quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Réveillon - José do Vale Pinheiro Feitosa

Hoje à noite comemora-se! Um intervalo de tempo. Que por vezes adquire uma personalidade substantiva: o ano. Que assim se põe a receber qualificativos: ruim, bom, tomara que passe, o que virá, como será o outro ano?

O Réveillon dos franceses nos é um toque de impressão da dominância cultural. Na época em que a França nos influenciava. E a palavra Réveillon é uma composição de “retour a la veille”. Ou seja, o retorno à véspera. Acordar para o novo tempo.

Neste retorno os governos do Brasil e dos Estados assumirão um mandato eleitoral. Não é uma ruptura com o passado. É uma passagem, projetada, do que aconteceu nestes últimos momentos do dia 31 de janeiro.

Mas, então, esta unidade organizativa, que é o ano calendário, serve de marcação para que as remadas no barco da vida sigam um determinado ritmo. Uma determinada velocidade. Um curso definido.

Mas é apenas organização. A vida é um contínuo de tempo se é a ele que temos atenção. Um espaço de vida onde se faz nele o que chamamos tempo. De modo que a contagem é mera ilusão, enquanto o que fazemos, os sentidos e significados que imprimimos, as decisões e posturas que tomamos é quem de fato se encontra no espaço do tempo do sol.

E nesta ação, que envolve a consciência de cada um, temos o bate pronto ou aquilo que é muito refletido, a longa decisão, pois afinal é este intervalo entre o perceber e o agir e ele é relativo. De qualquer modo este intervalo (se demorado ou não) e o conteúdo da ação é quem entrará no contador da consciência de cada um.

Duas coisas são certas. A primeira: eu quero ser mortal. Num mundo em que tudo que amo o é, porque quereria me prolongar além delas. A mortalidade delas impregna-me de um suave caminho de igualmente seguir. Não por vontade própria. Mas por ser o curso necessário de igualar-me a elas. E o mais importante, mesmo mantendo a crítica ao diferente, sempre a gravidade da igualdade me aprisionou.

A segunda: entre os próximos se encontra o desejo de igualdade, de solidariedade, de dançar a mesma valsa da história. Não tem sentido qualquer a pregação do socialismo, do campo da liberdade, do amor ao próximo, se aqueles com quem dormimos e acordamos, parecem o tédio da existência.

Na pia onde as nossas escovas se cruzam, o acordar é o desejo de viver. A seguir na sala, na cozinha e de porta a fora onde houver gente e sentido da igualdade e da liberdade.

Assim neste contínuo entre 2014 e 2015 o desejo maior que posso anunciar é se tenha igualdade e liberdade. Não como moeda de valor, mas como essência desses segundos onde a capilaridade do nosso ser acontece.   

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A fala de DILMA (transcrição)

”O saudável empenho de justiça deve também nos permitir reconhecer que a PETROBRAS é a empresa mais estratégica para o Brasil e que mais contrata e investe no país. Temos que saber apurar e saber punir, sem enfraquecer a PETROBRAS, sem diminuir sua importância para o presente e para o futuro. Temos que continuar apostando na melhoria da governança da PETROBRAS, no modelo de partilha para o pré-sal e na vitoriosa política de conteúdo local. TEMOS QUE PUNIR AS PESSOAS, NÃO DESTRUIR AS EMPRESAS. Temos que saber punir o crime, não prejudicar o país ou sua economia. Temos que continuar acreditando na mais brasileira das nossas empresas, porque ela só poderá continuar servindo bem ao país se for cada vez mais brasileira. A PETROBRAS e o BRASIL são maiores do qualquer problema, do que quaisquer crises e, por isso, temos a capacidade de superá-las. E delas e deles, sair melhores e mais fortes”.  (Dilma Rousseff)

domingo, 28 de dezembro de 2014

O Amor que nega interpretações - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os brasileiros tomaram conhecimento detalhado do assunto através do jornalista Fernando Morais que escreveu o livro “Os últimos soldados da Guerra Fria.” Foram onze agentes cubanos infiltrados nos EUA para, em Miami, vigiar os movimentos dos grupos anticastristas.

Em 1998, o FBI prendeu dez deles e um fugiu.

Dos dez restaram presos cinco, conhecidos como Lo Cinco. Eram Antonio Guerrero Rodríguez, nascido em Miami em 1958, engenheiro aeronáutico, poeta com 22 anos de prisão; Fernando González Llort, nascido em Havana 1963, graduado em relações internacionais com 18 anos de prisão; Ramón Labañino Salazar, nascido em Havana em 1963, economista sentenciado a 30 anos; René González Sehwerert, nascido em Chicago em 1956, piloto e instrutor de voo, sentenciado a 15 anos e o quinto é Gerardo Hernández Nordelo, nascido em Havana em 1965, graduado em relações internacionais, caricaturista e sentenciado a duas vezes a prisão perpetua e mais quinze anos.

É a Gerardo Hernández que o caso pertence. Originário de família cubana humilde, nasceu seis anos após o triunfo da revolução. Entre outras experiências em vida, participou, em 1989, de 54 missões de guerra durante a ajuda militar cubana a Angola.

Mas o caso começa agora. Em 1988, vindo de uma história da adolescência, Gerardo casa-se com Adriana Pérez O´Connor. Vai para a guerra. Retorna a Cuba como herói e logo a seguir é enviado em missão secreta a Miami onde trabalha em artes gráficas numa revista. Adriana ficou morando em Havana.

Em 1998 os cubanos são presos, entre eles, Gerardo e este recebe a pior sentença e fica incomunicável. Adriana Pérez se torna uma potência a denunciar a situação do marido e reivindicar sua libertação. Manifesta-se na televisão pelo mundo, vai falar com autoridades diplomáticas de muitas nações. Chega aos EUA, visita até mesmo a Casa Branca para tentar ver o marido.

Impossível até de um encontro através de portas de vidro. Adriana jamais conseguiu ver o marido. Dois dos cinco terminam suas sentenças, são soltos e retornam a Cuba. Não havia qualquer esperança para Gerardo que não fosse a solidão e perpétua cadeia. Mas Adriana é um personagem da liberdade.

Aí chegam estes últimos meses de 2014 (16 anos passados), Gerardo que fora preso com 33 anos, já tem 49 anos e Adriana que tinha 28 anos, tem 44 anos. Numa surpreende manobra, o Presidente Obama dos EUA abre negociação com Raul Castro e todos são libertados. De um lado e outro. Do outro lado, Gerardo Hernández Nordelo volta a pisar o solo de Havana.

E a sentir o calor do corpo abraçado de Adriana, seus beijos latinos, sua história de solidariedade e no limite das possibilidades. Cuba faz uma festa para o retorno dos prisioneiros. O grande Silvio Rodriguez canta com eles em praça pública. Adriana e Gerardo, o caso de amor, estão juntos na cena pública.

Uma pausa narrativa. O amor que é este senso de ter o outro no presente e no futuro é a constituição da reprodução dos tempos neste processo sorvedouro de aconteceres. Por isso o amor é a prova acabada da solidariedade histórica. Na fragilidade, a viga que sustenta, é a história dos dois.

Agora retornando. Eis que surge nas imagens de programas de televisão um casal amoroso, com o marido passando a mão sobre a barriga grávida de Adriana. Uma gravidez de mais de seis meses. E eles a espera do fruto deste amor.

Pronto. A trilha de interpretações e perplexidade se espalha. Quem é o verdadeiro pai do filho de Adriana? Gerardo, este afastado do corpo de Adriana até bem próximo do mês de dezembro, não poderia ser. Um caso de amor aceito como a decisão no limite da idade de Adriana? Aos 44 anos a reprodução lhe era cada vez mais impossível. Então Gerardo tinha um acordo tácito de dar sentido ao útero fértil da mulher?

