sexta-feira, 27 de março de 2015

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO ADERE AO GOLPE CONTRA DILMA - José do Vale Pinheiro Feitosa

A radicalização do quadro político brasileiro se consolida como uma verdade. Junto com uma crise econômica, que tem razões internas e muitas externas e com um quadro de tensões mundiais que parece indicar uma guerra global, será (ou serão) um ano (os) de muitas incertezas, agitações, frustações e tentativas de superação através do esgarçamento institucional.

O mais típico nestas crises ou radicalizações é a constituição de forças e contra-forças a buscar uma solução parcial pois atende apenas a certas classes sociais de uma sociedade dividida em classes. Mais ainda é verdade em sociedades sofisticadas como a brasileira (muito mais do que o complexo de vira-latas imagina) onde há um forte vetor para se tornar um país tipicamente de classe média. Ou seja, sair da crise é uma solução histórica de desenvolvimento de classe através de um vetor político dominante e não parcial.

Temos potencial. Gente. Terras, água, energia, e conhecimento para constituir tal vetor. Buscamos uma estratégia de inserção internacional neste mundo em crise e conflitado, onde todas as forças se rearranjam em nova ordem multipolar. Mesmo gigantes como a China, EUA, União Europeia e até Rússia, vivem uma movimentação tensa e intensa sobre como será o futuro da governança mundial.

Inclua certamente os próprios problemas do capitalismo liberal (é incrível mas a velha URSS e a China criaram um capitalismo de Estado e a Europa um capitalismo social) e do sistema hoje dominante, que é o sistema financeiro. Especialmente da quantificação e expressão do valor do capital, antes centrado na realidade objetiva da sociedade americana e nos fundamentos da sua economia. Mas as dificuldades do dólar é o centro, exato, de tal rearranjo.  

Pode considerar que em campos de radicalizações todas as forças se açulam em busca de uma estratégia para conquistar maiores posições. E este açulamento decorre do próprio ataque direcionado ao PT que se encontra sob escombros e, portanto, inativo ou hibernante a depender do curso dos acontecimentos.

Por isso Eduardo Cunha, Presidente da Câmara, sai pelo país fazendo uma pregação política para ocupar o espaço da crise. Renan Calheiros ocupa a mídia muito interessada na crise. Ou seja, as facções do PMDB sentem a oportunidade de ocupar uma maior fatia da política.

O Estado de São Paulo, por sua sociedade e por sede da direita que pensa e tem estratégia é um “locus” importante da crise. Especialmente porque ali sob um manto majestoso, se esconde o velho jogo do “oportunismo” político tendo como porta voz semanal Fernando Henrique Cardoso. Que agora passou a “admitir” bem no seu estilo matreiro (para muita gente covarde) o golpe contra Dilma. Nesta semana suas palavras:

“Eu vou dizer uma coisa arriscada: o Lula perde hoje. Hoje (se Dilma cai e fazem novas eleições), o Lula perde. Mas não penso eleitoralmente. Sou democrata. Não vou dizer: Então vamos fazer o impeachment porque o Aécio ganha, o Geraldo ganha, ou eu ganho”.

Traduzindo: é hora de fazer impeachment pois o PT é apenas uma terra arrasada. Nem o Lula salva mais a situação deles. E na soberba de suas palavras ele se imagina sendo reeleito para governar o Brasil.


Agora a prova  desta tradução das palavras de FHC: “Não estou dizendo que nunca vai se chegar a tal ponto (do impeachment). Não sei”. Que dizer ele está na operação para derrubar a Dilma agora em Abril (igual ao golpe de 64). 

quarta-feira, 25 de março de 2015

DE BRAÇOS COM O PERIGO - José do Vale Pinheiro Feitosa

Não é um sentimento incomum. Ao conquistarmos velocidade, potência energética, estoque de alimentos, habitações confortáveis, medicamentos entre outras conquistas, também nos aproximamos muito do perigo concentrado.

Como a vida da atual civilização é fundamentada nestas conquistas, somos educados, assumimos onipotências, fazemos processos de negação, enfim temos uma certa volúpia de viver perigosamente. De algum modo temos que não lembrar um quanto navegamos continuamente entre margens estreita entre abismos.

Uma cena encontrada nas cidades. O trânsito lento dos veículos de quatro rodas literalmente atravessados por inúmeras buzinas de motos se deslocando afoitamente entre as brechas. Afoitamente fechando, surgindo em pontos de visão ocultos, pondo todo o seu corpo num jogo suicida que parece ser superado pelos avanços na velocidade de deslocamento.

É tanto que logo após o drama de um acidente envolvendo motociclistas, a maioria, ao testemunhar a cena, parece se deslocar com menor velocidade e experimentando um menor número de malabarismos com suas vidas. É a visão do drama que lembra a iminência do próprio drama.

