TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

domingo, 20 de outubro de 2024

 

UM SIMPLÓRIO QUESTIONAMENTO - José Nílton Mariano Saraiva

Concretamente, a desfaçatez de uma pessoa pode ser medida ou avaliada pela sua falta de recato, pela sua insolência, pela sua indiferença à moralidade e por não manifestar nenhum constrangimento em mentir despudoradamente para o público. Em suma, pela falta de respeito ou consideração pelos outros.

E aqui permitimo-nos situar o último debate entre os prefeituráveis de Fortaleza, quando o candidato André Fernandes, ao ser questionado pelo opositor Evandro Leitão se era verdadeira a notícia corrente de que já teria convidado a Capitã Cloroquina para cuidar da saúde do povo de Fortaleza.

Na oportunidade e, encarando a câmara, de pronto ele negou enfaticamente, além de assegurar que o seu presumível secretariado ainda não tinha sido montado, que um colegiado teria tal incumbência e que, portanto, ninguém houvera sido convidado.

Como não é crível (diríamos convictamente que até impossível) que uma pessoa de 26 anos (André Fernandes) seja portadora da terrível doença conhecida por “Mal do Alzheimer”, o que o vídeo que todos tomamos conhecimento, dia seguinte, pela TV, causou estupefação generalizada, deixando-nos literalmente de queixo caído.

É que ali, ao vivo e a cores para todo o mundo (afinal a Internet tá aí pra isso mesmo), André Fernandes aparece junto à Capitã Cloroquina (médica Mayra Pinheiro), apresentando-a como a pessoa que irá cuidar da saúde do fortalezense num seu futuro governo. Em seguida, passa-lhe então a palavra e ela não titubeia em afirmar, peremptoriamente, que houvera sido convidada, sim, pelo futuro prefeito e que já aceitara o desafio (é bom não olvidar que a médica pediatra Mayra Pinheiro foi uma das envolvidas na tragédia ocorrida em Manaus durante a pandemia, ao prescrever e obrigar, inclusive para crianças, o uso do medicamento cloroquina, não recomendado pela Organização Mundial de Saúde-OMS e por cientistas de todo o mundo).

O simplório questionamento, que não quer calar é: quem é mesmo o candidato André Fernandes ??? Aquele que no dia anterior negou de maneira incisiva e contundente, para milhões de telespectadores, não ter convidado a Capitã Cloroquina para o seu secretariado, quando questionado pelo oponente Evandro Leitão ???

Ou seria aquele que, de sorriso largo e aberto, e aparentando felicidade extrema, literalmente desdisse o que disse no debate e, portanto, mentira, sim, para a população ???

Alfim, um pequeno lembrete: no dicionário, aprendemos que: “DESFAÇATEZ é um substantivo que se refere à falta de vergonha, descaramento ou ousadia desmedida diante de uma situação em que seria esperado algum recato ou modéstia. É frequentemente usado para descrever atitudes insolentes ou comportamentos que demonstram uma indiferença deliberada às normas sociais ou à moralidade”.

Portanto, aqui não caberia a perspectiva de um possível Alzheimer para justificar tal desencontro, mas, caberia sim, a tentativa de usar meios ilícitos para ludibriar seus próprios adeptos. O que poderia ser rotulado de covardia.  

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Post Scriptum:

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa progressiva que afeta o cérebro, causando deterioração das funções cognitivas, como a memória, o raciocínio, a linguagem e a capacidade de realizar tarefas cotidianas. A DOENÇA DE ALZHEIMER É MAIS COMUM EM PESSOAS IDOSAS. E É ABSOLUTAMENTE IMPOSSÍVEL DE ACOMETER JOVENS, COMO O ANDRÉ FERNANDES.

sábado, 19 de outubro de 2024

DA “VERDADE FACTUAL” NÃO SE FOGE - José Nílton Mariano Saraiva

A Internet (de domínio público) não perdoa. Dias atrás, foi veiculado um vídeo de teor eminentemente escatológico, onde o agora candidato à prefeitura de Fortaleza, André Fernandes, ainda na adolescência mostrava aos seus adeptos, pormenorizadamente e de forma didática, como proceder para “depilar” sua parte baixa, traseira (glútea).