Nada disto.

Tudo pertencia às negociações secretas entre Cuba e os EUA. Um senador americano, Patrick Leahy (do Comitê de Defesa) teria sido parte de uma ação de inseminação artificial com o sêmen de Gerardo. A implantação do embrião foi feita no Panamá às expensas do governo cubano.


Agora o filho de Adriana restabelece o elo na história.  

ESCOLHA A HISTÓRIA AO INVÉS DA FARSA - José do Vale Pinheiro Feitosa

Nilton Mariano tem levantando aqui no blog um ponto de vista político que é histórico. Tem substância conceitual e é válido para as análises do presente.

Não faz parte deste antepositivo grego “néo” que inunda um pensamento, igualmente histórico, mas com enormes perdas conceituais. A exemplo dos neoliberais e neoconservadores.

O liberalismo, por exemplo, mostrou-se, historicamente, um desastre social e humano e esteve na raiz de duas guerras mundiais. Além, é claro, de criar o império Americano que espertamente se aproveitou das destruições na Europa e na Ásia para criar suas bases.

Ou alguém imagina que enquanto a Inglaterra, a Alemanha, a Itália, a França e a União Soviética (Rússia), China e Japão, eram destruídos, os EUA não estivessem lançando mão de reservas estratégicas, mercados e domínio geopolítico?

Esta é a tragédia do liberalismo, que retornou com o antepositivo do novo, para ter como principal resultado (até agora) a maior concentração de renda jamais vista na história da humanidade. E concentração de renda neste nível é um desastre anunciado.

Concentração de capital nas mãos de poucos e organizado numa rede articulada, que se pretende lógica, de lógica não tem nada. Primeiro porque concentração é feita de capital já realizado. Este estoque não cria nada de novo apenas se marca posição de futuras gerações (os herdeiros estroinas) na fila do futuro. Segundo apaga as decisões democráticas e realça a arrogância destrutiva oligarca.

O componente conservador acrescido do antepositivo néo é um verdadeiro nonsense de ideias. Junta fragmentos de valores que não podem se sustentar porque o mundo todo se transforma e pouco se conserva. Se abraçam a uma religiosidade ou espiritualidade ritualística, formada por frases rígidas e geladas, e muito pouco de transcendência filosófica. A grande vantagem do cristianismo, até mesmo sobre a narrativa bíblica do velho testamento, foi o humanismo filosófico de sua bem aventurança.

A tradição histórica com a qual Nilton Mariano raciocina é válida porque consoante a realidade. A realidade da maioria e não das minorias. Faz parte de um projeto de Nação, quando os impérios e as nacionalidades estão atuantes como nunca. Não caiu no conto da sereia da inevitável sujeição globalizada e luta pela liberdade possível.


Nós que gostamos de ler. De comentar. Analisar. Temos muito a ganhar com as bases bem conceituadas da história.     

sábado, 27 de dezembro de 2014

"A PETROBRAS É NOSSA" - José Nilton Mariano Saraiva

Após 60 anos da sua criação (Lei 3004, de 03.10.1953, sancionada pelo então Presidente da República, Getúlio Vargas), a PETROBRAS continua alvo da cobiça dos insaciáveis e grandes conglomerados internacionais que atuam no setor. Com uma diferença ímpar: agora, a PETROBRAS não só é uma empresa de ponta, de indiscutível qualidade técnica, como detém o “know how” de exploração do petróleo em águas ultra-profundas, que lhe possibilita o que antes parecia inimaginável – atingir as portentosas reservas de óleo e gás aprisionadas à camada do pré-sal, a nada menos que assombrosos sete mil metros de profundidade, em alto mar (e os céticos, descrentes e pessimistas já devem ter tomado conhecimento de que a extração já começou – atualmente são 600 mil barris/dia, só no pré-sal - e que se vem confirmando aquilo que os técnicos já tinham anunciado: o produto é de primeira qualidade e as jazidas “IMEDÍVEIS”... mas não “IMEXÍVEIS”). 

E como o pré-sal num primeiro momento é o nosso indiscutível “passaporte-garantidor” de um promissor futuro, em termos de suporte à educação e à saúde, porquanto as significativas verbas dali advindas já estão comprometidas por lei para tais áreas, teoricamente todos os brasileiros deveriam valorizar e se orgulhar da PETROBRAS.

E, no entanto, já há tempos um pequeno grupo de “entreguistas” com interesses contrariados (e essa “cambada” tá em todo canto) trata de querer transferir por cima de pau-e-pedra e de mão beijada todo esse manancial para os “gringos”; primeiro, lá atrás, quando durante o comprovado corrupto governo tucano de FHC pensou-se até em mudar o próprio nome da empresa para PETROBRAX, conquanto tal sufixo soaria melhor a ouvidos nobres (temos aqui o famoso “complexo de vira-lata”) num futuro processo de privatização; agora, aproveitando-se do fato de que alguns desonestos políticos (e os temos aos borbotões) lá imiscuíram agentes mafiosos (e em postos-chaves) objetivando desviar vultosas quantias para fins particulares, isso a partir da retirada de um determinado percentual  quando da assinatura de contratos milionários com grandes corporações que prestavam serviço à instituição (no entanto, para desespero da “tucanalhada”, um dos principais delatores do esquema – o bandido Paulo Roberto Costa - tratou de confirmar o óbvio ululante: os presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff de nada sabiam e de nada compactuaram).

Aliás, ironicamente foi graças à sanção de uma lei pela presidente Dilma Rousseff, dando autonomia de atuação à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal, que pela primeira vez por essas bandas temos tido a imensa e grata satisfação de assistir grandes empresários (corruptores) sendo detidos, trancafiados e no aguardo dos julgamentos respectivos.

No momento, a expectativa volta-se não só para a divulgação por parte do Supremo Tribunal Federal dos nomes dos agentes (corruptos) que se beneficiaram do esquema (dezenas de políticos de destaque, com assento no Congresso Nacional) como, principalmente, pelas penalidades que lhes serão impostas, e que todos esperamos sejam prá lá de rigorosas, independentemente das agremiações políticas às quais se achem vinculados, obrigando-os a devolver o que foi surrupiado e mantendo-os em “cana” por um tempo, um bom tempo.  

Assim, como o governo depois de tomar conhecimentos dos malfeitos já iniciou uma ampla assepsia e faxina rigorosa na PETROBRAS, extirpando as células cancerosas que a ameaçavam de metástase, resta a certeza que à educação e à saúde estão garantidos os recursos necessários a catapultar de vez o Brasil rumo ao desenvolvimento (a propósito, não custa lembrar que até no “sagrado (?) recinto do  Vaticano”, localizado no coração da desenvolvida Europa, o matuto hermano Papa Francisco não só confirmou a existência de uma “quadrilha de corruptos” que há tempos solapava seus abarrotados cofres, como também não titubeou em afastar os “ladrões de batina” para bem longe; mas, por qual razão não prende-los ???).

E, sem que haja aqui nenhuma intenção de se fazer qualquer proselitismo e/ou apologia à corrupção ou malfeitos em organizações governamentais (longe disso), mas tão somente mostrar a endemicidade que representa tal chaga, não custa lembrar que recentemente o governo da poderosa China, ante a impossibilidade de acabar com os corruptos dentro do governo, houve por bem estabelecer um “limite-aceitável” (?) de 10% (dez por cento) de corrupção na máquina estatal. Difícil de acreditar, não ???

