sexta-feira, 31 de julho de 2015

CEARÁ: "CAPITANIA HEREDITÁRIA" SOBRALENSE - José Nilton Mariano Saraiva

Dias atrás, em razão do Senador Eunício Oliveira ter emplacado o genro-advogado Ricardo Felenon Júnior numa das Diretorias de certa estatal federal (ANAC-Agência Nacional de Aviação Civil), o senhor Cid Ferreira Gomes usou sua página na Internet para baixar o malho no Senador, por suposta prática de favorecimento imerecido. 

Se não confiasse tanto na “memória curta” do povo cearense, bem que o cara-de-pau e ex-mandatário do Estado poderia lembrar que em 1992 seu irmão, Ciro Gomes, então governador do Ceará, nomeou o outro irmão, Lúcio Ferreira Gomes, para a Diretoria Econômico-Financeira da então estatal de comunicações do Estado. Depois, sempre e sempre indicado pelo irmão, referido senhor ocupou funções nos executivo estadual e federal, até tornar-se Chefe de Gabinete do próprio.


Recentemente, antes de deixar o governo, o próprio Cid Gomes conseguiu com que os fiéis e amestrados "deputados-cordeirinhos"  da base de sustentação do seu governo aprovassem a indicação (feita por ele) da sua ex-cunhada, a inoperante, apagada e incompetente Patrícia Sabóia Gomes (ex mulher do Ciro Gomes) para o CARGO VITALÍCIO de Conselheira do Tribunal de Contas do Estado, com faturamento de cerca de R$ 30.000,00 mensais, mesmo sem ter a qualificação técnica exigida e necessária para tal mister.

Eis que agora, o “governador-afilhado” dos Ferreira Gomes, o cratense Camilo Santana, resolve nomear (por sugestão do Cid Gomes), o senhor Lúcio Ferreira Gomes (ele, de novo, outra vez, novamente), para Secretário de Governo (em substituição ao outro irmão, o demissionário Ivo Ferreira Gomes, que também houvera sido indicado).

Conclusão; a sede de poder fez com que os Ferreira Gomes transformassem a política em abrigo e rentável meio de vida de toda a família, daí faltar autoridade moral ao senhor Cid Ferreira Gomes para reclamações da espécie.

No mais, a inevitável e irrecorrível constatação é que eles (os Ferreira Gomes) conseguiram transformar todo o Estado do Ceará numa espécie de “capitania hereditária” sobralense.









quinta-feira, 30 de julho de 2015

A Cínica Sociedade Americana - José do Vale Pinheiro Feitosa

Não tenho nenhum problema com a idade. Nunca tive com nenhum estágio da linha do tempo.

A lua cheia, tantas voltas dá e os meus olhos nunca deixarão de admirá-la. Além de seu foco luminoso, algo maior me encanta com a capa de luminescência com a qual cobre cada detalhe revelado ou sugerido no revelo da noite.

Mas tenho grandes problemas com pessoas humanas qual o é o dentista americano Walter Palmer. Um caleidoscópio de cinismo, arrogância, suficiência, autonomia liberal e aventureirismo sob o manto protetor do vasto capital que aquela sociedade lhe deu em moral, ética e valor simbólico material sob a forma do dólar. O dólar que é a sustentação oferecida pelo povo que gerou e fez crescer pessoas como Walter Palmer.  

Walter Palmer um caçador de grandes animais selvagens.

Clandestino, pagou 55 mil dólares para que mercenários atraíssem um leão no Zimbábue a um arco, com que Palmer acertou uma flecha que o deixou em agonia por horas a fio.

Foi Theo Bronkhorst, com aqueles sobrenomes do apartheid, o caçador, trabalha para uma empresa de safaris, que deu o tiro de misericórdia na agonia do Leão que se chamava Cecil.

O corpo do Leão foi encontrado decapitado e sem a pele.

Só que Cecil era um raro espécime de Leão com juba preta. Símbolo do Zimbábue. Era um animal estudado pela comunidade do parque onde vivia. Parecia gostar do contato com humanos.

Diante da revolta a explicação Palmer expõe este tipo de gente: “Eu não tinha a menor ideia de que o leão que eu matei era conhecido, que fazia parte de um estudo, até o momento final da caçada. Me arrependo profundamente”.


Digo, a humanidade se arrepende profundamente de ter criado uma sociedade capaz de gerar cínicos como estes. De gerar lhes proteger.  

sexta-feira, 24 de julho de 2015

ESSA NOSSA IMPRENSA... - José Nilton Mariano Saraiva

Assim como foi um dos artífices na conquista do pentacampeonato do Brasil na Copa do Mundo realizada na Coréia-Japão em 2002, Luiz Felipe Scolari foi o principal responsável pela decepcionante participação da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo aqui realizada em 2014, quando conseguiu a proeza de, bovina e humilhantemente, cair de 7 x 1 ante os alemães, ao escalar mal a equipe e adotar um sistema de jogo prá lá de ultrapassado.  Depois de demitido sumariamente recebeu um caminhão de dinheiro de indenização da CBF (legalmente, já que por interrupção aleatória do contrato), que certamente lhe possibilitaria viver o resto da vida deitado numa rede e peidando pra humanidade.