Imediatamente, lá no sul/sudeste do país, os conceituados jornalistas José Roberto de Toledo e Kennedy Alencar, vinculados a jornais e sites de projeção nacional, cognominaram aquele momento, no site da UOL, como... “raspa cu” (tal vídeo também se acha disponível na Internet).

No mesmo vídeo, essa mesma figura (André Fernandes) mostra sua porção maldosa e extremamente preconceituosa para com as mulheres, em geral, ao “apunhalar” com incontida e desmedida fúria um pedaço de papelão, sem que antes alerte que aquela simplória peça na realidade representaria uma pretensa namorada.

Mais adiante, ainda no mesmo vídeo, tal figura atinge o clímax, quando aspira, rapidamente e com uma ânsia incontida, uma fileira de um pó branco não identificado, mas que supostamente somos tentados a acreditar tratar-se de algo de teor alucinógeno.

Posteriormente, confrontado com a “verdade factual”, a figura em questão não negou sua veracidade, mas simplesmente limitou-se a afirmar que o tal pó branco que profundamente aspirou, se tratava, na realidade, de sal, puro sal (algo difícil de acreditar, porquanto qualquer pitada de sal provoca no ser humano o aumento geométrico da pressão arterial, podendo até levar a óbito imediato). E ele está aí, vivinho da silva (e mentindo muito). 

Aqui, um adendo: a expressão “verdade factual” é usada para cognominar... “algo que é verificável e baseado em fatos objetivos, ou seja, informações que podem ser confirmadas por meio de evidências concretas ou observação”.

Essas verdades (no caso específico um vídeo com imagem e som) não dependem de opiniões pessoais, crenças ou interpretações subjetivas, mas de realidades que podem ser constatadas independentemente das percepções individuais.

No mais, se alguém tem alguma dúvida o vídeo está disponível na Internet; confiram e formem seu “juízo de valor” sobre referida figura.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

 ANDRÉ FERNANDES: NEGACIONISMO E INCOMPETÊNCIA – José Nílton Mariano Saraiva

Ao alvorecer do ano corrente, quando ainda se apresentava como pré-candidato à prefeitura de Fortaleza, o bolsonarista-raiz André Fernandes anunciou com estardalhaço desmedido que a médica cearense Mayra Pinheiro seria sua secretária de Saúde caso fosse eleito. Sem dúvida, uma sinalização preocupante sobre o tipo de gestão caótica e irresponsável que pode estar por vir.

Fato é que, se confirmada a escolha de Mayra Pinheiro para a Secretaria da Saúde de Fortaleza, teremos um sinal eloquente de que nossa capital pode ser jogada de volta ao mais sombrio negacionismo que marcou o Brasil durante a pandemia, porquanto tratar-se de uma gestora que já, didática e comprovadamente, demonstrou desprezo pela ciência e uma devoção cega a ideologias ultrapassadas, custando vidas e jogando a saúde pública no abismo.

O Brasil todo sabe, inclusive o próprio André Fernandes, que Mayra Pinheiro surgiu no cenário nacional como secretária do Ministério da Saúde no caótico governo Bozo, e personifica tudo o que deu errado no combate à Covid-19, no Brasil.

Assim, enquanto o mundo todo lutava contra a pandemia com base em evidências científicas e orientação de especialistas, Mayra Pinheiro se dedicou ferozmente à promoção de medicamentos comprovadamente ineficazes, como hidroxicloroquina e vermicidas. Sua defesa obstinada desses tratamentos, sem qualquer respaldo científico, contribuiu diretamente para a desinformação em massa, colocando a vida de milhares de brasileiros em risco e matando outras centenas de milhares.

Como olvidar, por exemplo, a tragédia da sua gestão na saúde pública, culminando na inaceitável crise do oxigênio em Manaus, em janeiro de 2021, onde a ineficácia e a irresponsabilidade foram elevadas a níveis horrorosamente apavorantes.

Assim, enquanto pacientes morriam asfixiados (e o então presidente Bozo grotescamente imitava-os em frente às câmaras de TV),   Mayra Pinheiro pressionava autoridades locais (de Manaus) a distribuírem o famigerado "kit Covid", composto por medicamentos sem eficácia comprovada.

Como se isso não bastasse, ela também esteve à frente do lançamento do aplicativo TrateCov, uma ferramenta bizarra que, inacreditavelmente, prescrevia esses remédios até para bebês.