Assim como imagino hoje se encontra a Europa após a queda de um avião entre a Espanha e a Alemanha, sobre os Alpes franceses, onde morreram 150 pessoas. Em primeiro lugar porque tanto o fabricante quanto a companhia aérea são europeias. Depois porque é um acidente com uma das chamadas companhias de baixo custo. Um conceito controvertido, onde não se sabe o quanto se sacrificam de itens de segurança nos voos.

Esse último aspecto é tão marcante que tem sido o foco dos lamentos e desculpas da companhia aérea. Como se observa no noticiário existem para os mesmos donos duas companhias aéreas: uma para ricos e outras para pobres. E o mesmo dono chama-se Lufthansa. Cujas asas para ricos são as aeronaves com sua bandeira e para pobres esta chamada Germanwings.

Aliás o sonho de Ícaro sobre este nome de asas que derrubam a Germânia causam maior incômodo ainda. Bem, para uma Europa mal amada pelas partes pobres do mundo, onde seus turistas são até metralhados, a queda deste avião é mais uma suspeita de terrorismo. E mais uma vez o perigo se desdobra na proximidade entre ação e os fatos.


Todo o discurso da perplexidade e da tecnicidade tomarão corações e mentes, mas é certo que fica uma sensação de motociclista nisto tudo. O avião, como diz a canção popular: “é bonito quando voa, mas feio quando cai.”

Lançamento das Poesias Completas de Geraldo Urano

Imperdível !
Domingo
Dia 29 de Março - 19:30 H
Instituto Cultural do Cariri


sexta-feira, 20 de março de 2015

Marconi Perillo oferece um rumo à política - José do Vale Pinheiro Feitosa

O movimento das ruas no domingo passado abriu uma agenda de confrontos que se desdobram dia-a-dia. A previsão é difícil e funciona como adivinhação, o mais preciso é observar como os desdobramentos acontecem. Como, por exemplo, o comportamento do Governador de Goiás, Marconi Perillo, num palanque ontem junto à Presidente Dilma. Marconi falou como um quadro do PSDB e é por ai que devemos entender. Sem nada a respeito, mas coincidentemente no mesmo dia em que vazou um vídeo do "Doleiro dos Políticos" a acusar Aécio Neves de receber dinheiro de "tenebrosas transações" em Furnas. 

E o que diz Perillo: "É indispensável dizer que recebi muitos conselhos, Presidenta, para não estar aqui. Eu disse que se eu, em todos os momentos, jamais concordei com a intolerância e com as injustiças em relação à Presidente, se eu sempre a recebi aqui respeitosamente, não vou temer comparecer a algum evento em que, eventualmente, alguma claque pode me hostilizar. Venho aqui como governador legitimamente reeleito do Estado de Goiás para receber uma Presidente da República que foi legitimamente reeleita e que tem o meu apoio à sua governabilidade. O Brasil não pode ser vítima da intolerância, do desrespeito...ser vítima de minorias que não querem uma democracia onde o republicanismo possa prevalecer. Nunca ninguém ouviu aqui em Goiás uma palavra minha que não fosse de respeito e de reconhecimento ao trabalho de Vossa Excelência."

"Não me importo com minorias que muitas vezes atuam tão somente com o objetivo de desrespeitar as pessoas. Não à intolerância, pela democracia no Brasil, pelo republicanismo e pelas muitas parcerias que temos hoje e ainda haveremos de ter daqui pra frente."

A verdade é que crises como estas além de poderem descambar para a negação da democrai como efetivamente querem alguns, também abre a oportunidade para o exercício da política e neste momento surgem muitas lideranças que marcam rumos. Não é possível adivinhar, mas as evidências apontam que a prática política de Aécio Neves não tem futuro maior. Serra é infinitamente mais experto (falando de lideranças mais proeminentes).

"BICUDOS NÃO SE BEIJAM" - José Nilton Mariano Saraiva

Farinha do mesmo saco, só que até então momentaneamente no exercício de um cargo superior no Poder Executivo, o senhor Cid Gomes bem que tentou tergiversar, enrolar de alguma forma, fugir do confronto, quando do seu depoimento aos “colegas-políticos” do Poder Legislativo Federal (Câmara dos Deputados) no momento em que ali compareceu a fim de explicar-se sobre a alcunha de “achacadores” que houvera impingido à maioria deles (de 300 a 400 - indistintamente), dias antes.

Ex-parlamentar e tendo ascendido à Governadoria do Estado do Ceará por obra e graça de acordos não tão republicanos nos bastidores, ao longo do tempo o senhor Cid Gomes acostumou-se a lidar com os “amestrados cordeirinhos” da Assembléia Legislativa do Ceará, vergonhosamente pródigos em satisfazer seus caprichos e vontades (vide a nebulosa questão da construção do tal Aquário e/ou a indicação da cunhada Patrícia Gomes para o cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas do Estado, sem que tenha a mínima qualificação técnica); pois bem, mal acostumado  imaginou que com o papo furado que lhe é peculiar poderia sair incólume da refrega.

