TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Yoñlu


Vínicius Gageiro Marques era um menino de 16 anos, alto e vistoso, aparentemente normal. Amava o Radiohead, os Mutantes e Vitor Ramil. Inteligentíssimo, um superdotado, tocava vários instrumentos e havia até gravado um CD com suas composições . Filho de um professor universitário do Rio Grande do Sul e de uma psicanalista foi educado em francês e falava fluentemente o inglês. Nas aulas, usava sempre os fones de ouvido, não escrevia nada e nem ouvia os mestres e simplesmente passava por média em tudo. Tirante isto Vinicius carregava consigo, inaparentemente, fantasmas e espectros que o perseguiam sem cessar. Fazia tratamentos especializados, mas por mais de uma vez tentara suicídio, até ter consumado o ato em 26 de Julho de 2006. Podia ser mais um destes casos desesperados de adolescentes autodestrutivos que têm pululado no mundo todo, não fosse por um pequeno detalhe. Vinicius vivia praticamente na Internet, num mundo virtual, talvez mais colorido e dourado que o real à sua volta. Teve, assim, uma ajuda direta, com acompanhamento pari passu do todo o processo, através de um site ( e existem já tantos !) que incentiva, acompanha e ensina meios mais práticos de se chegar à solução final. Uma espécie de Centro de Valorização da Morte. Yoñlu , este era o nome de Vinicius, no mundo virtual , projetou cuidadosamente todo o ritual do fim, com a ajuda de vários internautas anônimos que assistiram on line à sua asfixia por monóxido de carbono. E foi um destes amigos das sombras , no Canadá, que avisou à polícia que nosso Vinicius, por fim, tinha conseguido seu intento desesperado. O mais preocupante de tudo : o caso de Vinicius não é pontual. Existe uma verdadeira indústria de Suicídio.com na WEB. No Japão , em 2005, houve um aumento de 70% nos suicídios ligados à rede, 91 adolescentes se mataram. Em 2006 houve três episódios de suicídio coletivo de jovens( com treze mortes), combinadas na Internet. Na Grã Bretanha, no ano passado, foram constatadas vinte e sete mortes devidamente incentivadas pela rede mundial de computadores. A função de qualquer cronista , mesmo os rabo-de-galo como eu, é o de fuçar tendências, o de revolver o cascalho, como um garimpeiro paciente, tentando encontrar a pepita no fundo da bateia. A grande pergunta da atualidade é esta : Afinal que mundo estamos legando aos nossos filhos e netos ?Permitam-me encher um pouco o sábado de vocês com algumas elucubrações dolorosas. O aumento dos casos de depressão na humanidade , nos últimos tempos, é uma constatação científica insofismável. Estima-se , por outro lado, que mais de 60% da tragédia suicida se deve a episódios depressivos. Por que o planeta tem se tornado menos respirável ? Acredito que a questão é multifatorial , mas vou arriscar a pôr um pouco da minha goma neste angu indigesto. Primeiro a população planetária, desde a Revolução Industrial, tornou-se, paulatinamente, mais urbana que rural. Fomos perdendo o contato direto com a natureza que nos imantava continuamente de sua energia. Depois, vivendo em megalópolis, passamos a conviver com a mais terrível das solidões : a soletude da multidão. Os pais , assoberbados a cada dia pelo trabalho, não mais convivem os filhos que terminam sendo criados pelas creches, pela TV, pela Academia, pelo Computador. A sociedade de consumo iniciou uma corrida desenfreada em busca de um Shangrilá de superfície e são jogados todos nesta gincana desesperada. Não existem mais amigos, parentes, colegas, só guerreiros em contínua competição. Como em qualquer modalidade esportiva ,sempre são poucos os vencedores e muitos os perdedores. Vão se amontoando, pelas esquinas da vida, um sem número de inconformados que não conseguiram galgar o Everest de suas aspirações grandiosas, seja porque não aceitaram as regras do jogo ,seja por não se adaptarem aos critérios draconianos. Um mundo profundamente materialista não tem lugar para os artistas, os espiritualistas, os poetas. Depois, com a globalização das informações, começamos a vivenciar não só nossas agruras domésticas , mas os infortúnios de todos desta terra. Em tempo real , nos espantamos com o 11 de Setembro e com a carnificina iraquiana. As relações tornaram-se muito mais distantes e como no Second Life , todos passaram a ter duas vidas: ora Vinicius, ora Yoñlu. Sequer conheço meu vizinho ao lado, mas converso com uma moça em Copenhague todo santo dia. A comunidade onde vivo e onde devo agir como ser político não é mais minha cidade , meu estado, meu país, mas várias outras do Orkut, do tipo : “Odeio defecar fora de casa”. Talvez, por isto mesmo, por tanta impessoalidade, tantos loucos nos Estados Unidos chacinam colegas e professores em escolas, como se estivessem participando de um Videogame , como o DOOM ou GTA. E , pelos mesmos motivos, tantos loucos incentivem e ajudem a destruição de tantos atormentados planeta afora. Neste espaço de sombras, a confiabilidade é mínima, as pessoas impalpáveis e, neste vale de sombras, falta o toque e o olho-no-olho. Terminamos todos solitários, agora em dois mundos : o virtual e o real, em ambos, perfeitamente descartáveis.
O suicídio de tantos jovens é uma espécie de enigma da esfinge dos nossos tempos. Precisamos, desesperadamente, descobrir como criar um mundo mais palatável para os Vinicius que virão. Talvez, assim, eles não precisem buscar as sombrias e nebulosas paragens pelas quais um dia trilhou um atormentado Yoñlu.