Por tudo isso, fica explicitado, de forma contundente, que a escolha de Mayra Pinheiro para gerir a Saúde da nossa capital é um sintoma claro do tipo de governo que André Fernandes pretende implementar — um governo guiado por ideologias destrutivas e teorias sem base científica.

Fortaleza merece um futuro de saúde pública que priorize o bem-estar da população e a ciência, não um retrocesso carregado de negacionismo e incompetência tão comuns sob Mayra Pinheiro.

E não se esqueçam, nunca e em tempo algum, que referida figura (Mayra Pinheiro) achou por bem se vacinar, às escondidas, embora pregasse aos ignaros, de público, que fugissem da vacina.

Hipocrisia pura, na veia; blasfêmia, sem tergiversações, elevada ao cubo.  

domingo, 13 de outubro de 2024

 A PROPÓSITO DA POSSIVEL VOLTA (QUE PERSPECTIVA TERRÍVEL) DA “CAPITÃ CLOROQUINA” À CENA POLÍTICA CEARENSE, ATRAVÉS DO ANDRÉ FERNANDES, NÃO CUSTA LEMBRAR QUE

“O BRASIL DEMOROU DÉCADAS PRA CONSTRUIR UM DOS MELHORES PROGRAMAS DE VACINAÇÃO DO MUNDO, E FAZER UMA POPULAÇÃO INTEIRA CONFIAR NELA.
VIDA INTEIRA DE PROFISSIONAIS SÉRIOS E DEDICADOS À SAUDE, ATUANDO NOS BASTIDORES E NA LINHA DE FRENTE. MILHARES DE “ZE GOTINHAS” SUARAM NA FANTASIA EM INÚMERAS CAMPANHAS.
É UM ORGULHO NOSSO, SOMOS EXEMPLO PARA O MUNDO; PORTANTO, NÃO DEIXEM JOGAR ISSO FORA POR POLÍTICA E POR PESSOAS COM PÉSSIMA ÍNDOLE E INSTRUÇÃO PESSOAL, COM FORMAÇÃO SEVERAMENTE DEFEITUOSA DE MENTE, ALMA E CARÁTER”.
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A VOLTA DA “CAPITÃ CLOROQUINA” ??? - José Nilton Mariano Saraiva

Anos atrás, depois de fracassar na sua tentativa de chegar ao Senado Federal, mesmo com o apoio do então poderoso padrinho Tasso Jereissati, a médica pediatra cearense Mayra Pinheiro arranjou uma “boquinha” em Brasília e foi nomeada pelo então ministro Luiz Mandetta para um cargo comissionado no Ministério da Saúde (possivelmente por indicação do “gabinete do ódio”), já que bolsonarista de primeira hora.

Conhecida por sua intransigente defesa da cloroquina no combate ao uso da Covic 19, do tratamento precoce, da tese da imunização do rebanho, e por não ligar nem um pouco para o distanciamento social (bandeiras do “chefe”, o Bozo), logo recebeu a alcunha de “capitã cloroquina”.

Inimiga de primeira hora do PT, de Lula da Silva e Dilma Rousseff e seus seguidores, há diversas gravações e documentos onde a “capitã cloroquina” promove o “kit covid” e uma em que ataca os próprios colegas, além de  acusar a respeitável Fiocruz de ser um QG de esquerdismo e de “políticas LGBTI” na Saúde; também de ter a réplica de “um pênis” gigante em sua entrada e de financiar a ida de médicos e pesquisadores a Brasília para “andarem nus e fazerem cocô em crucifixos”.

Lá atrás, a Capitã Cloroquina também participou de deseducadas e barulhentas manifestações contra os médicos cubanos que, contratados pelo Governo Federal do PT para irem servir em áreas remotas do Brasil, não aceitas pelos médicos brasileiros (cerca de 800 localidades), se prestavam a isso.

Mais tarde, chamada a depor como testemunha na CPI da Covid, “amarelou” vergonhosamente ao apelar ao Supremo Tribunal Federal para que lhe concedesse uma habeas corpus desobrigando-a de ser responder às muitas perguntas que decerto lhe seriam feitas; não só conseguiu, assim como teve o direito de se fazer acompanhar por um advogado (o também cearense Djalma Pinto).