Assim, num primeiro momento insistiu que o encontro que tivera com estudantes da Universidade do Pará (onde se pronunciara sobre) se dera em ambiente fechado, que a gravação da conversa por parte de alguém não autorizado nada valia e, portanto, ilegal seria, que quem ali se pronunciara fora a “pessoa física” e não a figura institucional do Ministro de Estado (quanta babaquice) e, enfim, que tinha o maior respeito pelo Legislativo, porquanto um ex-integrante, a nível estadual. 

De nada adiantou, porém. Sabedores da sua recorrente instabilidade emocional quando sob pressão, do seu pavio curto quando questionado duramente, da sua pouca paciência para o debate (já que acostumado a mandar e desmandar), os mafiosos e desacreditados parlamentares federais foram astuciosamente atraindo-o para a armadilha, paulatinamente minando-o psicologicamente, até que deu-se a explosão.

Assim, e como “bicudos não se beijam”, quando instado a nominar os “achacadores” e ato seguinte rotulado contundentemente de “palhaço” por parte de um dos seus inquisidores, Cid Gomes, ao invés de humilhar-se num pedido de desculpas (como sugerido pelos deputados-bandidos), resolveu abruptamente abandonar o recinto, sem que antes haja jogado sobre eles e principalmente sobre os ombros dos componentes da base aliada do governo, a pecha de achacadores, porquanto desleais para com a Presidenta da República, desde sempre.

Aqui, um parêntesis para esclarecimento: a respeito dos políticos com assento no Congresso Nacional, em nossa última postagem abordando a questão da Petrobras afirmamos peremptoriamente que...  “dentre os diversos senadores e deputados a serem investigados, os presidentes das duas casas legislativas – Senado e Câmara Federal – encabeçam a lista, numa prova inconteste de que o principal antro de safadezas, corrupção e falcatruas ali se encontra; particularmente, entendemos que não são apenas 300 ou 400 picaretas; do total de 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) com muito, mas muito esforço poderíamos livrar a cara de 10% e olhe lá. Chega de hipocrisia. Há que se achar uma reforma política que obste toda essa cafajestice”.

Portanto, apesar de nunca termos sufragado os Ferreira Gomes e Jereissatis da vida, não temos nenhum constrangimento em admitir que o senhor Cid Gomes conseguiu verbalizar – e num ambiente superlativo e repleto de holofotes - tudo aquilo que boa parte da  população brasileira pensa a respeito dos políticos: não passam de pessoas sem escrúpulos, que legislam em causa própria. Só que acrescentaríamos: inclusive os Ferreira Gomes.

E se alguém tem alguma dúvida sobre a barafunda e desonestidade que caracteriza seu modus operandi, basta atentar para o multifacetado histórico partidário e/ou consultar professores, médicos, militares e funcionalismo público do Ceará sobre o que acham dos Ferreira Gomes.

Portanto, causa espécie que queiram agora transformar o senhor Cid Gomes numa espécie de herói nacional, autentico paladino da moralidade em razão de ter se estranhado com colegas da mesma estirpe e que rezam o mesmo credo. E de uma coisa tenhamos certeza: com a hiper divulgação do imbróglio, espertamente os Ferreira Gomes tentarão usá-lo para creditar-se a vôos mais altos num futuro. Esperem para confirmar. 
   


quinta-feira, 19 de março de 2015

O PMDB APOSTA NA CRISE - José do Vale Pinheiro Feitosa

Façamos o seguinte: retiremos toda a visão estadual de Cid Gomes e o coloquemos no cenário da política nacional nos termos desta crise que efetivamente se encontra em curso.

A meu ver ontem a crise política mudou de tom e evidenciou mais alguns rumos do PMDB. Considere que o PMDB vem deste o Governo Sarney (que deveria ser Tancredo) funcionando como uma força de centro que viabiliza projetos de governo no Congresso Nacional e nos governos estaduais e municipais. No que seria o seu próprio governo (Sarney afinal virou PMDB) Ulysses Guimarães montou uma espécie de meio parlamentarismo pois no Congresso Nacional quem mandava era ele.

Nos governos do PSDB ele foi central para integridade do projeto de Reforma do Estado (venda de estatais, redução de órgãos, de direitos sociais etc.) e para o próprio projeto de poder com a aprovação da Reeleição. Nos governos do PT foi a força que sustentou no Congresso Nacional as medidas populares de redistribuição de renda e de fortalecimento do papel do Estado ao mesmo tempo sustentou politicamente o governo diante da pressão oriunda da luta de classe e do papel oposicionista da mídia.

