria bom refletir sobre o exercício dessa função de serviço à unidade da Igreja, meditando a partir de alguns textos bíblicos. Assim, o espanto com a renúncia de Bento XVI, 265º. sucessor de Pedro, torna-se mais compreensível. Pois o Senhor, ao confiar-lhe um posto de liderança no colégio dos 12, sem dúvida não seguiu critérios da lógica humana do sucesso, da eficiência administrativa nem da capacidade de convencimento própria de oradores famosos. Pedro era um simples pescador, pé de chinelo ou de sandálias – símbolo mais condizente com o seu estofo social do que o anel dos príncipes e reis – embora se apresentasse cheio de ímpeto e espontaneidade tanto na famosa confissão de fé no Messias, em Cesaréia de Filipe (Mc 8,29), quanto na negação diante das empregadas do Sumo Sacerdote (Mc 14,66-72). Homem contraditório, capaz de jurar fidelidade ao Mestre (Mc 14,29-31; Jo 13,36-38) e, logo em seguida, negá-lo. A figura simbólica que Jesus lhe imputou de maneira enérgica: “Afasta-te de mim, Satanás, pois teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens” (Mc 8,33), mostra-se bem apropriada a esse personagem nada certinho, com a carapuça do opositor e inimigo máximo dos planos de Deus: Satanás. Ora, para a mentalidade bíblica de então, quem era Satanás senão o pai da mentira  (Jo 8,44), da dissimulação, da hipocrisia (1 Tim 4,1-2), agente de morte e não de vida (Sab 2,24)?
            E quem disse que o comportamento de Pedro mudou, mesmo tendo recebido a força (dynamis) do Espírito Santo no Pentecostes? O episódio narrado por Paulo em sua carta aos Gálatas (2,11-14) ilustra muito bem esse lado obscuro da personalidade de Kephas: o dissimulador, o hipócrita. Aquele que “não se comportava, não andava corretamente (uk orthopodousin) segundo a verdade do Evangelho (Gal 2,14), induzindo a outros e até mesmo a Barnabé neste ato de hipocrisia (hypokrísei: Gal 2,13), ou seja, na incoerência com o que fora acertado no Concílio de Jerusalém para a abertura da Igreja nascente aos incircuncisos. Qualquer semelhança com os tempos atuais é mera coincidência!
            O lava-pés, que na versão joanina da última ceia substitui a instituição da eucaristia, narrada pelos sinóticos e pela 1ª.carta de Paulo aos coríntios, apresenta mais uma vez esse lado contestador e adversário de Pedro que não queria que o Mestre – como servo humilde – lavasse seus pés. Ao que Jesus lhe replica: “Se eu não te lavar, não poderás ter parte comigo” (Jo 13,6-11). João, o evangelista das dicas simbólicas, narra o gesto de Jesus antes da doação do mandamento novo (Jo 13,34-35) como que a indicar que é preciso estar preparado (puro, na linguagem bíblica), a fim de poder caminhar corretamente (orthopodein – Gal 2,14), sem vacilar os pés. Isso é bem mais importante – uma ortopráxis – do que a obsessão pela ortodoxia. A ortodoxia (dóxa) faz parte muito mais das opiniões variáveis e combiantes até mesmo quando se formularam, ao longo da história, os dogmas mais veneráveis, os credos que recitamos em nossas celebrações.
            O ministério petrino, portanto, voltado à unidade da Igreja e à confirmação da fé dos irmãos (Lc 22,32), é exercido sob a condição sine qua non da conversão: “Quando te converteres” (Lc ibidem), ou seja, mesmo quando cair sob as ciladas de Satanás, dos pensamentos e preocupações humanas, o Senhor não o desamparará e, qual advogado (Paráclito), o defenderá, rogando por ele (Lc 22,31). É por isso que, não sendo nenhum super-homem, conhecerá como todos os humanos o declínio da juventude para a velhice, incapaz de tomar a iniciativa das decisões mais comezinhas ou do próprio rumo da vida, sem poder mais andar (peripatein) para onde bem gostaria (Jo 21,18). Ao entregar-lhe o pastoreio de seu rebanho, o Senhor também lhe mostrou em perspectiva o final de sua existência.
            A renúncia de Bento XVI, um teólogo que jamais se separou das fontes bíblicas e patrísticas, não se situa na encruzilhada apenas de intrigas e conspirações palacianas na Cúria Romana, mas naquela outra da lucidez evangélica e paulina que tem Jesus de Nazaré como parâmetro de vida por excelência. Os fracassos, o humilde reconhecimento da própria impotência na condução do papado, podem produzir a reviravolta necessária para a mudança da Igreja, servidora de um Senhor que se faz escravo, longe da prepotência e da ostentação deste mundo.
Francisco Salatiel, biblista (e-mail: chicosalatiel@gmail.com) –