Mas, como quem tem muito sempre deseja mais e mais, não resistiu a um convite do Grêmio de Porto Alegre e findou assinando um polpudo contrato para dirigir o ex-time.  No entanto, desatualizado e sem a mínima disposição para se reciclar, foi um fracasso total e absoluto. Saiu antes do tempo, com o rabo entre as pernas.

Eis que recebe novo convite para voltar a ativa, dessa vez pra dirigir um tal de Guangzhou Evergrande, lá do outro lado do mundo (na China) onde o futebol ainda engatinha; escondido e longe dos holofotes, fato é que hoje fatura o que nunca imaginou faturar na vida, com a vantagem de não ter uma imprensa crítica ao seu trabalho (além do que, aproveita pra indicar contratações de medalhões do futebol brasileiro, que lhe ajudem a enganar o povo dos olhos puxados).

Eis que, nesses dias de pré-temporada européia, a equipe alemã do Bayern de Munique resolveu angariar alguns milhões de dólares em amistosos insossos mundo afora, findando por desembarcar na China. E no confronto com o Guangzhou Evergrande (do Felipão) não passou de um modorrento 0 x 0. Na cobrança de pênaltis, displicentes como foram durante o jogo todo, os jogadores alemães conseguiram o “feito” de perder por 5 x 4.

Foi o bastante e suficiente para a que a venal e corrupta mídia esportiva brasileira entrasse em cena, ao tentar valorizar um jogo onde os alemães reconhecidamente não estavam nem aí, porquanto foram apenas faturar e fazer turismo. E haja saudações laudatórias à “proeza” do técnico Scolari, através de manchetes do tipo “Felipão, enfim, vence os alemães” (e por aí vai). Pronto, a esperada “vingança” brasileira foi concretizada.

Aqui pra nós, só há uma denominação pra rotular tudo isso: “cretinice ao cubo”. Essa nossa imprensa...


  

Cantiga sonhada

Vou contar nestes versos dosados
As coisas bonitas que gosto de ouvir,
Que falam de astros e sonhos vividos
No frio suave de manhãs mais alegres,
Aconchego da alma, mistérios de mim,
Entre doces lençóis e trinos silvestres.

Coisas que dizem das forças perenes
Das firmes certezas dos dias de sol.
Das dobras ardentes, de amores fiéis,
Ofertados aos corações bem amigos,
Amores prudentes e correspondidos,
Romances de filmes e livros dourados.

Contar nestes versos de tempos antigos,
Das eras guardadas em castelos mimados,
De príncipes, quimeras, de fadas, gnomos,
Florestas, princesas, salões e paisagens...
De um filme escondido no peito menino
Que navega além-mar e trafega nos céus.

Vou contar nestes versos as lutas do eu
Vencendo dragões, miragens, visagens,
Para ouvir coisas que falam no descobrir
As histórias, os lugares, pessoas e cânticos,
Desenhos iguais no teto ligeiro das nuvens
Que vagam estradeiras em pastos e campos,

Lugares animados, enfeitados de flores,
No horizonte festivo de luzes e tintas.
E foi assim que contei das coisas bonitas
Que gosto de ouvir nas letras das noites
Pausadas, serenas, dos versos e prosas,

Ao sabor do presente em favos de mel.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Num entendo... num entendo...