J. Flávio Vieira

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O MEU CRATO É SEMPRE ALGO MAIS



O Crato é um caleidoscópio. Ao girar o tubo, novas cores se associam, outras figuras se formam. Quem faz o tubo girar é a mão veloz das gerações humanas. A cada uma delas se permitem novas imagens. Imagens formadas por seus logradouros, largos, praças, locais do conteúdo vivo de cada moda, alguma mediana, daqueles que se diferenciam em razão do desvio padrão. Cada um pode dizer como são ou foram as imagens de sua geração. Falo da minha, considerando que afinal de contas é um ponto de vista. Uma mirada do panorama.

Entre minha casa e a estrada principal, uma ponte sobre o rio. Aquela construção de ferro, cimento e pedra, era um esparadrapo sobre o corte profundo das águas. Sob ela o leito seco e branco de areia lavada, o desprendimento de massas líquidas fenomenais, zoando por sobre todos os sons e alagando suas margens complacentes. Nesta ponte engenheiros da SUDENE implantaram um linígrafo para quantificar a vazão das águas. Para sempre a ponte passou a ser o território do progresso e do desenvolvimento econômico e social.

Mas outro significado havia em corte feito no morro do seminário para que a estrada passasse. Ao contrário aquele era o local das traições, o ponto mais nevrálgico da via, onde as almas te perseguiriam, quem sabe Vicente Fino, sob a forma de um jumento, nos esperasse. O corte lanhava a segurança do transeunte e dele se alimentavam os mistérios desconhecidos que costumam de repente aparecer.

Mais adiante, antes do seminário Alemão, havia a desembocadura das vielas do recreio. Célio Silva, às seis horas da tarde em estado de embriaguez, com seu violão ao ombro, paletó branco, chapéu à moda gangster dos anos 40, ia para a zona soltar seu canto. Célio imitava com perfeição o vozeirão de Chico Viola. Neste território plantavam as raízes da boemia.

Entre o hotel Tabajara e o início da João Pessoa a transição se completava. Mas no Crato Palace Hotel, uma boate, no seu topo com as filhas e parentes de Lindalva aprendi a dançar. Foram excelentes professoras, mas o aluno nunca foi muito aplicado. Nesta transição, entre a infância e a adolescência, queimei minha floresta na cintura das mulheres.

A João Pessoa era tudo em acontecimento, por acontecer e acontecido. Nela a narrativa tanto poderia comentar a pastagem, como leite ou o queijo. Tanto poderia ser uma aula rígida da Escola Técnica de Comérico, quanto uma mentira mitológica de seu ou as amostras das lojas que se infiltraram em ambos os lados da rua.

No alto do seminário a igreja em formação. No barro vermelho a igreja em silêncio. No alto de São Francisco as portas fechadas do esquecimento. Na rua Duque de Caxias a elite masculina se formava e no seu final a cadeia pública interditava o trânsito.

O cemitério. O horror da morte. Não se tratavam os mistérios irrevelados mas um ácido que derretia a alma de medo. Um aperto de solidão, um escurecimento mudo, cheiro de cravos de defunto, velas derretidas, um limbo mais limbo ainda posto que difuso.

No arco à esquerda da altura do alto de São Francisco, num fim de rota, uma mistura de explosão de sentimentos e de grandes decepções. Ali pela primeira vez dancei ao som da Orquestra Românticos de Cuba, elegante, num salão mais largo que a imaginação nunca antes ou depois pode alcançar. Pois foi ali mesmo que um casal mediu os atos que as promessas do aconchego da dança prometiam. Após acontecer, um arrependimento de virgem em ruptura, o choro amargurado, o escândalo na sociedade e ela deixou de estudar, não mais foi às festas ou visitou a praça. Tornou-se como uma estátua no jardim de sua casa, pálida e abandonada. Neste local os rumores das paixões e suas contradições.