Mas, retornando ao fio da meada, independentemente da situação criada por aqui, de uma coisa tenhamos certeza: se nos seus primórdios o lema usado para forçar (literalmente) a criação da PETROBRÁS foi o de que “O PETRÓLEO É NOSSO”, agora, que maus brasileiros e muitos especuladores estrangeiros tentam desvalorizá-la para dela se apossar a preço de banana, o recado do Governo é curto e grosso: “A PETROBRÁS É NOSSA”.

Xô, gringalhada !!!
 
Post Scriptum,

Durante muito tempo (até recentemente), o “ex-quase-futuro” ministro da fazenda do “playboy do Leblon” (Aécio Neves), senhor Armínio Fraga, funcionou como um dos principais assessores do mega-investidor húngaro-americano George Soros - aquele que não dá murro em ponta de faca – que vive de especular no mercado financeiro. Pois não é que de repente o referido senhor se danou a adquirir milhões de ações da PETROBRAS. Por qual razão fazê-lo, se a empresa não tem futuro ???. Dá pra imaginar quem o aconselhou, a respeito ??? Ou o que aconteceria à PETROBRAS se o “ex-quase-futuro” chegasse a ministro da fazenda ???

Elementar, meu caro Watson.   

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014



Gostaria de desenhar um árvore de natal com velinhas acesas. Desejar ao mundo de paz. Uma eterna paz que nos garanta a vida sobre a terra. A vida que é esta forma mais dinâmica da matéria. 

Gostaria de abraçar todas as coisas com as quais não concordo. Mas não posso. Elas são conformadas com arrogâncias, soberba e exclusão. Uma aderência a privilégios vis que não têm a menor importância quando um de nós abraça ao outro.

Gostaria de ter um natal diferente de guerras. Das promessas de um império que se desintegra e pela qual nada podemos. Que se desintegra com um navio afundando, arrastando tudo que flutua em sua volta.

Gostaria de muito mais do que tenho e posso. Pois sermos história, termos o que contar, o que traduzir, é como a edição destas imagens que acompanham esta música de John Lennon.

Gostaria que nenhum ser que admirei, admiro e admirarei se imagine um Ícaro com as penas desmanchando. Pois sei dos seus vôos exuberantes no planisfério das nossas contradições. E sei que sol nenhum descolou os móveis de sua evolução.

Gostaria que a minha terra se transforme numa marca inconfundível da história do seu povo. Pois entre erros e acertos, apegos e desapegos, é a experiência pela qual o que acontece é o que tem por acontecer. Mas tudo que é afinal a conclusão, pode ser previsto. E por previsto ser revisto. 

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A SÍNTESE DOS FESTIVAIS E A MORTE DE JOE COCKER - José do Vale Pinheiro Feitosa

A música sempre entremeou-se na malha cultural do mundo ocidental a partir da produção industrial em massa. É que se tornou um produto de massa de uma produção voltada para atender o universo social.

Após a segunda guerra mundial o cinema, o rádio e depois a televisão deram abrangência continental à música produzida em estúdio e depois multiplicada em cópias individuais. Os aparelhos eletrônicos produzidos em massa e vendidos às residências deram realidade ao efeito multiplicador.

Mas houve um momento em que esta infiltração generalizada deu um salto e passou a representar, de modo quase nucleado, toda uma época histórica, especialmente a dinâmica cultural e política. Isso aconteceu com os festivais entre os anos 60 e 70.

No início dos anos 80, os festivais ou assemelhados, já começavam a se diluir novamente no tecido cultural e se transformaram em show business. O exemplo mais clássico é o que vem acontecendo com Rock in Rio. Enfim os festivais deixaram de nuclear um tempo, um momento da história.

No Brasil os festivais tiveram papel igual ao que aconteceu em todo mundo. Os festivais da Record e depois da Globo colimaram a mudança comportamental da sociedade e politizaram a questão social e econômica do país. Especialmente foram políticos na insurgência contra o regime militar. Mas também trouxeram vários ensaios culturais que chocaram plateias e segmentos da sociedade.

O festival mais badalado dos EUA, aquele que mais representou este sentido nuclear de uma época foi o de Woodstock. Um grito contra a velha sociedade do pós guerra. De mulheres do lar, do papai trazendo o pão no final do dia, descendo do seu Cadilac, entrando na casa de subúrbio, beijando mamãe e todos felizes assistindo à televisão aos goles de Coca-Cola.

Woodstock foi um grito contra a guerra do Vietnã e os políticos conservadores de então, especialmente o governador da Califórnia um conhecido do futuro: Ronald Reagan. Foi um momento de junção de criatividade pura. In extremis. A criatividade no limite do corpo e de sua perenidade.  

Woodstock foi além dos ensaios musicais que até então haviam galvanizado os jovens. Foi além do “make love not war”. Muito depois da paz e da flor. Foi um ensaio de inserção musical pura. Onde as palavras e as notas musicais se fundiam numa sonorização experimental que elevava os músicos e A assistência a um estado isolado e desprovido de tudo mais que há no mundo.

Por isso as drogas e o álcool foram veículos tão possantes naqueles experimentos sobre o palco num terreno rural no interior americano, onde todos acampavam e viviam numa coletividade sem partes. As três figuras que mais sentido deram a este componente de Woodstock foram Janis Joplin, Jimi Hendrix e Joe Cocker. Os dois primeiros foram tragados pela overdose.

Joe Cocker teve uma janela de sobrevivência. Apenas ontem morreu. De câncer do pulmão, muito provavelmente decorrente de algum dos hábitos que teve. Joe Cocker em Woodstock fez com With a little help of my friends dos Beatles o que Karl Marx fez com a filosofia de Hegel, a girou de ponta cabeça.


Aí é que vem o sentido colimador de uma época. Que arrasta para o núcleo tudo que já existe e neste denso senso o funde e o expele como a terra faz com suas rochas ao engolir a crosta e a devolve-la em formato metamórfico. Joe Cocker marcou um momento que, por certo, muitos iguais a história ainda terá.  

With a little help of my friends - Joe Cocker no festival de Woodstock - canção dos Beatles. 

You can leave your hat On - Joe Cocker - trilha do filme 9 e 1/2 semanas de amor.

Up where we belong - Joe Cocker

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

A seguir algumas músicas de natal feitas por compositores brasileiros. Menos uma que é uma versão de uma música americana aqui cantada por Celly Campelo. Aliás vamos começar por ela. 

I saw mommy kissing Santa Claus de Peter Boyd que teve uma versão do Jackson 5, puxada por Michael Jackson - a versão de Celly Campelo chama-se literalmente Eu vi papai beijar Papai Noel.

Aqui a clássica junção entre o simbólico e o pai, de modo que as crianças não se incomodam com a existência real da figura. O que é importante é que receba os presentes em nome dele. 

A segunda já vem para o nosso campo brasileiro, do grande e genial sambista paulistano Adoniran Barbosa. 

Véspera de Natal - Adoniran Barbosa

Agora vem a crítica do mundo real. O pobre paulistano que chega em casa, não tem presente. Vai comprar uma comidinha e resolve se vestir de papai noel para completar a fantasia das crianças. E deu no que deu.

Agora o grande o nosso grande Assis Valente.

Recadinho de Papai Noel - Carmem Miranda - música de Assis Valente.

Assis Valente compôs o clássico de natal brasileiro. Esta aqui é bem o estilo daquela época que não conta uma história inteira, mas lembra o tema nas estrofes. Assim ele lembra de que todos são feitos de barro. Como pede uma lua-de-mel para ver se seria feliz na noite de natal. 