                                                                                 J. Flávio Vieira


Dinda Bilé foi levado pela família ao psiquiatra esta semana. Contumaz hóspede do Hospital Santa Tereza , ele tivera alta há menos uns quinze dias. Com lua nova, Dinda costumava tresvariar , botava pra conversar “arizias” e respondia a vozes que só ele ouvia. Saíra do nosocômio bem melhorado, com discurso linheiro que só prumo de pedreiro. Depois da Expocrato, no entanto,  passou a palestrar, em solilóquio,  num idioma  esdrúxulo e pouco incompreensível, repetindo, de quando em vez, o mesmo bordão:
                        --- Num entendo, num entendo...
                        Os familiares de Dinda, já acostumados com seus surtos, embora esse parecesse bem diferente, resolveram encaminhá-lo  de volta  ao psiquiatra, temendo uma crise mais grave. Bem mais tranquilo que das outras vezes, Bilé deixou-se levar ao consultório do nosso Freud tupiniquim. Cabelo meio arrepiado como se pressentisse alma penada, olhos inquisidores e vagos, perambulando de um lado para outro como se esperasse um disco voador. Sentou-se na poltrona , defronte ao médico, fitou-o meio desolado e sussurrou:
                        ---- Não entendo, não entendo...
                        Dr. Godofredo  Veronaldo já o conhecia de outros aluamentos. Tinha conversado um pouco com a família, lá fora, sobre os novos sintomas de Bilé. Achou esquisita a postura mais calma do paciente, das outras vezes viera em crise maníaca e com muita agitação e surtos de agressividade. Aproximou-se de Dinda e quis saber o que ele não entendia:
                        --- Dinda, tudo bem ? O que é que você tá com dificuldade de entender, rapaz ?
                        --- A Expocrato ,doutor... Todo ano é  a mesma coisa... depois que acaba, aumentam as moscas e diminuem as moças... Não entendo, não entendo...
                        Dr. Veronaldo sorriu ante a apreciação do lunático e cutucou mais o velho Dinda. Que mais parecia tão incompreensível?
                        --- E a rua num é pública, doutor ? Eu pensava que eu também era proprietário dela. Pois , na Expocrato, apareceram os donos . Parece que entraram com usucapião. Estavam cobrando vinte reais o estacionamento naquela rua que eu pensava que  era nossa. Num entendo... num entendo...
                        O psiquiatra começou a gostar da conversa meio sussurrante de Dinda e tentou decifrar seus outros enigmas.
                        --- Num entendo, num entendo... A Expocrato é pública feita com dinheiro privado ou é privada  e feita com dinheiro público ? Pronde vão as sobras ? Num entendo... num entendo...
                        --- Na Expocrato os burros são os que ficam nas baias ou aqueles que pagam ingressos caríssimos para assistir aos shows de péssima qualidade ? Num entendo, não entendo...
                        --- Estudante foi espancado e roubado num show da Expocrato pelos seguranças . Quem roubava e batia antigamente  num era o bandido?  E agora é o segurança  ? Socorro, chame o ladrão !  Num entendo, num entendo...
                        --- Fui assaltado  três vezes na Expocrato em um só dia, continuou Dinda. Me roubaram trinta reais no estacionamento, depois na barraca me afanaram mais dez reais quando pedi uma cerveja e um garçon me surrupiou cem reais quando inventei de pedir uma carne de sol numa telha. Pensei que era telha de amianto ! Devo fazer um BO, seu doutor ? Num entendo... Num entendo...
                        Dr. Godofredo, surpreso, parabenizou Dinda:
                        --- Rapaz, você tá melhor do que nós !  E tu num dizia que era doido  , Bilé !?
                        --- Doido eu sou, Dr. Godofredo, agora eu num sou é burro, viu ?
                        Dr.  Godofredo  chamou a família e deu o diagnóstico. Ficassem tranquilos:
                        --- O homem tá com mais juízo que nós todos juntos !  Os doidos, amigos, tão tudo solto na rua , organizando eventos, participando das administrações e se passando por sadios. O mundo tá todo às avessas: os lunáticos soltos  e os  equilibrados internos aqui neste hospital ! Por que ? Num entendo, num entendo...

Crato, 23/07/15

                        

quarta-feira, 22 de julho de 2015

"OSKAR SCHINDLER": O Alemão Herói Israelense - José Nilton Mariano Saraiva

Pobre, porém carismático, desenvolto, audacioso, envolvente e, essencialmente “bicão”, o empresário alemão Oskar Schindler tinha uma verdadeira obsessão (ou objetivo maior de vida): “juntar dinheiro, muito dinheiro”, a fim de usufruir os prazeres da vida. E a oportunidade perfeita para isso se lhe apresentou com a deflagração da Segunda Grande Guerra Mundial, quando, antevendo benefícios futuros, radicou-se na Polônia e, na base de “muita conversa e gentilezas mil”, ardilosamente aproximou-se dos principais líderes regionais do exército alemão e, traficando influência, conseguiu financiamento pra abrir uma “fábrica de panelas”, com mercado garantido pelos “novos amigos”, usando para tanto a mão de obra barata dos miseráveis judeus moradores do Gueto de Cracóvia.

Com o acirramento do confronto, o alto comando alemão em Berlim exacerbou em termos de violência, ordenando a execução sumária de todos os judeus que, a critério de cada ocupante de chefia, fossem considerados “não produtivos” (especialmente idosos, crianças e doentes de qualquer idade); na Polônia, muitos foram encaminhados para uma espécie de “ante-sala da morte”, o campo de concentração de Plaszow (inclusive os empregados da fábrica de Schindler).

Valendo-se das amizades com os integrantes da cúpula alemã, Schindler mostrou-lhes a dificuldade que enfrentaria pra manter o negócio, do prejuízo que teria por falta de mão-de-obra “especializada”, e, especialmente, do iminente “fechamento da torneira” (cessação das propinas destinadas aos graduados alemães) em razão do “stop” no faturamento, findando por convencê-los a liberar os presos durante o dia; à noite, voltavam pra dormir no campo de concentração (uma espécie de regime semi-aberto, como o vigente hoje no Brasil pra certos “privilegiados”).

No entanto, as coisas ficaram ainda mais negras para os alemães quando os russos, tal qual um rolo compressor incontrolável, avançaram através dos territórios dominados pelos germânicos. A ordem de Berlim, então, foi desativar às pressas alguns dos campos de concentração (Plaszow estava na agenda), via eliminação incontinente dos seus moradores, livrando, como sempre, tão somente os fortes, que pudessem empreender uma longa travessia na neve, rumo a outras unidades mais afastadas, onde mais cedo ou mais tarde também seriam descartados. 

E aí aflorou a “sensibilidade” do alemão Oskar Schindler. Testemunha ocular e diuturno dos abusos e barbaridades perpetradas por seus conterrâneos contra aquela gente humilde e sofrida, à qual findara por se afeiçoar no convívio diário, “escancarou o cofre”, pegou até o último centavo da imensa fortuna que houvera amealhado (pra “usufruir os prazeres da vida”, lembremo-nos), corrompeu o “novo chefe alemão” de plantão e “comprou” a liberdade de cerca de mil e duzentas pessoas, devidamente relacionadas em diversas laudas de papel, naquela que posteriormente ficou mundialmente conhecida como a “lista de Schindler”.

