quinta-feira, 16 de julho de 2015

O Voo Oblíquo de Marilu

J. Flávio Vieira

                                               O retorno de Marilu , algo inesperado, causou um reboliço danado no Sítio Bréa. Tinha sido uma das primeiras moças a sair dali,  para trabalhar na cidade grande. Ainda adolescente, meio rebelde, andou brigando com a família, por conta de uns namoros fora dos padrões breenses  e, aumentando o conflito, preferiu , de comum acordo com os pais, partir para um voo solo em Matozinho. Marilu tinha lá seus dezoito aninhos e carregava consigo aqueles arroubos típicos da idade. Bonitinha, atirada, arranjou um emprego de doméstica na casa do Coronel Anfrízio Arnaud. Trabalharia durante o dia e , à noite, estudaria no Colégio Municipal Pedro Cangati.  Mais de três anos já se tinham escorrido,  quando a notícia da volta da filha pródiga espalhou-se pela Bréa. As colegas de Marilu se alvoroçaram. Tinham-na como um ídolo e aquele regresso imprevisto trazia junto uma fatia de desilusão. Mundo aberto à frente, todas as amigas carregavam consigo a possibilidade de um dia plainarem  igual a Marilu. O aparente fracasso dela, assim, esparramava uma certa frustração na alma de todas. O que teria acontecido ? Seria o mundo lá fora tão inóspito ?
                                   Na primeira oportunidade, procuraram Marilu. Queriam matar a curiosidade e, também, saber as novidades da cidade grande que só recebiam pelo Rádio. Muitas sonhavam em varar o mundo, seus sonhos dourados de adolescente não cabiam nas fronteiras opressivas daqueles cafundós.  O aparente fracasso da desbravadora , de alguma maneira, as angustiava . O que tinha dado errado na travessia de Marilu ?  Conversa vai, conversa vem, após quebrar-se o gelo que a ausência terminou por acumular, a entrevista transformou-se num papo de comadres, como nos velhos tempos.
                                   A desbravadora contou detalhadamente a vida em Matozinho. Havia um visível deslumbramento em cada detalhe que ia explanando. Guardadas as devidas proporções, para quem o universo se resumia à Bréa,  Matozinho investia-se de ares de metrópole. Marilu contou que trabalhava duro durante o dia, ia à Escola à noite e voltava ali por volta das dez horas. Nos fins de semana ia à missa e frequentava a praça da matriz. Algumas vezes foi a alguns sambas numa palhoça que foi inaugurada perto do açude do Sabugo. Fez amizades com algumas colegas de classe, já desarnadas e metidas na vida boêmia. Através delas,  tomou conhecimento de uma Buate de nome Arupemba , recém inaugurada. Lá se tocava uma musicazinha mais antiga, à media luz. A clientela masculina era basicamente de goiabões que dançavam animadamente com as meninas e pagavam tudo. Marilu, então, começou a fugir de casa, depois que os patrões pegavam no sono e voltava de manhãzinha, antes que Anfrízio metesse dos pés e pedisse o café. Tudo ia bem, até que um belo dia o patrão teve uma crise de asma à noite, procuraram , de urgência, a funcionária pra fazer um chá de camomila e cadê? Lugar mais limpo ! Descoberta a mutreta, Marilu teria sido peremptoriamente demitida.
                                   Transcrevemos aqui um pequeno fragmento da entrevista daquele dia fatídico que marcou o retorno de Marilu após a expulsão do Paraíso.
                                   --- Marilu, Matozinho é muito grande ?
                                   --- Marr menino !  Aquilo é um despautério, dá uma trinta Bréa encangada uma na outra...
                                   ---  Por que diabo é que te expulsaram da Casa do Coronel ?
                                   --- Eu tava fugindo de noite pra ir  me divertir na Boite Arupemba!
                                   --- Buate ? Que diabo é Buate , Marilu ?
                                   --- É assim como um Cabaré, mas  metido a besta. A gente dança com um monte de velho estribado. Eles pagam tudo ! Mas é lugar de respeito, nada de escandelo por lá !
                                   ---  E depois ? Nada de putaria ?
                                   --- Depois a gente ia com os velho prum tal de Moté.
                                   --- Moté ? Que bicho é esse, Marilu ?
                                   --- É assim um albiente que tem umas cama redonda, uma luz vermelha...  
                                   --- E o que vocês iam fazer lá com os velho ?
                                   --- Chegando lá, eles tiravam a roupa e nós também. E ficava ali naquele esfrega , esfrega... Depois eles até davam um dinheirinho pra gente ...
                                   ---- Esfrega, esfrega ? Nada  de vuco-vuco ?
                                   --- Não, os velhos eram muito respeitadores. Eles só pediam pra gente fazer capitão no pênis deles ...
                                   --- Pênis, Marilu ? Pênis ? Que bicho dos seiscentos é esse  ?

                                   --- Acho que pênis é o apelido do cacete de velho. É  igualzinho a uma rola, só que é mole, mole...

Nenhum comentário:

Postar um comentário