(publicado com autorização do autor)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Na Igreja, o "vale-tudo" pelo poder


Dos 265 papas listados pela história oficial em quase dois mil anos, apenas quatro renunciaram: Bento IX (1045), Gregório VI (1046), Celestino V (1294) e Gregório XII (1415). E sequer eles foram precedentes comparáveis. Gregório XII, papa de Roma, foi forçado pelos cardeais a abdicar, enquanto os antipapas concorrentes João XXIII de Pisa (que não se confunda com o papa do mesmo título do século XX) e Bento XIII de Advinhão eram depostos, para por fim ao Grande Cisma do Ocidente e reunificar a Igreja. Bento IX renunciou para “vender” o cargo a Gregório VI que, por sua vez, foi “renunciado” à força pela maioria de seus bispos, com apoio do imperador Henrique III. Celestino V, um eremita respeitado como homem santo em Roma, foi eleito papa contra a vontade ao “ameaçar com a ira divina” o colégio de cardeais que se reunia havia dois anos sem chegar a um consenso. Em cinco meses no cargo mostrou-se completamente incompetente. “Aconselhado” pelo cardeal Benedetto Gaetani a abdicar, decretou o artigo do Código Canônico usado agora por Bento XVI. Gaetani elegeu-se papa Bonifácio VIII e por recear a influência do ex-papa, “mandou prender” o idoso Celestino, que morreu após dez meses de prisão. Bonifácio ficou quase nove anos no trono, mas se desentendeu com Felipe IV da França, quando este quis taxar a Igreja. Após se declarar superior aos reis e excomungar Felipe, foi capturado por tropas francesas que o “intimaram” a renunciar. Ao recusar, foi espancado e morreu três dias depois. Após a morte, sofreu a humilhação de ser destinado ao oitavo círculo do Inferno de Dante Alighieri, seu inimigo político, ao lado de Celestino V e Nicolau III.
Bento XVI
Sua renúncia evidenciou a incapacidade de controlar o conluio de interesses empresariais, políticos e clericais que ajudou a alimentar e hoje travam as tentativas de reforma tanto do Vaticano quanto da Itália – a corrupção secreta que viceja à sombra de qualquer autoritarismo. Provavelmente, será sucedido por um europeu igualmente conservador e intransigente para com os pecados da massa, mas mais tolerante para com os da Cúria, que manterá a Igreja no caminho firme, reto e seguro da decadência. 
(transcrito da revista Carta Capital)

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Entala-Gato



“Como é possível esperar que a humanidade ouça                                                               conselhos,se nem sequer ouve as advertências.”
Jonathan Swift