Transportou-os para a sua cidade natal - Brinnlitz – onde “inventou” uma fábrica de “projéteis pra armas militares” (na realidade, apenas para mantê-los ocupados, já que sem nenhum “know-how” na atividade); tanto que, em off, dizia claramente que se sentiria... “terrivelmente frustrado se algum daqueles projéteis servisse pra matar alguém”.

Com o fim da Guerra e a vitória dos aliados, o alemão Schindler teve que fugir e acabou se livrando de ser preso em razão de portar um documento subscrito por aqueles 1.200 judeus que salvara, onde atestavam a grandiosidade do que ele havia feito. 

Alfim e no crepúsculo da vida Schindler teve que ser ajudado pelos seus Schindlerjudes (“Judeus de Schindler") – aqueles cujas vidas ele salvou durante a guerra. 
Em 1963 Schindler recebeu a designação de “Justos entre as nações” concedida pelo governo de Israel. Morreu em 09 de Outubro de 1974 e posteriormente teve o corpo transladado da Alemanha para Jerusalém e enterrado no Monte Sião sendo o único membro do partido nazista a merecer tamanha honraria. Ainda hoje é tido como um “herói israelense”.

Uma particularidade marcante: certamente que visando estabelecer uma espécie de “simbiose” com a “negritude” que foi o aterrorizante período nazista, o filme de aproximadamente 03 horas de duração foi rodado em “preto-e-branco” e, só nos últimos 5/10 minutos, nas cenas em que alguns dos antigos componentes da “Lista de Schindler” (ainda vivos em Israel), prestam-lhe uma comovida homenagem, ao depositar um pequeno pedaço de pedra sobre o seu mausoléu, na tela repentinamente afloram as cores, o colorido, a vida, enfim, como a anunciar que os tempos são outros.

Sem dúvida, um filme tocante, sensível, de balançar e mexer com a estrutura de qualquer ser humano  (A Lista de Schindler).




terça-feira, 21 de julho de 2015

"FLORES RARAS" - O FILME - José Nilton Mariano Saraiva

“Flores Raras” (baseado em fatos reais) é a tal prova cabal de que nós, brasileiros, já conseguimos, sim, produzir com extrema competência, filmes adultos, sérios e - mais importante - de qualidade indiscutível.

Produzido e dirigido pelo consagrado Luiz Carlos Barreto e tendo no papel principal uma Glória Pires madura e simplesmente exuberante, trata da intensa e sofrida relação homossexual entre a arquiteta carioca Lota de Macedo Soares (Glória Pires), uma das responsáveis pela construção do Aterro do Flamengo, no Rio, e a poetisa americana Elisabeth Bishop. 

É que esta, buscando fugir do estresse do dia-a-dia de Nova Iorque, decide aceitar o convite de uma contemporânea de faculdade (que se mudara para o Brasil), para conhecer o Rio de Janeiro. Extremamente tímida, introvertida e recatada, em aqui chegando se surpreende ao notar que a ex-colega “vivia” com uma outra mulher, Lota Macedo.

Despachada, autoritária e mandona, Lota Macedo não fazia nenhuma questão em esconder sua atração por pessoas do mesmo sexo. E a paixão por Elisabeth foi instantânea, como que a adivinhar que por detrás daquela timidez, introversão e recato excessivos se escondia um autentico “vulcão” prestes a entrar em atividade. E não deu outra: na primeira saída a sós (por ela provocada) e num recanto paradisíaco (Teresópolis), um inesperado beijo na boca e... deu-se a erupção... fiat lux.

Daí pra frente a paixão só cresceu, ao ponto do ciúme da ex-amante ter que ser debelado com a adoção de uma criança e a abertura definitiva e sem rodeios do jogo: sim, a bola da vez, agora, era Elisabeth (que com ela passou a dividir a cama).

Viveram intensamente a paixão e cresceram profissionalmente em suas respectivas atividades (Elisabeth chegou a ganhar o concorrido prêmio Pulitzer, por um poema que lá atrás houvera dedicado a Lota) até que deu-se a “fadiga do material”: convidada para lecionar numa faculdade americana, Elisabeth resolve aceitar, mesmo com a não concordância e o protesto veemente da companheira (que chega a lhe oferecer mundos e fundos, tal o medo de perde-la).

Acostumada a mandar, desmandar e jamais ser questionada, com a viagem da companheira à sua revelia, Lota Macedo acusa o golpe: entra em um penoso processo depressivo, alimentado pela saudade, daí o consumo excessivo de álcool e drogas. Suas cartas não têm resposta, simplesmente porque a ex, que fora rejeitada, não as encaminha. A degradação é visível e impressionante (que maquiador fabuloso).

Após certo tempo, ao tomar conhecimento, por acaso, do estado crítico da ex, Elisabeth (já com outra amante, uma aluna bem mais nova) se manda de lá pra cá, a fim de socorrê-la; e aí, novamente juntas, as duas descobrem que “não dá mais liga”, alguma coisa se perdera pelo caminho, o sonho acabara, esvaíra-se, escafedera-se.