Ondem com a saída de Cid Gomes o PMDB deu um passo no aprofundamento da crise política do Governo Dilma. E isso não foi como a imprensa mostra, uma decorrência do destempero de Cid ou de inapropriada fala deste. Três dias após grandes manifestações da classe média, misturada a segmentos do fascismo e do fundamentalismo religioso, quando a grande mídia, especialmente a Rede Globo de Televisão, avançou o sinal em todos os sentidos, o PMDB aprofundou a crise.

Enfim o PMDB aposta na crise. Seja para tomar uma fatia maior do governo, seja para implantar um meio parlamentarismo à moda Ulysses. Nisso se estabelece uma crise institucional de grandes dimensões, pois a dinâmica do Estado é presidencialista. Some-se este quadro à crise econômica e às  tensões internacionais e estaremos numa turbulência de longa duração.

Nesta altura fica claro que o PMDB (ou setores dele) até se imagina estimulado pelos golpistas do impeachment da Dilma. Que consideremos gerará um grande problema. Com certeza não é a mesma experiência do Collor. Agora tem uma direita furiosa, fascista nas ruas pronta para agredir e os partidos de esquerda são muito mais fortes do que naquela época. Enfim um caldo quente de conflitos políticos e sociais no horizonte.

Qualquer governo do PMDB, mesmo com apoio do PSDB e outros interessados na crise, será um governo autoritário, cassando mandatos (podem perfeitamente usar as operações da justiça: Lava Jato, Castelo de Areia etc.) seletivamente para o projeto de governabilidade sem limite e sem fim. Perseguirá partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais. E claro vai proibir manifestações na rua.

Manifestações que como bem lembraram alguns: é um paradoxo. Os manifestantes pedem a ditadura e a volta dos militares cuja primeira medida é calar os próprios sejam maconheiros ou não. 

terça-feira, 17 de março de 2015

Etiópia - José do Vale Pinheiro Feitosa

A Etiópia tem mais de 90 milhões de habitantes, é formada por várias etnias (reais, com territórios próprios, línguas independentes, crenças e costumes numa fermentação transformadora entre a tradição e a enorme pressão da globalização) e o país é dividido em dois: um de terras altas e outro de terras baixas.

Nas terras altas, acima de 1.100 metros e chegando a mais de 4.000 metros, se encontra a alma da Etiópia com suas civilizações antigas e cristã ortodoxa. Nas terras baixa, é o deserto (de Ogaden) e as encostas férteis das terras altas, composta essencialmente por Harar e Dire Dawa. Aí nesta região semidesértica predomina o Islã e toda a civilização decorrente de sua expansão.

Então a Etiópia resulta da expansão semita em fusão com os africanos em sua antiguidade e nos arranjos coloniais envolvendo franceses, italianos e ingleses e principalmente de uma forte liderança, pertencente ao povo Amhara mais organizado em termos civilizatórios, que foi Menelik II. Este imperador pertencia a lendária dinastia salomônica que se originaria de Menelik I, filho da Rainha de Sabá e do Rei Salomão de Israel. Portanto é uma dinastia patrilinear, mas profundamente mítica.   

O Século XX, inaugurado com o restabelecimento da tentativa de unidade da Etiópia, foi dramático para sua história. Como dizia seu último Imperador, Haile Salassié, a Etiópia tinha a aventurança e a desgraça de estar cercada pela Europa (especialmente o colonialismo) e por isso sofreu todas as consequências das duas Guerras Mundiais. E depois desta a Guerra Fria que na prática foram as dores do parto da universalização do capitalismo e da globalização financeira.

Por isso todo o Governo Salassié foi instável. No núcleo central dele a grande crise social surgida do efeito comparação entre desenvolvimento capitalista e atraso tradicional. Ao mesmo tempo a grande dificuldade de unir as várias etnias num governo central ou seja sob égide de um Estado Nacional. E no contexto internacional a disputa Estados Unidos da América e União das Repúblicas Soviética e a luta pela libertação dos povos colonizados na África.

No início dos anos sessenta, durante o Governo Juscelino aqui no Brasil, o Imperador Salassié nos visitava e no curso de sua estadia entre nós ele sofreu um Golpe de Estado preparado pela sua própria nobreza com aliança de alguns generais. Juscelino ajudou o monarca a retomar o poder emprestando-lhe dinheiro e avião. Daí em diante vieram secas que expuseram a grande fragilidade do sistema social etíope centrado na concentração dos recursos nas mãos de uma nobreza perdulária e ávida de privilégios. Resultou numa arrasadora fome.