                        No último Carnaval, enquanto foliões, no Brasil inteiro, entregavam-se às batalhas de confetes e serpentinas, aconteceu, no Espírito Santo, uma cena emblemática dos anos em que vivemos. A aposentada Judith Kosken ,de setenta e nove anos ,  foi trancada ,pela neta, dentro de sua casa e mantida, em cárcere privado, sem alimentos, até a quarta-feira de cinzas. Vizinhos ouviram os gritos desesperados da velhinha, avisaram à polícia e ela, por fim, foi libertada da prisão domiciliar. A neta saíra com a namorada na sexta-feira para curtir o Carnaval em outra cidade. As agruras de D. Judith não pararam por aí : atendida em um hospital, passou mais dois dias morando no carro da polícia, pois os agentes, simplesmente, não conseguiam encontrar uma instituição que a acolhesse. O fato pode parecer um caso isolado, destes que periodicamente servem para alimentar o noticiário morno dos jornais. Esconde no seu ventre, no entanto, um monstro que vem sendo gestado nas últimas décadas e está pronto a coroar e espalhar brasa Brasil afora.
                   No início do Século XX, apenas 25% da população brasileira tinha mais de 60 anos. Nos primórdios do Século XXI , 65 % dos homens e 78% das mulheres alcançaram este patamar. Em 2009 ,o Brasil, que é um país jovem, tinha a sexta população de idosos do mundo, alguma coisa em torno de 22 milhões de pessoas, ou seja: um em cada 13 brasileiros será idoso em 2020 e ,em 2040,  um terço da população estará nesta faixa etária. A esperança de vida do brasileiro, hoje, beira os 75 anos, em média;  na década de oitenta,  era de 63 anos. Junte-se a este quadro,  uma diminuição abrupta da taxa de fertilidade, que pelo andar da carruagem deverá levar ao decréscimo progressivo da população  a partir de 2062 e perceberemos que o futuro do Brasil é o passado. A grande bomba começa a ficar com o estopim aceso e curto. O país não está minimamente preparado para acolher a crescente população de idosos. Quem haverá de cuidar deles quando vierem as limitações próprias dos anos ? Não temos geriatras suficientes; não dispomos de  cuidadores treinados no volume que a demanda exige; não possuímos instituições que os acolham. O antigo pacto de gerações, em que os pais cuidavam dos filhos e estes dos pais, quebrou-se por inteiro: os filhos são poucos e a modernidade exige demais deles. Nosso Sistema de Saúde também não está capacitado para atender as doenças próprias da maturidade: as demências, as fraturas, os acidentes vasculares cerebrais, o câncer que tende a aumentar nas faixas etárias mais elevadas. Não bastasse isso, vivendo mais a população, o INSS deverá desembolsar as aposentadorias por mais tempo e, por outro lado, nascendo poucos brasileiros,  a previdência arrecada menos e o desequilíbrio da balança é inevitável. Nas gerações passadas,  a família cuidava dos anciãos e os abrigos eram deixados para os indigentes. Hoje, nem mel, nem cabaça !
                   As angústias porque passou D. Judith no Carnaval são freqüentes em todo o Brasil e tenderão a se agravar. Não é muito diferente do que vem acontecendo no resto do mundo, só que nos países desenvolvidos as mudanças foram mais paulatinas e houve mais tempo para   adaptação à nova realidade. Um dado positivo nesta nova cara da população brasileira é que os idosos estão muito mais ativos, organizam-se, viajam, produzem e muitos e muitos são arrimo de família, geralmente com renda média superior aos chefes de família mais jovens. O Brasil precisa, no entanto, enfrentar rapidamente esta nova face mais enrugada que o país vai tomando, sob pena de aprofundarem-se enormemente seus problemas sociais que já não são poucos.
                            O escritor irlandês e  setecentista , Jonathan Swift (1667-1745) escreveu uma sátira em 1729 : “Uma modesta proposta para preven ir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para as tornar benéficas para a República”. Nela propõe, como solução da pobreza infantil, que havendo provas de que a carne das crianças  é tenra e gostosa, elas possam ser vendidas assadas aos ricos, resolvendo assim o problema culinário dos mais abastados, econômicos dos mais pobres e o impasse político da Nação que já não suporta carregar tantos rebentos produzidos pelos mais desfavorecidos. Pois bem, se o Brasil não deseja enfrentar o outro extremo da questão que é a proliferação dos idosos e seus achaques, visto-me de Swift e trago também uma modesta proposta. Chegando à idade avançada, quando começarem a trazer mais problemas que soluções, os idosos poderiam ser levados a uma instituição e submetidos à eutanásia. Sua carne, já pouco tenra, poderia ser tratada como carne de sol ou de charque  e depois, juntada à farinha e produzida uma paçoca. Esta iguaria seria servida aos favelados e aos pobres nordestinos vítimas da seca. Assim resolveríamos muitos impasses: primeiro, diminuiríamos a população idosa e seu fardo à sociedade; depois, somaríamos o nada na escala social ao nada na escala etária e desta soma poderia resultar algum total; depois, unindo a carne dos velhos à farinha, havendo qualquer indigestão , o governo poderia botar a culpa na farinha; além de tudo, estaríamos contribuindo para melhorar a fome do Nordeste o que tem sido sempre uma enorme preocupação para os estados do Sul e Sudeste.  De minha parte, ofereço minha fuçura, daqui mais uns poucos anos, a quem interessar possa, mesmo sabendo que a carne já é de terceira, mas, quem sabe,  misturada com uma farinhazinha de mandioca , acredito que ainda dá um bom entala-gato.

J. Flávio Vieira

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Cristo traído (Carta Capital)