Alfim, por não admitir o fracasso, e visando livrar-se daquele calvário que já lhe atormentara excessivamente, Lota Macedo põe fim à própria vida ao ingerir um generoso coquetel de medicamentos com whisky. Mesmo condoída e consciente de ter sido responsável por aquele ato extremo, Elisabeth volta para os braços da amante americana.

Resumindo: independentemente dos preconceitos que decerto hão de surgir, um filme adulto, sério e que merece ser visto com extremada atenção. E com um adendo: é brasileiro, sim, com locação na sua maior parte em Teresópolis, contando com uma atipicidade: os diálogos em inglês e legendado em português. 



segunda-feira, 20 de julho de 2015

O "PIANISTA" DE VARSÓVIA - José Nilton Mariano Saraiva

Com a invasão da Polônia pelos nazistas, os judeus poloneses foram segregados no “Gueto de Varsóvia”, onde enfrentaram a fome, o frio, o abandono, a tortura e humilhações de toda ordem, levando-os a um corrosivo processo de aniquilação físico-psíquico-moral. A esperança de que os aliados logo chegassem para por fim àquele diuturno martírio foi paulatinamente arrefecida, ante o sadismo, a carnificina e à seqüência de horrores praticada pelos alemães.

Para que lições fossem extraídas daquele momento dantesco, Roman Polonski, ex “morador” do tal gueto (de onde milagrosamente conseguiu fugir), houve por bem legar à posteridade um “testemunho-reconstitutivo” daquela época, ao produzir o monumental filme “O Pianista” onde, sem fugir dos horrores vivenciados pelos poloneses, centra a narrativa numa tradicional família classe média (pai, mãe, dois irmãos e duas irmãs).

À trama.

Após a invasão da Polônia pelos alemães, literalmente forçados a tomarem um trem que os levará para uma tal de “higienização” (em verdade, para o campo de extermínio de Treblinka) milhares de polacos, a família Szpilman entre eles, é o próprio retrato da impotência e do desespero.  Wladyslaw Szpilman, um dos irmãos, famoso pianista da Rádio de Varsóvia, no último momento, mesmo à revelia, é posto de lado por um policial polonês amigo de infância. E vê, desesperado, pai e irmãos irem ao encontro da morte. 

E aí aumenta o seu martírio. Sozinho no mundo, desempregado, sem eira e nem beira, sendo obrigado a carregar a “prova” da inferioridade da raça judaica (uma faixa no braço com a Estrela de Davi), Szpilman torna-se um morto-vivo a zanzar entre escombros e cadáveres.  Recolhido ao “Gueto de Varsóvia” e obrigado a trabalhar numa unidade alemã, toma conhecimento e se engaja na formação de um grupo de resistência aos alemães. Antes que sejam descobertos e dizimados, Szpilman, com a ajuda de conterrâneos não judeus consegue fugir do gueto e é “escondido” no mais improvável dos abrigos: um apartamento localizado exatamente no “coração da toca do leão” (em frente a um Hospital alemão e vizinho da sede da Polícia nazista). Da janela, assiste ao impiedoso massacre e à aniquilação do gueto onde habitara. Com a passagem do tempo, finda sendo descoberto por uma vizinha alemã; doente e desnutrido, foge e volta a zanzar pelas ruas.

Mas o destino de Szpilman apronta-lhe uma surpresa: à procura de comida no que sobrou de uma suntuosa mansão, é descoberto pelo solitário capitão alemão Wilm Hosenfeld que, surpreendentemente cordato, lhe interroga amistosamente. Ao sabê-lo “pianista” profissional, desconfiado coloca-o frente a um piano que, sem nenhum arranhão, escapara das bombas nazistas e pede-lhe que... "toque". E aí, Szilpman, mesmo com sede e faminto, parece entender ser aquele o seu “passaporte para a sobrevivência”, sua senha para a vida: e extraindo do âmago da alma uma força descomunal até então desconhecida, sob o olhar abismado do requintado oficial alemão mostra toda a sua maestria e competência no manejo do teclado do nobre instrumento (são exatos quatro minutos - uma eternidade numa projeção cinematográfica - de uma verdadeira aula de como se tocar piano).

Visivelmente sensibilizado, o capitão alemão não só NÃO O DENUNCIA, como o orienta a resistir um pouco mais, a manter-se escondido, já que os russos se encontravam às portas da cidade e os alemães teriam que bater em retirada. Pra eles, alemães, a guerra acabara. Oferece-lhe o próprio casaco para amainar o frio e volta outras vezes trazendo-lhe comida e pondo-o a par do desfecho do confronto.

Com a retomada da Polônia pelo exército russo, Szpilman finalmente sai da toca e quase se dá mal por se achar “embrulhado” no casaco do “amigo” alemão. Feito os esclarecimentos, é reconhecido como um polonês e saudado efusivamente por ter sobrevivido ao extermínio nazista.

Após tudo normalizado, volta à Rádio de Varsóvia e retoma sua verdadeira identidade de... “PIANISTA”. Morreu em Varsóvia em 2000, sem que antes tenha conseguido “PAGAR” uma dívida tanto antiga como eterna: conseguiu que o "amigo" alemão, capitão Wilm Hosenfeld, que lhe salvou a vida, fosse postumamente honrado... pelo poloneses.