E a fome em queda do regime por um golpe militar comandado essencialmente pelos jovens oficiais. A maioria dos quais formados na França e Inglaterra. Além disso um forte movimento guerrilheiro dividido em vários grupos como tendências esquerdistas vinculados à União Soviética e à China, e outros financiado pelos EUA.
O regime imperial teve fim em 1975 e 1977 um conflito entre os militares redundou na morte de um general e na assunção ao poder pelos jovens oficiais que “decretaram” uma revolução socialista e a implantação do socialismo na Etiópia. Isso num país disputado por vários movimentos armados e com a Somália querendo tomar o Ogaden, incluindo Harar e Dire Dawa.
Quando um avião pousa no Aeroporto Internacional de Bole e seus passageiros tomam as avenidas de Adis Abeba, vão encontrar um bairro em rápida transformação, num ritmo acelerado típico da expansão das classes médias globalizadas, funcionárias de multinacionais, do Estado, no comércio, serviços e indústria. O povão nas cidades vive do comércio da indústria chinesa (como aliás em quase todo o mundo) e no campo numa agricultura familiar tradicional fazendo escambo nos mercados.

Um país capitalista preparado por uma revolução com o carimbo de socialismo. O papel do socialismo foi efetivamente abrir a fechada elite que se resumia à nobreza de sangue. E desse modo criar um Estado mais “moderno” à feição da Europa e EUA. A feição em termos. Fica cada vez um país dividido entre muito pobres e uns abastados falando inglês e consumindo em pequenos lanches de final de tarde o que um pobre não consome (em termos de moeda) num mês.  

segunda-feira, 16 de março de 2015

As últimas escaramuças de Malvino Dié

Malvino Dié não podia ser considerado um típico  modelo de militar reformado. Calmo, tranquilo, pouco dado a arroubos e explosões, quase nunca se postando como senhor único da verdade, ele demonstrava ter convivido mais em mesquitas do  que em casernas. O quartel também não o modelara como um direitista convicto destes que defendem a pena de morte, que acreditam que bandido bom só se encontra nos campos santos, que comunista  é praga que existe em tudo quanto é biboca. Dié fazia parte de uma raríssima espécie de milicos com pensamento francamente esquerdista, renegava os Anos de Chumbo e tinha o Capitão Lamarca como seu ídolo maior. Sabiam muitos que tinha sido heroi de guerra, ex-combatente enfrentara nazistas e fascistas com um denodo infernal. Ali foi carregando não um patriotismo barato e imediatista, sabia que estava ajudando não ao seu país, mas livrando a humanidade de suas ervas daninhas. Mesmo assim, Major Malvino não contava vantagem, nem falava nunca  do alto dos seus galões e da sua patente. Talvez, por isso mesmo, fosse muito querido e respeitado em toda Matozinho.
                                   Após a aposentadoria, Dié resolveu retornar à sua terra. Rodara quase todo o Brasil no exercício da profissão. Cansara de tanto arrumar mala e decidiu terminar o sonho no mesmo lugar onde um dia o começou.  Para ajudar o tempo passar e , para não enferrujar definitivamente a garrucha, passou a ensinar Educação Física no Ginásio Espiridião Carqueja e a fazer frequentes corridas solitárias como fundista. Mesmo já adentrando os oitenta, costumava vencer garotos imberbes e viris,  nas competições.  Tudo isso fazia de Malvino um personagem  mítico na vila e, antes de tudo, uma espécie de conselheiro oficial de Matozinho. Quase todos admiravam sua educação, sua fineza de trato, seu passado glorioso e, também, sua franqueza incisiva e carrascante. Apesar da tranquilidade , da calma, Dié não tinha meias palavras : elas saíam lentamente da sua boca, mas com força de bala dum-dum.
                                   Eram muitas e muitas as histórias em Matozinho onde o Major fora chamado a dar sua opinião e o fizera com sapiência, encerrando ali discussões que se prolongavam às vezes por dias e meses. Consta nos anais da vila que, diante da crescente violência dos dias modernos, discutia-se, na praça, sobre as causas maiores desta realidade. Alguns teimavam que as religiões eram o maior motor das guerras, outros imputavam a violência às difíceis condições econômicas de boa parte da população, outros à pouca efetividade da polícia e da justiça. Dié  ia chegando na praça da matriz quando alguém da conferência em que se discutia esse assunto resolveu passar a pergunta ao Major:
                                   --- Major, se má pregunto, quais são as coisas nesse mundo que, na sua opinião,  mais terminam em  crimes, arranca-rabos  e confusões ?
                                   Malvino sem pestanejou:
                                   --- Dinheiro, rola, cu e priquito !
                                   Alguns dias atrás, Cunegundes Chinxorro, um antigo delegado de Matozinho, resolveu pedir a opinião do nosso Ouvidor Geral, sobre um problema que estava vivendo. Enviuvara há uns dois anos, vivia sozinho, com os filhos todos em São Paulo. Arranjara, ultimamente, uma noiva bem mais nova , comentava-se , à sorrelfa, que a paixão da mocinha tinha  menos a ver com Motel e mais com  Pensão. O certo é que o velho delegado criara alma nova, andava escamurçando , vestindo roupa da moda, pintando o bigode e o cabelo e , segundo se comentava, virara um nobre : tinha sangue azul de tanto tomar umas pílulas de botica que ressuscitavam até defunto mal cheiroso. O certo é que pessoas mais próximas alertaram Cunegundes do possível golpe, mas  ele, que já rejuvenescera mais de trinta anos, desde que conhecera a moça, não quis acreditar naquelas potocas. Estavam é com inveja do capim novo que o velho pangaré conseguira. De qualquer maneira, pelo sim-pelo-não , teve a ideia de consultar o amigo  Malvino, antigo colega do Tiro de Guerra. Procurou-o em casa e o pôs a par da situação e pediu seu sincero parecer sobre o caso. Como  sempre, Dié foi bastante objetivo:
                                   --- Cunegundes, quantos anos o amigo tem ?
                                   --- Interei 84 , mês passado ! Nós somos contemporâneos, Malvino !
                                   --- E a noiva, meu amigo ? Quantas primaveras já viu ?
                                   --- Dezesseis ! É uma florzinha de jasmim, meu amigo ! uma lindeza !
                                   Dié, então, pensou um pouco, olhos fixos na parede e fechou o relatório:
                                   --- Não vai dá certo , não ! Você, Cunegundes, vai botar um motor de uma Ferrari Fórmula I, num  Ford Bigode 1921 ! Vai ser caco de peça pra tudo quanto é lado, meu amigo !
                                   Cunegundes, meio desolado, tentou argumentar de lá. Tinha oitenta e quatro, mas não estava de se jogar às traças. Ainda estava bem conservado, não se trocava por um menino de quinze anos . Fora criado com cuscuz e caldo de mocotó e não com galinha de granja, como esses frangotes de hoje em dia. E por aí vai. O Conselheiro, por fim, pôs ponto final à discussão com uma de suas parábolas usuais:
                                   ---  Você é que sabe, Cunegundes ! A testa é sua ! Mas ,depois,  não diga que não avisei ! Ela dezesseis e você oitenta e quatro, sabe o que é isso , meu amigo ? Orelha de boi ! Orelha de boi !
                                   Chinxorro, com cara de menino abestalhado tentando entender a Teoria da Relatividade, mostrou-se confuso :
                                   --- Orelha de Boi ? Qué que isso qué dizer Malvino ?
                                   --- Você tá muito mais perto do chifre do que da virilha dela , entendeu , seu Cunegundes ?