Como se previa, enrolou, gaguejou, embromou e só respondeu às perguntas que lhe eram convenientes, fugindo do essencial, além de negar a informação dada pelo próprio ministro de que fora ela responsável por um certo aplicativo, de resultados direcionados e únicos (tanto que quando descoberta a fraude logo foi retirado do ar).

Em 2008, ao participar do processo seletivo para professora de Neonatologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), foi desclassificada ainda na primeira fase, por incluir no seu “Currículo Lattes”, como se fosse de sua autoria, um artigo de uma colega médica (na oportunidade, covardemente culpou um servidor da instituição, que teria cometido um banal e simplório... “erro de digitação”).

É bom recordar tudo isso, nos dias atuais, já que o candidato à Prefeitura de Fortaleza, André Fernandes, anunciou, quando ainda era pré-candidato à Prefeitura que, se eleito, a CAPITÃ CLOROQUINA será a Secretária de Saúde da nossa capital.

Alfim, uma revelação chocante: a médica Mayra Pinheiro tomou a vacina, sim (assim como seu “chefe”, o Bozo), embora não a recomendasse aos mortais comuns.   

domingo, 8 de setembro de 2024

  ALGUÉM PODE CONFIRMAR SE É ISSO MESMO ???


Isso me lembrou de quando tive a infelicidade de me casar com uma viúva. Ela tinha uma filha, e meu pai, para piorar a situação, era viúvo. Ele se apaixonou e casou com a filha da minha esposa, então minha esposa era sogra do sogro dela, minha enteada virou minha mãe e meu pai ao mesmo tempo foi meu genro. Pouco depois, minha madrasta trouxe ao mundo um menino, que era meu irmão, mas ele era neto da minha esposa, então eu era avô do meu irmão. Com o passar do tempo, minha esposa trouxe ao mundo um homem que, por ser irmão de minha mãe, era cunhado de meu pai e tio de seus filhos. Minha esposa era sogra de sua filha. Eu, porém, sou o pai da minha mãe, e meu pai e sua esposa são meus filhos. Além disso, sou meu próprio avô.

(Fonte: INTERNET)

domingo, 25 de agosto de 2024

 

JOSÉ (Dr. Demóstenes Ribeiro)

O tio Afonso, atendendo ao pedido da minha mãe, acolheu-me ainda quase-menino em sua casa. Eram os anos quarenta, começara a fuga do campo e se tornara evidente que naquela região a vida rural não mais conduziria a nada. 

Embora vindo da roça, vi que eu era diferente. Tornei-me balconista da loja de tecidos e, com a doença do tio, logo passei a gerente. Daí, a inveja e a hostilidade que não pararam mais. 

“Cumpade” era uma preta velha corcunda e miúda, que morava nos fundos da casa do meu tio. Independente do gênero, a todos ela chamava assim, por isso esse apelido inevitável. Vestia marrom, era neta de escravos e agregada da família. Gostava de mim, me dava atenção e aliviava as minhas dificuldades. Muitos anos depois, quando ela morreu, com eterna gratidão e à beira do túmulo, lhe fiz a oração do adeus. Quase não havia ninguém no cemitério.

Certo dia, com a morte do tio Afonso, o clima tornou-se insuportável. Então, numa ousadia tremenda, me desliguei da empresa e, em sociedade com um primo, iniciei uma pequena loja. O “Armazém do Povo” ia bem e trouxe para a cidade um irmão mais novo que também prosperou no comércio. Restava o irmão caçula, ao qual eu também teria o dever de ajudar.

José, moço bonito e boa prosa, era chegado a uma cachaça e com ele as coisas nunca iam bem. A sua lojinha faliu e ele tentou o Rio de Janeiro. Achou que o parente importante facilitaria a sua vida na capital federal. Ledo engano. Logo estaria de volta e a dizer que o cearense só é feliz na sua terra.

Mudou-se para Juazeiro e logo se apaixonou por Silvana, uma filha do “Chico Boneco”, certo romeiro alagoano devoto do Padre Cícero, e que apresentava marionetes. O romance terminou em casamento. Na fotografia formavam um casal bonito, mas a vida real era só dificuldade. Zaira, a minha mulher, não gostava dela. 