E a clássica de Assis Valente: 

Boas Festas - Carlos Galhardo e Assis Valente - música de Assis Valente

Cantada em vários países do mundo. Boas Festas é uma clássica crítica social. Onde o Natal é lembrado com desigualdade. 

CARTA DE NATAL - José do Vale Pinheiro Feitosa

Pronto! Pendurei a minha meia furada no cabide de minha consciência. Nela expôs uma carta à fonte do nascimento daquilo que eu sou.

Uma carta estranha. Como um lençol de retalhos. Costurados com uma linha fraca que se solta a cada solavanco das minhas necessidades. A carta para despedir tudo aquilo que forma o que sou. Tudo aquilo que, continuamente, molda meu modo de pensar, sentir e agir.

Este tudo é que a sociedade de consumo e o “moto perpetuo” do sistema que é dinâmico, contraditório e que assim nos faz a dominação política e ideológica. Este sonho de plástico. A liberdade descartável do capitalismo.

Amanhã quando acordar não quero mais figuras irreais, que vivem no mundo da fantasia, na Lapônia gelada da Disneylândia. Eu quero meu pai de carne e osso, humano como só ele pode. Detentor de princípios e dúvidas, certezas e regras, mistérios e luz solar, quero este ser que é vivo como eu, que tem medo e seguranças que se formam no dia-a-dia de cada ação.

Não quero mais beber os goles do outdoor desta bebida estranha, que promove azia, que não se bebe pelo gosto, mas pela vaga promessa que assim serei igual aos outros. Que assim aproveitarei mais a vida.

E a vida só precisa de um gole de água para matar a sede.

Não quero mais a propaganda que promete me libertar apenas para que seja igual aos outros que consomem a mesma mentira. Prefiro sair com estes amigos imperfeitos, igual a mim, que andam pelas ruas, curtem a luz plena, a penumbra e gostam de ouvir as coisas que cantam.

Hoje devolvo às mãos do mito gerador deste natal de mercadorias, onde não sei a minha posição se comprado ou comprador. Assim devolvo todas as fantasias brilhantes e excrescentes que ao meu corpo tentam confundir.

Devolvo o seu caldo ralo de felicidade, a sua incolor liberdade, esta meia peça de roupa chamada autoestima, esta igualdade tão sólida quanto um feixe de luz e esta exclusividade que mente para mim do amanhecer ao anoitecer e perdura nos meus sonhos.

Devolvo todos os objetos de desejo que tentas colar às minhas necessidades.

Amanhã a voz do pregoeiro já não mais ouvirei. Os meus símbolos e signos não estão a serviço de suas vendas e agora desprego de sua voz tudo aquilo que hoje me diferencia socialmente de alguém, segundo as palavras dele.

O que me diferencia é exatamente aquilo que me iguala. E o que me igual não pertence ao universo de suas palavras, não me venhas dizer que preciso ficar atualizado com a moda, com a novidade, com o upgrade, com qualquer coisa que não seja novidade porque extraída dos passos que dou na vida, do encontro e desencontro que tenho de acordar e discordar.  

Pegue seu carrão, com palavras inglesas no câmbio, no motor, nos freios e enfie nos louros da ambivalência de promessas nunca realizadas. E quando alguém apaixonado pela natureza, montar naquela máquina de lucros e seguir lanhando a superfície das terras interioranas, como se fizesse algo excepcional que não seja destruição de vida e distorção do amor à natureza.

Como lhe disse, eu sou. Se tenho é circunstancial. E mesmo o que tenho se extensão de mim não é mais do que extensão de todos: a praia, a cidade, a praça, os sertões, o açude, o pôr do sol, esta brisa agradável sob o tronco da frutificação de uma cheirosa safra de cajá. O perfume do cajá eu sou. Não tenho.

E sei da arapuca que é acumular, rodear-se de uma falsa abundância de coisas. Eu nunca esqueci do meu amigo Guajenito, lá no Morro do Escondidinho, no bairro do Rio Comprido. Ele juntando tudo que pegava abandonado e jogando sobre o teto de seu barraco que vergava ao peso de tanto acumulado.

E pois termino por dizer que esta “democracia do ter não sendo nada”, apenas objeto da máquina de produção e venda, não visto mais. E sei porque não visto mais.

A grande maioria reza a oração do consumo sem se dar conta que tudo é exaltação da mentira da abundância que não existe. Hoje mesmo, neste natal, milhões de brasileiros passarão fome. E passarão fome porque toda esta mitologia do consumo esconde o quanto tudo isso é um exercício perverso e infernal da exclusão social e econômica.

Toda esta ideologia do mito e da fantasia é a forma aceitável da exclusão. Até que a revolta se instale além da fantasia e desnude o povo.

O rei não precisa desnudar. Ele não liga mesmo para a sua nudez. Esta época até isso permitiu a ele.




A MOTIVAÇÃO DE GOLPISTAS

“sendo explorados por políticos derrotados nas últimas eleições. Repudiados pela estima pública, coitados, infelizes políticos esses só alcançam os altos cargos públicos pelas nomeações ou pelos golpes. E como as nomeações que usufruem têm prazo limitado, limitado pela Constituição, eles provocam o clima dos golpes, fazem a propaganda dos golpes nas costas das honradas classes armada da Nação, não com o intuito de salvarem o Brasil, mas com o intuito de salvarem a eles mesmos.”  

Deputado Último de Carvalho - Plenário da Câmara dos Deputados - 3ª Sessão Convocação Extraordinária - 10 de fevereiro de 1955.  

sábado, 20 de dezembro de 2014

LUTANDO POR CAUSAS REAIS - José do Vale Pinheiro Feitosa

O que segue é surpresa para muita gente. E apenas o é por algumas questões de vícios de conhecimento, preconceito, ignorância de mudanças e assim por diante. Não é incomum que pessoas de classe média, supostamente informadas digam que a educação brasileira é uma desgraça, assim como a saúde pública brasileira. E têm tanta convicção que são incapazes de raciocinar até com as próprias palavras.

Ouvindo um médico vaticinando sobre a “inexistência” da saúde pública brasileira (para ele o que interessa é o equipamento de sua especialidade, ressonâncias, tomografias etc.) acaba se traindo. Lá pelas tantas diz que no Brasil ele, como médico, é obrigado a atender uma pessoa passando mal. Pelo menos as primeiras medidas, aí telefona para o SAMU completar o atendimento (só que até então o SAMU não existia).

Olhem estes dados divulgados pela OCDE sobre o Brasil após a realização da Pesquisa Internacional de Ensino e Aprendizagem (TALIS). São dados coletados em 2013. O estudo abrange vários países, entre os que fazem parte da OCDE e que aqueles que são associados. Na média do conjunto de países analisados, 89% dos professores dos anos finais do ensino fundamental tinham curso superior. O Brasil deve ser um horror, não?

Ao contrário. Ele é superior à média, 94% tem curso superior. E com outra característica: 95% acredita que pode ajudar os seus alunos a pensar de forma crítica. Mas isso é apenas uma parte pois na média dos países os professores levam 7 dias por ano fazendo treinamento em organizações externas às escolas. Esta “merda” de nosso país não deve ter um dia de treinamento.

Peraí gente fina. No Brasil os docentes passaram em média 21 dias em treinamento externo. E nem por isso deixamos de ter muitos problemas. Mas não aqueles da inexistência e nem da demagogia política. É preciso ter o mais possível de professores em contrato de tempo integral e por tempo indeterminado. É preciso reforçar a avaliação externa e brigar pela escola de tempo integral.


Agora lutem pelo certo. Para dar universalidade aos valores do ensino. Com ignorância dos fatos, preconceitos, e informações defasadas perdemos muito da contribuição de cada um.    