J. Flávio Vieira


Crato, 16/03/2015
1.123.160 – SUSPEITA EXATIDÃO – José Nilton Mariano Saraiva

Realçando o clima pacífico do evento, há que se focar em constatações emblemáticas e representativas da essência das manifestações contra a corrupção, ocorridas ontem no país, dentre as quais poderíamos elencar:

01) a prova ou certeza de que a nossa democracia realmente já detém fundamentos sólidos e consistentes capazes de suportar pacificamente e sem maiores atropelos o contraditório ou o embate entre divergentes políticos;

02) a ignorância (pra não falar em má fé) de alguns que desfraldaram a bandeira do “impeachment” da presidenta Dilma Rousseff, insuflados pela “tucanalhada”, quando até uma criança de jardim de infância sabe que para se chegar a tão extremada atitude há que se ter os instrumentos jurídicos necessários, conforme reza a Constituição Federal; e todos sabemos que contra a presidenta Dilma Roussef nada consta (ao contrário do “playboy do Leblon” – Aécio Neves – que se auto-incriminou ao se considerar “homenageado” pelo Procurador da República com a retirada do seu nome dentre os a serem investigados);

03) a irresponsabilidade de alguns “filhotes de papai”, analfabetos e despreparados, que sem saber as conseqüências (porque não a vivenciaram) de uma intervenção militar - naquela de ouvir o galo cantar sem saber aonde - desfilavam com faixas pedindo a volta dos milicos, sem levar em conta a flagrante inconstitucionalidade da sua adoção;

04) a desonestidade da Rede Globo em superdimensionar e anunciar com visível satisfação dos seus repórteres o quantitativo de manifestantes presentes no ato paulista: num primeiro momento, seriam mais de um milhão de pessoas; posteriormente, no site da Revista Época (de propriedade da Globo) a coisa chegou às raias da desfaçatez, ao precisar que exatos 1.123.160 manifestantes se encontravam na Avenida Paulista (ou seja, para se chegar a tal precisão, teoricamente os manifestantes foram contados um a um, cabeça a cabeça); só que, com a “apuração científica” do DataFolha (metros X pessoas), a  mentira ficou às claras: foram cerca de 210 mil; e finalmente, 

05) a surpresa com o ocorrido em Brasília – a sede do Poder Central -  quando os participantes de forma consciente e espontânea decidiram protestar exatamente em frente ao Congresso Nacional, “habitat” dos políticos corruptos e mafiosos (e não em frente ao Palácio do Planalto ou Palácio do Alvorada, onde a Presidenta da República despacha e mora). Traduzindo: é no meio político que os brasilienses farejam e enxergam o suprassumo da velhacaria e da desonestidade institucionalizada.