Então, meses depois – eu não sei como -, ele se elegeu vereador.  As brigas e os porres eram constantes. Com o meu aval e um golpe de sorte, conseguira ser viajante de uma grande firma de tecidos do Recife – “Queiroz Campos Tecidos S.A.” Num Jeep Willis, percorria todo o estado. 

Um dia, levemente embriagado, veio nos visitar e levou meus filhos para tomar sorvete. As crianças nunca haviam provado essa delícia e hoje ainda guardam aquela lembrança inesquecível da infância. 

Até que, numa dessas viagens, virou o carro. A capota de aço salvou-lhe a vida, mas foi demitido, perdeu o jeep e passou a viver de biscates. Ganhava uns trocados vendendo discos e muitas vezes o ajudei comprando “Nelson Gonçalves, Ivanido, Zé Calixto” e outros mais que ouvíamos na radiola “Telefunken”, da qual eu era muito enciumado.

Ele também se virava exibindo filmes em pequenos cinemas do interior. Eram chanchadas ou faroestes. Trazia alegria com Oscarito e Grande Otelo, tiros e emoções com Audie Murphy e Randolph Scott. Certo dia, embriagado, convenceu o padre de um lugarejo a exibir “E Deus criou a mulher...”, com Brigitte Bardot, no salão paroquial. Seria um filme diferente sobre a criação do mundo - convenceu o vigário. Quando a loura apareceu nuinha, Ambrósia gritou é Satanás! As beatas afogaram o projetor em água-benta e ele saiu fugido, excomungado e nunca mais pode mostrar qualquer filme em toda a diocese.

O tempo nos afastou, porém, sabendo-o muito doente, resolvi visitá-lo. Trocamos reminiscências, sempre com o seu filho ao lado. Orgulhoso, na saída, encarou-me sério e falou: ele está se formando, logo teremos um médico. Muito obrigado por tudo. Como você vê, a minha vida não foi uma completa inutilidade.


Dr. Demóstenes Ribeiro é médico cardiologista, natural de Missão Velha, residente e atuante em Fortaleza.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Cara ou coroa ?

 

O certo é que aquela dúvida infeliz estava comendo  o juízo de Ernestino , como ferida braba, havia uma ruma de semanas. Tanto que o velho amofinou, andava mais calado e mais capiongo pelos cantos, com aquela cara de Sinhá-dona -quem-comeu-meu milho. Parecia gato assuntando  cheiro de Pittbull. Os amigos mais chegados diziam que nunca o tinham visto daquele jeito. Nem quando enviuvou  de D. Judite, uns dois anos atrás. E olhe que já lhe pesavam mais de oito décadas no lombo e, mesmo assim, a perda não lhe pareceu coisa do outro mundo, como de pronto se imaginaria. Foram mais de cinquenta anos de um casamento de altos e baixos em que os dois foram sustentando o andor mais pela força do hábito do que pelas vias da afeição. Os filhos, como inhambu,  à medida que foram empenando, levantaram voo e ganharam o mundo, espalharam-se Brasil afora, tangidos pela esperança inglória de melhores ares e melhores tempos. D. Judite e Ernestino , já sem muito combustível no tanque, enfrentaram o destino que lhes bateu à porta: uma pontinha de terra nas cercanias de Matozinho, uma casinha de campo, uma roçazinha dessas que anum atravessa de um voo, um açudeco que nem tirava um ano todo só de seca e um criatatoriozinho: galinhas, carneiros e umas  vaquinhas que destilavam o leite mugido da manhã.  A vida terrena dependia mais que nunca do céu. Ano de inverno farto, abasteciam o paiol prevendo os tempos de seca futuros. Quando o céu fechava suas torneiras, tinham o kit de sobrevivência no deserto: o paiol, o poço que dava água rasa , cavado no porão do açudezinho.  A partida de D. Judite deixou um Adão sem sua Eva no paraíso que lhes restou, aquele em que a árvore do bem e do mal perecera de sede e de fome.