OS BOAS VIDAS! - José do Vale Pinheiro Feitosa

Diárias caríssimas. Os hotéis de Armação dos Búzios, postos nas encostas da chamada Orla Bardot (em homenagem à atriz francesa Brigitte Bardot que ficou alguns dias no que, então, era uma vila de pescadores). O sol lentamente de pondo, a aberta enseada cujo lado oposto será visto como um rosário de luzes no incrível crescimento de Barra do São João e Rio das Ostras.

Na piscina do hotel um grupo de hóspedes conversa alto como sói acontece nas intoxicações alcoólicas e diante da relevância dos assuntos que ali tratam. Um apanhado básico: um senhor empregado de uma grande empresa que faz negócios com petróleo, um sujeito perto dos quarenta anos médio empresário, sua mulher, uma amiga e um médico residente e sua garota, também, médica.
O único carioca era o empresário, os demais eram de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais. O senhor tinha uma fala contínua, um tanto monótona e tecia considerações técnicas sobre os negócios de suas empresas, lucros e perdas. O empresário, era o mais exaltado, falava alto, partilhando suas opiniões com que estivesse no deck da piscina.

A síntese de opiniões e sentenças daquela gente. O Brasil está falido, tudo é corrupção, os planos de saúde estão falidos, a medicina pública não existe, a economia está falida, ninguém investe no país. Como tinha um doutor na roda, fazia residência (e já podia pagar um hotel daquele) o assunto eram os médicos cubanos. Medicina básica era uma porcaria. Só existe a especialidade.

Os cubanos porque não foram cuidar do vírus ebola? (igual a esta gente que fica de Petralha em Petralha usando nomes de fantasia, que não sabe ler e nem se informa, pois Cuba foi quem mais enviou médicos para combater o Ebola). E que o governo brasileiro enviava para Cuba todo mês dez mil reais por cada médico, que assim eram mercenários e as sobras deste dinheiro servia para financiar as eleições de Fidel e Dilma no Brasil (o restabelecimento de relações regulares entre Cuba e os EUA vai deixar muita gente sem discurso).

E tinha pérolas da deformação de caráter e qualificação profissional. O principal recurso médico é a relação humana. Humana no seu amplo sentido socioeconômico, cultural, psicológico e individual e isso se aprende, como é óbvio, pela relação direta. Pois o Doutor criticava um programa federal que oferece pontos na classificação das residências médicas, públicas, para os médicos que vão prestar serviço na atenção básica dos serviços públicos.

O governo bem podia, como muitos países fazem, obrigar os doutores que se educam com o dinheiro do povo a ir aprender a não explorá-los num estágio obrigatório de dois anos. Não o fez: é optativo, tem um bônus que é melhorar sua classificação nas provas de acesso à residência, além de ganharem mais de sete mil reais por mês. O doutor na piscina em Búzios, se achando no meio da conversa de ricos, quer sua residência em cirurgia e que ganhe muito dinheiro para voltar à piscina de Búzios e outras fantasias no exterior.

Chamava a atenção o tom alto das mulheres, fazendo capela para o canto dos machos. Riam das piadas infames. Enquanto o empregado do bar fazia uma batida de frutas e álcool atrás a outra, os conceitos vomitavam as belas encostas de Búzios.

A fina flor da cultura “petralha” (tucanalha isso depende do lado, não é o conteúdo é no método que reside o problema) de internet marcou o seu desfile naquela piscina. O empresário declarou-se um eleitor orgulhoso de Jair Bolsonaro (que não precisa de apresentação para quem é de fora do Rio e que foi o deputado federal mais votado este ano). E, aos risos das mulheres, o homem abriu o verbo contra a deputada Maria do Rosário que foi agredida pelo Jair.

Aliás quem viu o vídeo da origem do embrulho pode interpretar o que aconteceu. Jair dava entrevista a favor da redução da maioridade penal. Maria do Rosário também e abriu um debate com Jair. Que sem que e nem para que pediu que ela contratasse um menor estuprador que fora preso em São Paulo para levar a filha na escola. Uma argumentação pessoal e desnecessária a este tipo de debate.

A questão é que Jair Bolsonaro retornou ao assunto recentemente, em pleno plenário e ele repete esta prática agressiva com outros deputados. Esta é a explicação por trás da notícia. Mas o que o empresário disse: que absurdo! Vocês viram o nome dela: Maria do Rosário. É nome de coitada. É gentinha. Rosário! E toda a plateia caiu na risada.

O mais impressionante: este mesmo dito cujo ainda acusou os “petralhas” de serem responsáveis pela divisão de classe no Brasil. E não vou nem contar, para não esticar, imaginem o que disseram sobre os vagabundos do Bolsa Família, chegando a dizer que tinha gente ganhando dois mil reais por mês para não fazer nada.


Assim, como seus companheiros ali, onde uma caipirinha custa mais de um terço da verdadeira bolsa família per capita.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Pentelho de Capivara