A propósito dentre os diversos senadores e deputados a serem investigados, os presidentes das duas casas legislativas – Senado e Câmara Federal – encabeçam a lista, numa prova inconteste de que o principal antro de safadezas, corrupção e falcatruas ali se encontra; particularmente, entendemos que não são apenas 300 ou 400 picaretas; do total de 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) com muito, mas muito esforço poderíamos livrar a cara de 10% e olhe lá (ou alguém desconhece por exemplo que nas tais “emendas parlamentares” liberadas para as bases, cada um deles embolsa  pelo menos 20% de cada uma; ou que praticamente em todas as eleições das quais participaram todos receberam dinheiro das empresas hoje envolvidas na operação Lava Jato).

Chega de hipocrisia. Há que se achar uma reforma política que obste toda essa cafajestice.

domingo, 15 de março de 2015

As bandeiras na Avenida Paulista - José do Vale Pinheiro Feitosa

Quando setores da classe média brasileira, especialmente de São Paulo, protestam como se carregassem todo o coração do povo eu fico a imaginar. Quem não viu, nos acontecendo do 2015 pouca gente é testemunha, mas no dia 23 de agosto de 1954 a fuzarca envolvendo a classe média brasileira, especialmente a “lacerdista” (como categoria política explicativa), a mídia nacional, os militares e setores do empresariado, a queda de Getúlio era uma unanimidade nacional.

No dia seguinte, uma multidão jamais vista nas ruas do Rio, furiosa, depredando jornais, querendo matar generais, era a revelação de que unanimidades podem ser forjadas. Getúlio havia dado um tiro no coração e o povo que se acuara diante da avalanche discursivo-mediática, explodiu em ódio aos algozes do presidente. Este povo aí que foi à Paulista hoje à tarde, não fala pelos corações dos brasileiros.

Mas é preciso reconhecer que há um processo discursivo-mediático operando e que continuará o exercício. E isso significa contra especificamente um partido, genericamente contra a esquerda e fundamentalmente com ódio de classe. Mesmo que o caldo da crise econômica, que as ações do imperialismo americano tenham interesses inconfessáveis no financiamento de tão bem articulada campanha, especialmente nas redes sociais e no WhatsSpp, a verdade é que há um “plus” operativo com núcleos bem identificados: empresários, setores financeiros, a rede Globo, as organizações Abril e, como sempre, as empresas de mídia com sede em São Paulo.  

Por isso é preciso que reconheçamos: a partir de hoje a política no Brasil será uma luta contínua visando um desfecho logicamente político. Todo mundo fará seus cálculos. O que acontecerá neste desfecho segundo os objetivos do programa político de cada partido e de setores da sociedade (incluindo empresários, sociedade civil etc.). Isso levará a todos a pensar no futuro dentro de uma lógica muito mais acelerada.

Outro fator a se revelar, especialmente em algumas manifestações de rua e nas redes sociais, é o surgimento de um sectarismo que rompe diálogos e favorece o porrete tanto no linguajar como de fato pelas mãos. Mas, mesmo este sectarismo costuma ser autodestrutivo e quando muito servir a propósitos mais bem organizados que depois os transformam em “milícias” a serviço de um projeto político de poder. Ensaios foram feitos na Paulista hoje quando uma faixa carregou o símbolo do nazismo.

De qualquer modo esta é a previsão do imediato. O que acontecerá daqui ao fim do ano e nos próximos anos é um exercício mais complexo que descamba para a adivinhação. Como a bandeira é o fora PT e o impeachment da Dilma, pode ser que surjam outras bandeiras nas ruas mais vantajosas para o país e que deem vazão ao futuro no qual a unidade da América Latina e um projeto popular de melhoria do povo brasileiro possa democraticamente seguir adiante.