                        Ernestino enfrentou com garra a perda. Vivendo naquelas brenhas, Morte e Vida sempre lhe pareceram faces de uma mesma moeda. E todo o dia o destino jogava Cara & Coroa. O passar dos dias, no entanto, lhe foi trazendo uma certeza: a solidão é um animal feroz. Sentiu-a invadindo seus dias, desbotando sua alma, assim como a cajarana de-vez fazia com seus dentes em tempos de safra.  Depois de uns seis meses, já tinha jurado seguir o caminho agora sozinho, descobriu que não seria tão fácil. Até os amuos e os lunduns de Judite faziam-lhe falta. Sozinho,  tinha ele que brigar com ele mesmo, chamar palavrões para a rapaz do espelho e, principalmente, não havia a quem contar a história nossa de cada dia, como se escrevesse na lousa com a mão direita e já viesse esfregando o  apagador com a esquerda.

                        Resolveu sair, novamente,  à caça e passou a frequentar a igreja , as quermesses e os sambas no pé da Serra do Sabugo. Jogada a rede de malha fina, uns seis meses depois, viu que tinha no landuá duas curimatãs. Uma mocinha de uns dezesseis anos, Fideralina,  bonita e espevitada, arisca como bico-doce em talhado de serra. Por falta de melhores partidos e sob influência de familiares, ela se botou pra cima de Ernestino, imaginando  alguma herança  e a pensão do Funrural. E, do outro lado, D. Afonsina , uma sessentona ainda escamurçante, rezadeira afamada de Bertioga, com fama de desentalar osso de goela de menino e curar picada de cobra pelo rastro. Afonsina tinha fama de mandona e dizia-se que o marido não a largara, mas teria desertado pra se livrar das ordens da marechala Afonsa. Ernestino estava nessa encruzilhada. A quem escolher? A juventude esvoaçante de Fidera ou as ordens do dia de Afonsina?

                        Depois do morde daqui assopra dali com Afonsa e Fidera, as duas começaram o cerca-lourenço por uma definição  do pretendente. Percebendo que havia disputa e dúvida, então, arregimentaram forças de lado a lado, convocaram corta-jacas e  fofoqueiras de plantão para espalharem fofocas e disse-me-disse e partiram para luta, cada qual com seu regimento.  Essas eram as razões pelas quais Ernestino, ultimamente, estava como preá acuado por cão perdigueiro.

                        Foi aí que lhe bateu  a ideia salvadora.  Pedir a opinião do Coronel Anfrízio Maia , homem sisudo e pragmático, membro da reserva da Infantaria Nacional e que tinha sido seu colega no Tiro de Guerra  218 de Matozinho. Ernestino partiu para a fazenda do coronel com aquela sensação de faraó que se dirigia ao Oráculo de Delfos. Anfrízio havia sido consultado previamente sobre a possibilidade de recebê-lo e, como sempre o fazia, em situações especiais, envergava seu fardão da Infantaria com várias medalhas dependuradas no peito. Recebeu-o sério ,mas amistosamente,  na varanda do casarão na Fazenda Malhada do Meio. Ernestino, então, lhe pôs a par da situação. Enviuvara e, mesmo já meio borocochô, tomara a decisão de casar novamente. Estava impossível empurrar o Jeep da vida sozinho. Apresentou, então, o perfil das duas pretendentes ao coronel e a dúvida atroz que o assaltava. Casar com a novinha espevitada ou com a velha passada na casca do alho ? Anfrízio fechou a cara por uns instantes, fitando o horizonte que se estendia para lá do verdume do canavial,  e, depois de alguns instantes, deu seu parecer:

                        --- Olhe, Ernestino, você me conhece e sabe que sou positivo como o cabo direito da bateria. Essa é uma situação melindrosa e prefiro não dar palpite. Quem lá diabos entende esse bicho esquisito chamado mulher?  Deixo a escolha e o risco com o amigo ! Boa sorte ! Seja feliz !

                        Ernestino pareceu meio desapontado, mesmo assim agradeceu a disponibilidade do antigo companheiro do Tiro de Guerra. Quando já ia saindo em busca do cavalo cardão que o esperava arriado no oitão da casa, o coronel o chamou:

                        --- Ernestino , boa viagem ! Se lembre rapaz que é muito mais fácil amansar burra nova braba do que tirar móca de uma égua velha, viu ?

                        E, enquanto o colega já passava o pé no estribo, concluiu:

                        --- De qualquer maneira, quem avisa amigo é ! Velho como tu tá, com essa cara que parece uma lata de assar castanha, Ernestino, montando em burra braba ou enfrentando mucica de égua velha: tu vai cair do cavalo !

 

Crato, 22/08/24