                                                                                                                                     J. Flávio Vieira                                                                                                                                                                                                                                                                
                                               Solidônio Canabrava tinha uma pequena loja de ferramentas em Matozinho.  Negociava  implementos  metálicos,  como dobradiças, armadores,  ferrolhos, correntes  pregos, parafusos, foices, martelos. Talvez tenha sido a proximidade e a dureza  desse material, que ele tanto manipulava no dia a dia, que terminou por impregnar seu temperamento de uma  a uma certa acidez e  petrificação. Tornara-se, aparentemente, do reino mineral, antes que o tempo o levasse a esse que é o destino final de todos os viventes. Era ríspido, direto, sistemático: com ele não tinha perreps. Intolerante, não aceitava perguntas bestas, arrodeios desnecessários, eufemismos, cerca-lourenços. Sua fama espalhara-se por  todos arredores da vila. Os que o conheciam , tiravam de letra a aparente estupidez de Solidônio e até cutucavam a onça com vara nanica, esperando a resposta pronta e carrascante como mourão de cerca. Os de fora, no entanto, tantas e tantas vezes se incomodavam com a rudeza do comerciante. Como se explicar  que quem quer  pegar marreca viver gritando :  xô ! Geralmente, depois de perguntas redundantes, como:
                                               --- Esse armador, seu Solidônio, é pra armar rede ?
                                               Vinha a resposta brusca e incisiva :
                                               --- Não,  Senhora ! Imagina ! Esse armadorzinho  é pra enfiar em cu de sabiá e pegar elas como se fosse anzol!
                                               E, imediatamente, tangia o perguntador peba, da sua loja, com o mote de sempre :
                                               --- Arreda ! Arreda, Dona  Empaia !
                                               Contavam-se as histórias de Solidônio  por toda redondeza, umas verídicas e a grande parte delas nem tanto : foram aparecendo folcloricamente, no fluxo ficcional da memória coletiva de Matozinho.  Uma  rezava que ele estava arrumando alguns rolos de arame farpado na loja, quando feriu a mão acidentamente, no ponta aguda do arame. Continuou a arrumação como se nada tivesse acontecido. Logo depois, novamente, repetiu-se a mesma tragédia: as pontas farpadas foram de encontro aos dedos de Soledônio. Ele não teve conversa : olhou firmemente para o rolo e disparou :
                                               --- Ah ! Já sei ! Tu tá querendo é carne, né ? Pois toma ! --- Enfiou a mão umas quinze vezes no rolo , quase perdendo todos os dedos.
                                               De outra feita, conta-se,  sentado, comendo mel de engenho, por duas vezes, o mel caiu e lambuzou sua longa barba. O velho não contou conversa. Olhou pra barba fixamente e logo sapecou o pires na cara , ameaçando a moita de cabelos:
                                               --- Ah ! Tu num é diabética , não, né?  Tu quer é mel, é ? Pois toma !
                                               Foi por essas e outras que dali , também, saiu o apelido do nosso personagem, embebido na grossura que lhe era a maior característica :
                                               --- Pentelho de Capivara !
                                                Claro que Solidônio não suportava o epíteto, nem sequer quaisquer palavras que por acaso lembrassem esse nome. Por isso mesmo  a alcunha pegou como catarro em parede.
                                               Semana passada aconteceu o inesperado. Canabrava tinha um pequeno engenho de cana de açúcar movido ainda a máquina a vapor. Uma das grandes moendas  quebrou e tiveram que suspender a moagem. Onde diabos encontrar uma estrovenga daquelas ? O maquinário tinha sido importado , muitos anos atrás, da Inglaterra, pelo avô de Solidônio. Os engenhos estavam quase todos de fogo morto. Em tempos de mariola, Coca-Cola  e chilitos, quem diabo queria comprar batida, garapa,  alfenim e rapadura ?  O eito de cana, no entanto, estava cortado e parar tudo era um prejuízo danado.
                               Canabrava soube que, em Serrinha dos Nicodemos, existia um velho que tinha um engenho similar ao seu e que estava parado há muitos e muitos anos. As moendas, segundo lhe tinham adiantado, estavam novas e a história é que O Coronel Balbino, o dono da fazenda,  falara , diversas vezes, na venda daquele mundo de ferro, inclusive para ferro-velho. Soledônio , então, chamou um velho choffeur de praça e resolveu ir negociar em Serrinha a compra da moenda com Balbino. Durante a viagem, no entanto,  o motorista o alertou. O coronel era um bicho do mato, cabra bruto e indomável como um chucro. Para se ter uma ideia, alertou : o apelido dele é : “Apito de Engenho” ! Será que o homem é bruto ?
                               Seguia a viagem e o motorista continuava atemorizando o velho Solidônio:
                               --- O Senhor é que sabe, seu Pentelho... ou...  Seu Solidônio . Ele vai dar um coice danado no senhor ! Pode esperar! Se eu fosse o senhor eu não ia não !
                               Canabrava, no entanto, neste mister tinha PHD e M.B.A. Não quis conversa, nem mostrou-se temeroso. Mandou picar viagem. Vamos simbora !
                               Tardizinha chegaram , por fim, nas terras de Balbino. Pararam defronte a casa alta, onde , após infindáveis degraus lá estava o coronel refestelado numa preguiçosa, assistindo aos últimos estertores do dia. Solidônio, desceu do jipe, mandou o motorista esperar um pouco , subiu calmamente a escada. E, sem delongas, fitou o coronel e perguntou ?
                               --- O senhor  é o coronel Balbino , se má pregunto ?
                                 O  velho, com aquela cara dura de cobrador , sem o fitar nos olhos, latiu de lá:
                               --- Sou sim, por que ?  E se não fosse,  você tinha alguma coisa a ver com isso ?
                               --- Né por nada não, Coronel ! Pegue sua moenda e meta no cu, joviu ?

                               Desceu os degraus, entrou no jeep e voltou pra casa, após a mais rápida negociação já registrada   nos anais do CDL  de Matozinho.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

CONSUMO DE MACONHA NO URUGUAI ACIMA DO CONSUMO DE TABACO É EFEITO DA LIBERAÇÃO OU MÁ NOTÍCIAS DA MÍDIA? - José do Vale Pinheiro Feitosa

Na semana passada nos jornais, portais de notícias, televisões, nos telões em ônibus e salas de espera, uma notícia revelou o despreparo de jornalistas, o preconceito e a tendência de interpretar os fatos com premissas que nem sempre se revelam. Qual a notícia?

Pela primeira vez no Uruguai o consumo de maconha ultrapassa o de tabaco. Qual o entrecho da notícia?

A política de liberação da maconha havia avançado o consumo de maconha a ponto de ultrapassar o consumo de tabaco.

Mas aí é que vem o problema. Tudo se referia a uma pesquisa feita pela Junta Nacional de Drogas e pelo Observatorio Uruguayo de Drogas em jovens escolares na faixa entre 13 e 17 anos, feita em sala de aula. Os inquéritos foram auto administrados e a amostra nacional.

O que se pretendia analisar? A tendência do consumo de várias drogas ao longo dos anos, o papel protetor da escola e dos pais. O inquérito levantava o consumo de drogas nos últimos doze meses e no último mês e teve o seguinte resultado: álcool (60,2%), bebidas energizantes (37,2%), maconha (17%), tabaco (15,5%), tranquilizantes (7,1%), cocaína (2,15), estimulantes (1,4%), êxtase (0,8%), haxixe (0,5%), crack (0,5%), metanfetaminas (0,3%) e anfetaminas (0,2%).

O inquérito mostrou que a escola e os pais tinham um papel protetor e que a drogas de consumo mais precoce em termos de idade foram o álcool e o tabaco. O tabaco teve uma grande redução no consumo, passando de 30,2% a prevalência de fumantes no último mês no ano de 2003 para 9,2% em 2014.  

O abuso de álcool (igual ou superior a dois litros de cerveja, 3/4 litros de vinho e 4 doses de destilado) nos últimos quinze dias ocorreu em 32,5% dos estudantes que beberam. A prevalência ano da maconha passou de 8,4% em 2003 para 17% em 2014. Em toda a vida a prevalência de maconha é de 20,1%, no ano 17% e no mês 9,5%. Como se observa, o crescimento do consumo de maconha é um fenômeno antigo e o inquérito não identificou nenhum salto no consumo. A lei existe há apenas doze meses. Este efeito só poderá ser analisado com vários anos de observação.

Uso problemático da maconha. Há uma tabela de risco chamada escala CAST (Cannabis Abuse Screening Test) que cruza frequências (fumar antes do meio dia, estando só) e consequências do consumo (problemas de memória, querer reduzir o consumo, tentado reduzir, tido problemas) com uma tabela de classificação: raramente, de vez em quando, bastante a miúdo, muito a miúdo. Assim o valor 1 é baixo risco, 2-3 é risco moderado e 4-6 é risco alto.  

O padrão uruguaio é que 66,9% dos que fumaram maconha nos últimos doze meses têm risco baixo, 20,4% têm risco moderado e 12,6% tem risco alto o que corresponde a 1,9% do total de estudantes. A prevalência ano da cocaína era de 1,7% no ano de 2003, cresceu para mais 5% em 2007 e agora tem é de 2,1%. Já se começa a observar o efeito da liberação da maconha quando 53,3% considera que é fácil ter acesso à droga.

Ficou claro que a percepção do risco do consumo é inversamente proporcional à prevalência de consumo, quanto maior a percepção do risco menos se usa a droga. O inquérito também identifica que o envolvimento dos pais é um fator protetor, comparando situações, o consumo é maior nos jovens cujo envolvimento dos pais é baixo quando comparado ao de alto envolvimento. E isso é mais acentuado para as drogas mais pesadas. Por exemplo, como o álcool é da cultura a diferença existe mão não tanto quanto no consumo do tabaco, da maconha e da cocaína.

Em outras palavras quem não foi à fonte e a entendeu, bebeu a água turva da informação na grande mídia (as agências de notícias e os veículos).

domingo, 14 de dezembro de 2014

Fusões de músicas dos Beatles e John Lennon


Não se deixe conduzir pelo contrato. Arranjo. Compromisso. Pessoa de bem. Não se deixe conduzir.
São coisas feitas para se negar. Sempre há uma cláusula de cessação. Sempre há um encerramento. Um caixão para pregar você dentro. Sempre há.