Neste sentido é bom que tenham clareza nesta questão: todo avanço coletivo, portanto político, seja entre nações e relativo a uma nação é sempre um projeto de tensões. Depende apenas que o povo o compreenda.   

quinta-feira, 5 de março de 2015

Duas covas

J. Flávio Vieira

“A justiça é a vingança do homem em sociedade,
 como a vingança é a justiça do homem
 em estado selvagem.”
Epicuro                   
                                               Nestes dias que antecederam o Carnaval, um fato algo inusitado preencheu os nossos noticiários locais. Um dentista e estudante de Medicina aqui em Juazeiro, após ser assaltado próximo a um bar na Lagoa Seca, por dois motoqueiros, acelerou sua Hylux e, pouco mais à frente, atropelou e matou os dois pretensos assaltantes. Feito o que, calmamente, esperou a chegada da polícia e explicou, sem nenhum constrangimento aparente, o ato heroico que terminara de executar. Foi preso, imediatamente, em fragrante delito, por duplo homicídio confessadamente doloso.
                                  
Até aí, a história parece não ter muitas circunvoluções. Qualquer um de nós, posto em situação similar, seria capaz, por impulso,  de providenciar uma ação parecida. Há, em todos , aquele instinto de defesa, quase reflexo, e é sempre impossível a gente saber como se comportaria se colocado em iguais condições de temperatura e pressão. O mais impressionante e sintomático foi a imediata reação da população nas Redes Sociais, apoiando abertamente a coragem do estudante e o alçando à categoria de herói. “É dessa maneira que se deve proceder com bandido!”, gritavam alguns. “Bandido bom é bandido morto”, teclavam outros. “Agora só falta mesmo vir aquela turminha dos direitos humanos que só defende salafrários”, sussurravam muitos. Organizou-se até uma passeata em defesa do dentista detido e o certo é que, mesmo diante do fragrante, ele terminou solto, poucos dias depois,  e vai responder em liberdade.
                                   O caso, não de todo estranho e talvez até perfeitamente esperado nos seus desdobramentos, nos impulsiona para algumas reflexões de final de semana. Depreendemos dele, claramente, uma total    desconfiança do populacho para com a Justiça do seu país. As penas parecem sempre brandas e com progressão vergonhosa; a morosidade nos julgamentos e penalidades é de fazer sorrirem as tartarugas; cadeia é sempre dependência de pobres , negros e mulatos; a boa condição econômica torna malfeitores totalmente blindados para o Código Penal. Basta ver a tranquilidade do estudante depois do atropelamento e morte dos dois assaltantes. Ficou ali impassível, certo que havia cometido um ato épico , esperando os encômios de todos, que, aliás,  não tardaram de pulular na imprensa e Redes Sociais. Contou à polícia tudo , informando que depois do assalto perseguira os criminosos e os atropelara intencionalmente. Acreditou, piamente, que a justiça, por fim, havia sido feita; o que não teria acontecido se esperasse os policiais, os investigadores e o juiz. Quando lhe deram ordem de prisão, com certeza ficou confuso, não entendendo aquela inversão de valores absurda.
                                   Não sou advogado , mas percebo a enrascada jurídica em que nosso estudante se meteu ao confessar um duplo homicídio doloso  com confessa  intenção de matar. Além de tudo, como revanche de um assalto anterior cometido pelas vítimas que ele relata, mas de que não há aparentemente testemunhas e nem foi registrado Boletim de Ocorrência. Por conta de algum dinheiro e objetos afanados, vai ser achacado por ações penais sérias e de danos morais, de defesa complicada- quem viver, verá !
                                   Entendo o desencanto da população com os sempre morosos caminhos da justiça. Mas, em pleno Século XXI, é impossível  defender que as pessoas saiam no meio da rua fazendo justiça com as próprias mãos. A luta da Sociedade, se desolada com a ineficiência do judiciário, deve ser no sentido de aperfeiçoá-lo e não retornar às Cavernas, deixando que os Códigos Civil e Penal sejam escritos e reescritos dia a dia por cada um que se queira arvorar de juiz.
                                   Por outro lado, imaginem o risco que, estatisticamente, o estudante correu, ao reagir ao assalto. A probabilidade de êxito, tem se mostrado, a todo momento, é mínima. Depois, em se tornando esta prática uma regra dos cidadãos a partir daqui, como estimulam os internautas nos seus comentários, a reação previsível dos bandidos, nas próximas “paradas”, será de roubar e matar logo, para não sofrerem perseguições. Vacilão bom, vai ser vacilão morto. As pessoas que defendem os Direitos Humanos querem , tão-somente, que todos sejam julgados à luz da lei e que era seja igualitária para todos independentemente de cor, sexo, influência política, poderio econômico.   
                                   Podemos todos achar que a Justiça além de cega, está com os pratos da balança tortos e o fio da espada também cego, como dizia Millôr.  Temos, ao menos, por onde começar. Nossa função é providenciar-lhe a cirurgia de catarata , mandar aferir-lhe a balança e amolar o fio da espada. Quem toma para si a missão única de combater monstros deve cuidar para não se tornar um deles . Alerta a sabedoria chinesa   que quem embarcar para a vingança deve cavar duas covas.

Crato, 05/03/15