Um filmão, filmaço, obra de arte, ou qualquer outra definição que lhe seja mais apropriada.

sábado, 18 de julho de 2015

Vida transformada pela... "música" - José Nilton Mariano Saraiva

O “click” do destravamento da estranha coleira mecânica (e sua posterior remoção do pescoço) representava a senha para que aquele aparentemente tímido e frágil ser humano se transmutasse numa fera ensandecida, capaz de aniquilar quem encontrasse à frente. Na verdade, desde a meninice o pacato e “desligado” Danny (Jet Li) que experimentara precocemente a orfandade, fora exaustivamente treinado e programado (por um suposto “tio”) com um objetivo específico: nas arenas da vida, tornar-se uma potente arma de guerra, autentico matador profissional, capaz de trucidar o adversário em segundos, em troca de algum dinheiro. Ao final de cada combate, dinheiro no bolso do “empresário” e o retorno à jaula que lhe servia de moradia, à comida racionada e às humilhações de sempre. Um cachorro vadio e desprezível, na completa acepção do termo.

Mas quando, em razão de um grave acidente (e a presumível morte do seu “tutor-tio”), o “encoleirado” Danny se vê sozinho no mundo, perambulando sem rumo pelas ruas, repentinamente é atraído pelo som de um piano; e aí ele conhece Sam (Morgan Freeman) que, apesar de cego, é um exímio afinador do instrumento.

Desprovido da visão, mas dono de uma apurada acuidade extra-sensorial, Sam detectara a presença de Danny no ambiente, estimulara-o a aproximar-se, pedira sua ajuda no manuseio de algumas teclas do piano e, ao final da conversa que fizera questão de provocar, convencido de que tratava de alguém de boa índole (mas sozinho no mundo, sem eira e nem beira), convidara-o para ir morar em sua casa. Lá, o encontro com Victória, enteada de Sam, aluna-concludente de um dos mais respeitáveis conservatórios de música (piano) dos Estados Unidos.

Pacientemente, os dois deixam que Danny aos poucos se liberte dos seus medos e apreensões, das suas angústias e temores e finde por integrar-ser à “nova família”, até porque, segundo ouviria de Sam a posteriori, “as famílias devem permanecer unidas”; e assim, aos poucos, acompanhado por Sam ou Victória, Danny começa a descobrir os prazeres da vida, em coisas e situações aparentemente banais ao mortal-comum: tomar um sorvete e saber que é gelado, ir a um supermercado e detectar quando uma fruta se acha madura e, até, que um beijo na face, lhe dado por Victória em forma de saudação, é “molhado” e “gostoso”. Definitivamente, aquela era a “sua família”.

De outra parte, os ensaios de Victória ao piano, em pleno recinto familiar, além de deixá-lo embevecido e extasiado, repentinamente o levam de volta ao passado e, via fragmentos memoriais, imagens começam a “pintar no pedaço”. E aí ele obtém a resposta do “porquê” da sua atração pelo piano: sua mãe fora pianista. Ajudado por Sam e Victória (através de um “retrato” que guardara e pesquisas posteriores), descobre não só a identidade materna, mas que fora uma pianista consagrada e famosa.

Nisso, numa prosaica visita a um supermercado, eis que Danny é reconhecido por um dos comparsas do “tio” (que ele julgara morto e que o transformara num autentico animal); descobre, então, que o próprio havia sobrevivido ao acidente e se vê “convidado” a comparecer à sua presença, imediatamente (sob a ameaça de que, não o fazendo, descobririam seu endereço e seus atuais protetores sofreriam as conseqüências).

Volta, contrariado; e é obrigado a recolocar a coleira e, mesmo afirmando não mais querer matar ninguém, é jogado numa arena onde cinco profissionais, usando instrumentos contundentes, começam um autentico “massacre”; por instinto de sobrevivência, a “fera” ressurge em todo o seu esplendor e fúria e assim Danny acaba com todos eles. Foge e, ferido, arquejante e cambaleante procura o abrigo de Sam e Victória, até porque “as famílias devem permanecer unidas”.

Em pouco tempo e com surpresa, descobre que os velhos amigos (o “tio” à frente), já haviam descoberto seu “esconderijo” e, agora, subiam os lances de escada dispostos a trucidar com todos eles.

Após colocar Sam e Victória num local presumivelmente seguro, dá-se a última batalha: um a um os comparsas são abatidos, impiedosamente, só restando o “tio”; já caído ao chão após uma luta sangrenta, incitando-o a que ele (Danny) mostre ser o que realmente é - “só um assassino vulgar” – provoca-o mais ainda ao afirmar que sua mãe fora uma prostituta que lhe servira sexualmente em ocasiões diversas; e aí repentinamente, em feedback Danny revive a cena em que o “tio” matara sua mãe, à queima roupa, com um tiro na cabeça.

Ainda assim, naquele momento crucial, o humano se sobressai, a fera sucumbe aparentemente de forma inexorável e Danny terminantemente se recusa a assassiná-lo; não, ele não é “aquilo”. Pressentindo o perigo, o cego Sam sai do esconderijo e na base da pura intuição acaba com o marginal, ao acertá-lo com um vaso de plantas, na cabeça.

Cena final: no conservatório, ao receber seu diploma de melhor pianista, Victória, ao ser convidada pra mostrar suas habilidades, toma do microfone e anuncia que a música a ser executada é dedicada a alguém muito especial que se encontra na platéia e por quem tem muito apreço; alguém cuja vida transformou-se quando encontrou a música.