Há um momento. Aquele em que as portas se abrirão e a paisagem do mundo é sua. Todo este eterno, vasto, infinito mundo, é o planisfério de sua própria epiderme. É o plano de sua própria linha de fuga. Fuga de si mesmo.

E aí a tradução é o amor. A paixão infinita pela eternidade ao lado do outro. O outro que é o plano de fuga de si mesmo. Como paisagem do mundo. Apagando os limites entre si e o outro e desse modo criando uma individualidade binária.

O amor é isso. A atração pelo planisfério neste vasto e infinito mundo. A fusão dos momentos como uma nova unidade de tempo. O encontro dos fragmentos da crosta numa tremenda força de transformação da superfície.

E como força telúrica, o amor confunde os sinais e sentidos antes postos. Uma singularidade criativa que se faz em sínteses e separações, em versos que exaltam, reformatam, dispersam os acúmulos e criam uma nova conta de adições e multiplicações.

Por isso é tão e imensamente doloroso que alguém desista, se canse, perca a noção do planisfério do amor. E se vá com apenas o saldo dos solavancos e até desconhecendo tudo que aconteceu.

Se não foi apenas o cerimonial de um contrato. Se foi amor, é tudo tão intenso que as miudezas que enfeitam as paredes guardam soluções. As paredes têm lições a apresentar.

Se foi amor. Se é amor. É o planisfério do vasto, eterno e infinito mundo. 

Maumau Noel - José do Vale Pinheiro Feitosa

Empadões, cachorro quente, salpicão de frango, cerveja, refrigerante não, mas sucos e o tradicional das praias cariocas: mate gelado com limão. Crianças e adultos circulando no amplo playground. Mesas, conversas entre quem há tanto tempo não se via.

Há pouco o avô, de joelhos, os bicos de papagaio pinçando os trajetos nevrálgicos, brincava com a neta numa pequena piscina de praia. Uma piscina sem água, cheia de areia da praia. Úmida. Caía aquela chuva pingadeira e contínua.

E foi na mesa de guloseimas que nos encontramos. Pondo a conversa em dia. Sem falar em política. A experiência de outros carnavais demonstra a impossibilidade de se cruzarem numa síntese. O máximo, nestes casos, que se consegue é cruzar argumentos, com vistas a uma aposta cujo ganhador leva.

Como disse um papo de assuntos variados e ricos de novidades. Aí chega o momento. A nora vem, quase pedindo desculpas para dizer que a hora é chegada. Achei que era para cantar parabéns. Mas não era. Ele iria ao quarto se fantasiar de Papai Noel para trazer alegria às crianças e apresentar a alegria à netinha.

Fui a procura de outros papos. Noutras partes da festa. Após um tempo, enquanto conversava com uma mãe, ela pede desculpa e interrompe o diálogo. Precisava levar o filho para a proximidade do Papai Noel que entra no ambiente. Olhei e estava toda a meninada se aproximando do bom velhinho. Aquele que oferece presentes e sonhos a todos. Inclusive às crianças.

Passou o homem do mate e tomei mais um copo. Outra coisa para comer. Um novo papo, com outro interlocutor. Levou um tempo para melhor dizer. A avó se aproxima. E vou confraternizar com ela. Que se encontra numa quase imperceptível situação de angústia. Se não a conhecesse tão bem, não descobriria.

Assim que a neta, no alvoroço da criançada, viu aquele velho ameaçador, de roupas vermelhas, um saco nas costas, agitando toda a galera, se apavorou. Chorou como choramos pelas novidades que nos chocam. Chorou por aquele que invadiu sua festa. Sua alegria. E fez sumir o vovô e não adiantou nem a vovó para consolo. Andou nos braços da mãe a chorar de um lado para outro.

Daí a pouco volta, desconsolado, o vovô. Com todas as boas perspectivas de sinais trocados. O que era alegria, se traduziu em choro. O que era afetividade se transformou em aversão. A cena da bondade e da oferta se tornou um aperto de desacerto no coração. Papai Noel de repente era Maumau Noel.

Uma explicação de pronto havia. A netinha completava ali dois anos de nascimento. Ainda não tivera plena consciência de um natal verdadeiro. Aquele era o segundo e, do bom velhinho, desconhecia o mito. Mas como vovô achou ruim aquele papel...

Porém, como sempre o natal retorna.


O vovô se encontrará com o vovô novamente.  

A primeira noite de um homem (transcrição)

A minha primeira mulher, sexualmente falando, chamava-se ou tinha o apelido de Rolinha e, como não podia de ser, tudo aconteceu em Ouro Fino, sul de Minas, a cidade natal da minha família. Ouro Fino era, na época, uma cidade extremamente pacata – estamos falando de 50 anos atrás, quando eu tinha 13 anos. Tão pacata que nem prostíbulo tinha. A Tipoita pilheriava que um dia foi um circo a Ouro Fino e o leão, ao invés de urrar, falava “Oh! lugar...” imitando o urro do leão.
Pois bem. Foi nessa Ouro Fino que eu perdi a minha virgindade. Quem me guiou nessa vereda foi um amigo, primo torto, chamado Robertinho Barbosa. Apesar de ter a mesma idade que eu, Robertinho já era escolado na área sexual e, mais importante, sabia o caminho das pedras para se ter uma noite de amor em Ouro Fino. O caminho das pedras era, na verdade, o caminho da casa da Rolinha, na zona rural de Ouro Fino. Lembro-me que saímos logo após o anoitecer e caminhamos pelo menos uma hora na zona rural, passando por pastagens, atravessando cafezais e cercas de arame farpado. No breu da noite, eu literalmente morri de medo. Medo de cobras, de onças que – diziam – existiam por ali, medo de bois bravos que imaginava correndo atrás de mim. Mas meu medo não era maior que minha excitação, que a perspectiva de tocar uma mulher de verdade e não apenas a mulher imaginária de meus momentos de masturbação.
Vimos de longe uma luz no meio do breu. Robertinho esfregou as mãos de contentamento. Se havia luz, era sinal de que a Rolinha estava em casa. E a nossa festa sexual garantida. Quando chegamos me assustei com o “Palácio do Amor” como dizia uma placa pregada na porta que, à nossa aproximação, foi aberta pela por uma mulher que deduzi ser a Rolinha. Era na verdade, uma casa de pau-a-pique, quatro paredes de bambu e barro, divididas internamente por panos grandes presos em cordas de nylon, dessas que usamos para pendurar varais de roupa em apartamentos. No aposento principal, onde ficava a porta de entrada, chão de terra batida, havia uma mesa tosca de madeira com três cadeiras, uma cristaleira onde se podia ver um pirex, duas ou três panelas, pratos, copos e talheres, tudo em pequena quantidade e no limite do uso, tal o desgaste. Encostado numa das paredes, um fogão de lenha a pleno vapor e, sobre ele, um grande caldeirão.
Rolinha não perdeu um segundo: cadê o dinheiro? O pagamento é adiantado, disse rispidamente. Robertinho, que era o financiador da aventura, meteu a mão no bolso e tirou as notas que já estavam preparadas e entregou-as a Rolinha. Senti, então, que a tensão sumiu dela e ela nos mandou entrar.
Prestei, então, atenção na Rolinha. Era uma mulher vistosa, grande, feições bonitas, mas tal qual seus apetrechos domésticos, estava acabada, no limite do uso. Já devia ter entrado na casa dos quarenta. A maquiagem pesada não escondia o desgaste do rosto e nem as sandálias havaianas escondiam os calcanhares rachados. Ela explicou ainda que num dos outros dois “quartos” estavam seus filhos dormindo, o maior de cinco anos. O segundo quarto era o ninho de amor onde ela atendia seus clientes, nós dois e outros que viriam mais tarde. Explicou ainda que no caldeirão estava cozinhando uma cabeça de porco, a refeição da família no dia seguinte.
Mas a explicação que ela deu e que era visível é que ela estava grávida de seis meses, maior barrigão! Meu deus! O que fazer? Como ia perder a virgindade com uma camponesa sem glamour nenhum e, ainda mais grávida?
Rolinha não deu tempo para pensar: - Vamos, quem vai ser o primeiro? Não tenho tempo a perder. Eu era o primeiro, tínhamos tirado no par ou impar. E, de repente passaram todos meus receios, minhas dúvidas, meus constrangimentos e mergulhei de cabeça no corpo disforme mas nu de Rolinha. Nunca mais me vi tão fora de mim, tão entregue como naqueles momentos. Vou poupar o leitor dos detalhes.
Alguns minutos estava de volta à sala, meio levitando sem saber direito o que tinha acontecido. Agora era a vez do Robertinho e eu ia ficar esperando da sala. Sentei à mesa ainda assustado e então me ocorreu comer um pedaço da cabeça de porco que ainda estava no fogo. Peguei uma orelha e um belo pedaço de bochecha. Salpiquei com uma farinha que encontrei e comi tudo com voracidade.
Daí a pouco saiu o Robertinho, leve e saltitante como eu. A Rolinha nos despediu, convidou para voltar outro e nos pôs porta afora. Saímos contanto o que tínhamos feito ou não no “ninho do amor” sem nos incomodar se era verdade ou não. Foi então que contei ao Robertinho que tinha comido um bom pedaço da cabeça do porco.  Ele ficou sério, parou e me disse: - olha, quando você estava no quarto e eu na sala, eu subi no fogão e, só de sacanagem, dei uma longa mijada no caldeirão do porco!
Como o Robertinho podia ter um coração maldoso assim!