As feições atuais do renunciante Ratzinger mostram a gravidade e a tensão da luta. Em quase oito anos de pontificado, Bento XVI envelheceu como se tivesse decorrido o dobro. Não conhecemos os motivos determinantes da renúncia, mas admitamos que ele se sinta inadequado ao enfrentamento de uma situação tão complexa e obsedante como a atual, inquietada por divergências internas e surdos confrontos de bastidor. Não lhe faltam agora os elogios, assemelhados e epitáfios, e, em meio aos encômios, exalta-se a excelência do teólogo. Sejamos claros, não se trata de um Hans Küng, tampouco de um Carlo Maria Martini.
Se Martini tivesse sido o eleito em 2005, é plausível supor que algo teria mudado no sentido da contemporaneidade. Ratzinger limitou-se a confirmar o passado, o qual remonta à época em que, oficializada a religião, consumou-se a traição à palavra de Jesus. Arrisco-me a dizer, sem temer o Inferno, que o verdadeiro Judas é a própria Igreja, poder igual aos outros, humanos e não divinos, muito mais duradouro e fortalecido sempre e sempre pela carência experimentada pelo homem diante do mistério indecifrável.
Na história, e até na hagiografia, há inúmeros papas hipócritas, tirânicos e devassos. Há, também, estadistas. João Paulo II foi um deles, em proveito de seu abrangente Estado, sem atentar para a lição de igualdade e amor pregada por Cristo, e sem respeito pela mais exaltante das virtudes teologais, a caridade. Voltado integralmente às tarefas de senhor de um poder terreno. Se vieram à tona escândalos como a dos padres pedófilos, useiro e vezeiro, foi porque não houve como continuar a escondê-los. E nem se diga o quanto Wojtyla foi decisivo, pela mão de certo monsenhor Marcinkus, na definição dos alcances do IOR, o Banco do Vaticano, Instituto das Obras da Religião, a entender que obra da religião é também a reciclagem de dinheiro mafioso.
Figura ímpar, entre os pontífices recentes, João XXIII, o campônio Roncalli, um reformador encarado como subversivo pelos cinco anos do seu pontificado. Impossível imaginar o desempenho do papa Luciani, João Paulo I. Durou na cátedra de Pedro por um mês e morreu durante a noite, depois de tomar uma chávena de chá. Sobre o seu criado-mudo havia apontamentos a respeito das atividades do monsenhor Marcinkus. Banqueiro de Deus, dizia-se então.
Mino Carta

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A "senha" do Benedito - José Nilton Mariano Saraiva

Quem conhece um pouco da história da Igreja Católica Apostólica Romana sabe perfeitamente que por trás dos muros do Vaticano, em seus corredores e porões, entre abraços de tamanduá, tapinhas nas costas e falsos sorrisos, vige uma espécie de briga de foice em quarto escuro, na oportunidade em que se tem de escolher um novo Papa; conchavos, corrupção, falsidade, traição, oferecimento de vantagens, tráfico de influência e o escambau são a essência dos encontros cardinalícios quando da escolha do sucessor de Pedro. O jogo é bruto e pesado (fala-se, inclusive, que o Papa João Paulo I – o italiano Luciane – após pouco mais de um mês no trono, teria sido "envenenado" por discordar do modus operandi vigente). Assim, no Vaticano nada difere das diversas arenas políticas espalhadas pelo mundo, quando da eleição de mandatários nos mais diversos países. É o tal “componente político” a que tanto aludimos e que na cúpula da Igreja Católica também se faz presente, sim.
Por essa razão (o penoso e desonesto trabalho de chegar lá e as concessões que tem que ofertar), normalmente quem consegue trata de segurar o bastão até o instante em que “bate as botas”, nem que para tanto tenha que enfrentar percalços e constrangimentos mil (conforme nos mostrou o carismático polonês João Paulo II, que, acometido de todo tipo de doença - Parkinson, demência, dificuldade motora, etc - não largou o osso de forma alguma.  
Assim, de certa forma fomos surpreendidos quando, quase chegando aos 80 anos, o ultraconservador ex-integrante da juventude nazista, o alemão Josepf Ratzinger, conseguiu sucedê-lo; só não surpreendeu foi sua postura de insensibilidade e alheamento ao que acontecia ao seu entorno, já que os ultrapassados e envelhecidos dogmas da Igreja Católica jamais foram ameaçados: celibato, divórcio, aborto, contraceptivos, punição de padres pedófilos, alinhamento político do clero com causas sociais e políticas do terceiro mundo, enfim, desafios típicos do contemporâneo foram deixados de lado.
Agora, e num primeiro momento surpreendente, foi ele anunciar que iria “se mandar” (renunciar), deixando seu rebanho na orfandade (e de um pai vivo), já que com apenas 08 anos sentado no trono. E aí, a grande surpresa, a denúncia/revelação “bombástica”, porquanto proferida por alguém que comandava a Igreja Católica até então e, pois, conhecedor profundo das suas entranhas e labirintos: na cúpula da Igreja Católica vige, sim, a "hipocrisia religiosa, o comportamento dos que querem aparentar, as atitudes que buscam os aplausos e a aprovação" (ipsis litteris).
Portanto, se nada fez de produtivo durante sua gestão de 08 anos à frente da Igreja Católica Apostólica Romana, o alemão de certa forma se redimiu, ao anunciar aos seus pares, de viva voz, aquilo que todo mundo já desconfiava: no Vaticano, cerne do cristianismo, impera a discórdia, o jogo sujo, a luta (fratricida e desonesta) pelo poder. Enfim, o “componente político”.
É mentira, Terta ???