Haja coração. Um filmão (Cão de Briga) !!!








sexta-feira, 17 de julho de 2015

"Sayonara" - José Nilton Mariano Saraiva

Se você, aí do outro lado da telinha, ainda não sabe, a palavra japonesa “Sayonara” significa “adeus” e serviu pra titular um dos grandes filmes românticos já rodados (vencedor de três Oscar’s). Tanto que naquela oportunidade a imprensa foi pródiga em elogios, destacando: “Um gigante entre os filmes” (The Film Daily), “Um filme de beleza e sensibilidade” (Variety), “Uma encantadora história de amor; um dos melhores filmes do ano” (Los Angeles Mirror News).

No filme, Marlon Brando (numa atuação soberba), interpreta o Major Lloyd Gruver, herói da Força Aérea americana, envolvido na guerra com a Coréia, e que repentinamente, após pousar, vindo de mais uma batalha aérea, toma conhecimento da sua transferência para a Base Militar Americana, no Japão; é que o futuro sogro (General Webster, comandante da base) já lá se encontra com toda a família e, temendo pela vida do futuro genro, parece pretender “agilizar” a união da filha com o “major-herói”. Como os militares americanos eram terminantemente proibidos de se relacionar com as mulheres orientais, e o Major Gruver um dos mais ardorosos defensores de tal (pre)conceito, o caminho praticamente estava pavimentado.

As coisas começam a mudar quando o Major é convidado pelo amicíssimo recruta Joe Kelly (seu subordinado e a quem não podia faltar), pra ser padrinho do seu casamento... com uma japonesa, numa cerimônia simples em pleno recinto da Embaixada americana, lá no Japão (por tal atitude, posteriormente foi advertido pelo futuro sogro).

Enquanto no convívio diário com a noiva as coisas começam a “azedar” em razão das diferenças só agora descobertas, a função burocrática, à qual não estava acostumado, começa a lhe “encher o saco” (e a paciência).

Pra espairecer, e como não tinha mesmo nada pra fazer, ele aceita o convite de um colega pra visitar na cidade vizinha a cerimônia de “passagem” por uma trilha, rumo ao teatro, das jovens mulheres componentes do balé feminino mais famoso do Japão, o Matsubayashi. E foi aí que o “cupido o flechou”, ao colocá-lo à frente da beleza suave e ao mesmo tempo estonteante de Hana-Ogi, a principal estrela da companhia. Tentou chamar-lhe a atenção, sem sucesso, mesmo envergando a vistosa e bela farda militar (as mulheres japonesas eram também proibidas de se relacionar com os americanos). Assistiu ao espetáculo no teatro, voltou nos dias seguintes e, sempre do mesmo posto de observação, tentava pelo menos conseguir algum olhar piedoso de Hana-Ogi. Nadica de nada. Já cansado e desestimulado com tanto desprezo, resolve observá-la (na “passagem”) de um outro ponto. E aí, a surpresa. Enquanto dava autógrafos aos fãs, Hana-Ogi timidamente levanta a vista e dirige seu olhar para onde ele sempre ficava; não o encontrando, permite-se um giro de 180 graus com a cabeça, à sua procura.
Xeque-mate (sim, havia esperança).

Através da esposa japonesa do amigo Joe Kelly, consegue marcar um encontro secreto com Hana-Ogi (na casa do recruta); na oportunidade, fala, fala, fala e ela, bela e angelical, sem pronunciar um pio, uma única palavra. Visivelmente encabulado, ele lhe diz que não sabe mais o que fazer e, só então, ela “abre o verbo”: que seus pais foram mortos pelos americanos, que ela mesma fora criada com a quase obrigação de detestar os americanos, mas que, agora (que bela surpresa)... estava apaixonada por ele, um americano. E a partir de então passam a se encontrar às escondidas e viver intensamente aquela paixão explosiva.

Com o suicídio do recruta Joe Kelly e a esposa (grávida), em razão da sua remoção ex-offício para os Estados Unidos (desacompanhado da mulher), o Major Gruver “chuta o pau da barraca”: acaba o noivado com a filha do General, lhe diz da sua intenção de também casar com uma japonesa e recrimina aquele preconceito absurdo (do qual ele era um dos defensores, lembremo-nos); de pronto é ameaçado de expulsão da Aeronáutica pelo ex-quase-futuro sogro (que ainda teve o dissabor de ver a filha, ex-noiva do Major, sair de casa anunciando que iria viver com o afeminado principal dançarino de um dos balés do Japão). 

Para não prejudica-lo, Hana-Ogi foge para uma outra cidade, sem comunicar-lhe, deixando-o ensandecido. Ao descobrir onde ela se acha, vai ao seu encontro e, após o espetáculo, no camarim, lhe diz que renuncia a tudo por ela e, principalmente, que está pra ser aprovada uma Lei americana acabando com tudo aquilo; lhe dá um prazo de alguns minutos para que decida se topa ou não ir com ele para a América, naquele mesmo dia. Retira-se e, do lado de fora, cercado pelos principais integrantes da mídia nipônica, aguarda ansioso que ela apareça. Tensão, expectativa...