Post Scriptum,
Qual de nós, adolescentes lá no Crato (à época), não passamos por situação pelo menos parecida, lá no ”Gêsso” (antiga “zona” da cidade) ???

sábado, 13 de dezembro de 2014

É o Colégio Eleitoral Estúpido! - José do Vale Pinheiro Feitosa

Pronto. Gilmar Mendes seguiu o inusitado a ele esperado e aprovou, com ressalvas, as contas da Campanha de Dilma Roussef. O mesmo destino será dado às contas das demais campanhas. A lava jato vai continuar. A mídia paquidérmica continuará ansiosa por dinheiro e atacar o governo para daí extrair sua imensa fome.

Mas de fato o processo vai continuar. Qual seja transformar o Brasil numa grande economia capitalista, que implica nos modelos vigentes até agora, a uma grande sociedade de consumo, quando as rendas e salários da maior parte da população impulsiona o modelo concentrador e ao mesmo tempo expansionista. E as minorias privilegiadas continuarão com suas bandeiras se opondo.

Como o futuro é do capitalismo estas bandeiras “opositoras de natureza minoritária” estão na contra mão do curso adiante. Por isso são identificados por várias classificações: reacionários, conservadores, etc. A regressão e aversão ao popular é uma natureza inerente de certo tipo de posição política.

Apenas para lembrar quando o voto é facultativo desde os 16 e obrigatório para todo brasileiro até certa idade. Hoje o universo de pessoas de 16 anos e mais são eleitores legítimos. Elegem seus governantes.

Mas nem sempre foi assim. Muitas pessoas não tinham o direito ao voto, ainda nos anos 30 as mulheres não podiam votar, inclusive analfabetos, militares de baixa patente e assim o colégio eleitoral era uma minoria. Para lembrar: nas eleições de 1950, disputadas para os cargos de Presidente, com Getúlio Vargas, Cristiano Machado e Eduardo Gomes, apenas 21,76% da população brasileira tinha direito ao voto.

Nos territórios o colégio eleitoral no máximo chegava a 10% da população e o mais alto era o do Distrito Federal (cidade do Rio de Janeiro) com 34,5% da população com direito ao voto. O poderoso estado de São Paulo chegava a 22%, havia o interior enorme e rural. Em Pernambuco, um dos estados mais avançados politicamente do Nordeste, a situação dos camponeses era um desastre de modo que os eleitores correspondiam apenas a 13% da população.

Agora um quadro deste tem outros detalhes. Numa sociedade semi-rural como éramos, imaginem a dificuldade de fazer chegar o eleitor até a boca da urna. Resultado: apenas 72% dos eleitores válidos compareceram às eleições em 1950. Enfim em 1950 elegeram os nossos governantes apenas 15% da população brasileira. Hoje o eleitorado representa mais de 70% da população total.

O nosso cratinho de açúcar era um primor de colégio eleitoral. Quem examinar o número de eleitores nas eleições gerais de 1954 e 1955 ficará perplexo com o s números encontrados. Crato, em 1955, apenas tinha 13.036 eleitores. É bom salientar que falamos em zonas eleitorais e, portanto, municípios menores poderiam agrupar outras populações como Tauá que tinha naquele ano 13.595 eleitores. O nosso Juazeiro do Norte não ficava atrás: tinha apenas 9.396 eleitores.

Talvez estes dados expliquem alguns aspectos seletivos e conservadores que permeiam a sociedade geração após a outra.  


VASSOUREIRO! - José do Vale Pinheiro Feitosa

O espaço onde vivemos não apenas garante a sobrevivência. Desenha nossas emoções, o modo como compreendemos o conteúdo e o continente. A formação da memória e o processo pelo qual a memória não é um mero arquivo. É coisa viva. Que pulsa, se anima, se entristece, apreende coisas novas, inclusive dos acontecidos.

Moramos numa ladeira. Uma ladeira que tem curva. Portanto, não apenas o aclive esconde pedaços de sua sequência para cima ou para baixo, como a curva extrai eventos na proximidade. Isso é, a visão deles. Pois tudo o que resta a outros sentidos, se tem por testemunha de ocorrência.

E como ladeira, no talude da montanha, à audição adiciona uma certa reverberação dos sons. São os carros bufando na subida, os freios na descida. São cães latindo na caminhada de seus donos, como naquele momento do sol nas prisões. Os cães dormitam no espaço menor dos apartamentos.

De vez em quando lá de algum lugar que não se enxerga começa uma chamada. Uma voz repetindo a mesma palavra. Subindo pelas encostas. Como uma pena voando em direção aos galhos das árvores altas que margeiam a passagem. Uma palavra bela. Um canto. Um som que vai no âmago da memória e extrai as coisas passageiras, tidas como idas, mas havidas como atuais.

E a voz vai revelando fonemas. Vai subindo. Vem lá de baixo. Se aproxima da minha janela. Com pouco a palavra se revelará como um sujeito em sua ação. Uma ação que juro, antes do acontecido, é a fusão de centúrias, da lida humana, dos pés atemporais como aqueles que vão pelas ruas para expressar as mãos ritmadas do triângulo anunciando o cavaco chinês.

E do primeiro momento que o olhar capta a visão, o ouvido interpreta a palavra. VASSOUREIRO! E repete tantas vezes quanto a oportunidade de vender as suas vassouras. Vai subindo pela minha rua, o vassoureiro do início do século XX aqui no Rio de Janeiro. O momento em que fica claro que a saudade também é uma forma de eternidade.

Pego na carteira de dinheiro. Não quero nem saber a situação das minhas. Pego o elevador e desço para comprar alguma coisa com o vassoureiro. Tudo para que o grito do vassoureiro nunca desapareça da minha rua. Nesta ladeira.