No último segundo, Hana-Ogi surge risonha, belíssima e esplendorosa e corre para os seus braços; quando os repórteres e jornalistas pedem pra o Major Gruver deixar alguma mensagem ao povo japonês, sucintamente ele responde: “diga-lhes que eu lhes disse... SAYONARA”. The End.

Nota 1000. Um "filmaço"






quinta-feira, 16 de julho de 2015

O Voo Oblíquo de Marilu

J. Flávio Vieira

                                               O retorno de Marilu , algo inesperado, causou um reboliço danado no Sítio Bréa. Tinha sido uma das primeiras moças a sair dali,  para trabalhar na cidade grande. Ainda adolescente, meio rebelde, andou brigando com a família, por conta de uns namoros fora dos padrões breenses  e, aumentando o conflito, preferiu , de comum acordo com os pais, partir para um voo solo em Matozinho. Marilu tinha lá seus dezoito aninhos e carregava consigo aqueles arroubos típicos da idade. Bonitinha, atirada, arranjou um emprego de doméstica na casa do Coronel Anfrízio Arnaud. Trabalharia durante o dia e , à noite, estudaria no Colégio Municipal Pedro Cangati.  Mais de três anos já se tinham escorrido,  quando a notícia da volta da filha pródiga espalhou-se pela Bréa. As colegas de Marilu se alvoroçaram. Tinham-na como um ídolo e aquele regresso imprevisto trazia junto uma fatia de desilusão. Mundo aberto à frente, todas as amigas carregavam consigo a possibilidade de um dia plainarem  igual a Marilu. O aparente fracasso dela, assim, esparramava uma certa frustração na alma de todas. O que teria acontecido ? Seria o mundo lá fora tão inóspito ?
                                   Na primeira oportunidade, procuraram Marilu. Queriam matar a curiosidade e, também, saber as novidades da cidade grande que só recebiam pelo Rádio. Muitas sonhavam em varar o mundo, seus sonhos dourados de adolescente não cabiam nas fronteiras opressivas daqueles cafundós.  O aparente fracasso da desbravadora , de alguma maneira, as angustiava . O que tinha dado errado na travessia de Marilu ?  Conversa vai, conversa vem, após quebrar-se o gelo que a ausência terminou por acumular, a entrevista transformou-se num papo de comadres, como nos velhos tempos.
                                   A desbravadora contou detalhadamente a vida em Matozinho. Havia um visível deslumbramento em cada detalhe que ia explanando. Guardadas as devidas proporções, para quem o universo se resumia à Bréa,  Matozinho investia-se de ares de metrópole. Marilu contou que trabalhava duro durante o dia, ia à Escola à noite e voltava ali por volta das dez horas. Nos fins de semana ia à missa e frequentava a praça da matriz. Algumas vezes foi a alguns sambas numa palhoça que foi inaugurada perto do açude do Sabugo. Fez amizades com algumas colegas de classe, já desarnadas e metidas na vida boêmia. Através delas,  tomou conhecimento de uma Buate de nome Arupemba , recém inaugurada. Lá se tocava uma musicazinha mais antiga, à media luz. A clientela masculina era basicamente de goiabões que dançavam animadamente com as meninas e pagavam tudo. Marilu, então, começou a fugir de casa, depois que os patrões pegavam no sono e voltava de manhãzinha, antes que Anfrízio metesse dos pés e pedisse o café. Tudo ia bem, até que um belo dia o patrão teve uma crise de asma à noite, procuraram , de urgência, a funcionária pra fazer um chá de camomila e cadê? Lugar mais limpo ! Descoberta a mutreta, Marilu teria sido peremptoriamente demitida.
                                   Transcrevemos aqui um pequeno fragmento da entrevista daquele dia fatídico que marcou o retorno de Marilu após a expulsão do Paraíso.
                                   --- Marilu, Matozinho é muito grande ?
                                   --- Marr menino !  Aquilo é um despautério, dá uma trinta Bréa encangada uma na outra...
                                   ---  Por que diabo é que te expulsaram da Casa do Coronel ?
                                   --- Eu tava fugindo de noite pra ir  me divertir na Boite Arupemba!
                                   --- Buate ? Que diabo é Buate , Marilu ?
                                   --- É assim como um Cabaré, mas  metido a besta. A gente dança com um monte de velho estribado. Eles pagam tudo ! Mas é lugar de respeito, nada de escandelo por lá !
                                   ---  E depois ? Nada de putaria ?
                                   --- Depois a gente ia com os velho prum tal de Moté.
                                   --- Moté ? Que bicho é esse, Marilu ?
                                   --- É assim um albiente que tem umas cama redonda, uma luz vermelha...  
                                   --- E o que vocês iam fazer lá com os velho ?
                                   --- Chegando lá, eles tiravam a roupa e nós também. E ficava ali naquele esfrega , esfrega... Depois eles até davam um dinheirinho pra gente ...
                                   ---- Esfrega, esfrega ? Nada  de vuco-vuco ?
                                   --- Não, os velhos eram muito respeitadores. Eles só pediam pra gente fazer capitão no pênis deles ...
                                   --- Pênis, Marilu ? Pênis ? Que bicho dos seiscentos é esse  ?

                                   --- Acho que pênis é o apelido do cacete de velho. É  igualzinho a uma rola, só que é mole, mole...