Da Praça Siqueira Campos se disse. Do Cine Cassino, uma geração anterior e a posterior cultua como um ícone da cidade. Mas o Cine Rádio Araripe na Nelson Alencar e o Moderno foram portais tão poderosos para emoções, razões e sonhos, igualados apenas às histórias de trancoso nas noites enluaradas da calçada rural da minha casa.

No Poço do Jatobá a fuga das galáxias. Por isso mesmo é que em alguma noite de sonhos, sonhei andando de mato a dentro do sítio em que morava, subi o alto dos cochos e sai num vale amplo, verde, com o Pão de Açúcar do Rio de Janeiro ao fundo. Quantas possibilidades aquele nonsense guardava. E por ali, no Poço do Jatobá, é que me fui.

E voltei para encontrar um monte de gente: Socorro Moreira entre a madrugada e a noite seguinte, O Salatiel e seu espírito de corisco escondido na caatinga. Armando Rafael que cutuca abelhas e assim faz o seu mel e Carlos Rafael (onde anda este sujeito? Alguém o viu por ?). Grata surpresa de um Lupeu Lacerda e do Vinícius Leonel os quais lamento não escreverem mais. O encontro de um poeta, que poeta noite dia, noite e dia sem parar, o Domingos Barroso. A harmonia da sisudez poética do Gustavo Rios e do Antonio Sávio. A cantata vocacionada do historiador Océlio Teixeira. O espírito de beija flor, encantado e sutil do nosso poeta das imagens, o Pachelly Jamacaru. O silêncio empedernido do meu elo de tempo, Abidoral, a última vez que nos falamos, não sei se ele lembra, foi na Rua do Resende aqui no Rio. A Glória! Onde foi que a glória se escondeu logo nestes tempos insossos? A Amanda cavoucando textos de mulheres exatamente onde estes surgem. O Bantim, cuja bola me tornei talvez como seqüelas de uma certa sorveteria. O Flávio, é difícil dizer, falar, enumerar, este ermitão do da chapada. Difícil para não parecer nepotismo. O nosso Emerson, bravo na estampa, de uma alma mansa, mas um manso de sertanejo, um tanto rude, muito de singeleza e possuidor da raiva pelos injustiçados. Antes que ele acabe o jogo e leve sua bola para casa, o nosso Dihelson em sua metralha de indignação e enternecimento, simultaneamente na mesma frase. Esta gente ampla e variada que vive como gosto viver.

Pois a todos vocês dou-lhes o presente de um mês sem minha presença. Estarei num perto longe, no litoral do Ceará, usando umas roupas que duram mais de 20 anos, uma sandália de tantas férias, chapéu de palhas envelhecidas, óculos escuros, muito mar, peixe e conversa fora.

Pra quem estiver em Sampa


para o lançamento da



CONFRARIA
2 ANOS

Depois de lançada no Rio, a Confraria 2 anos, versão impressa da Revista Confraria, será lançada na Casa das Rosas em São Paulo e no Espaço Corisco em Santos, com a presença de alguns autores e editores. Em edição luxuosa e ilustrada, este livro reúne, trabalhos inéditos de 71 dos autores que já marcaram presença na revista eletrônica.
Manoel de Barros, Augusto de Campos, Ferreira Gullar, Eduardo Portella, Emmanuel Carneiro Leão, João Gilberto Noll, Silviano Santiago, Régis Bonvicino, Marcelino Freire, Raul Antelo, Jean Baudrillard, Gerardo Mello Mourão, Nelson de Oliveira, Luiz Ruffato, Márcio-André, Allen Ginsberg, Fernando Bonassi, Boaventura de Sousa Santos, Victor Paes, Carlos Felipe Moisés, Ana Alencar, Charles Kiefer, Ana Lúcia Moraes, Ghérasim Luca, Elizabeth Muylaert Duque Estrada, Gilles Ivain, Gustavo Olivieri, Luiz Rohden, Guilherme Zarvos, Daniel Arruda Nascimento, Anna Bella Geiger, Marcelo Diniz, Carlos Nejar, Aderaldo Luciano, Rod Britto, Paula Glenadel, Fabian Rodrigues, Fernando Figueiredo, François Schuiten, Nei Lopes, Serge Pey, Manuel Antônio de Castro, Antonin Artaud, Paula Donolato Jorge, Adolfo Montejo Navas, Lena Bergstein, Paulo Ponte Souza, Arjen Duinker, Gonçalo M. Tavares, Karinna Alves Gulias, Edson Bueno de Camargo, Benoît Peeters, Ivo Barroso, Rodrigo Ielpo, Gabriela Nobre, Muhammad Ibrahim Bu'allu, Adriana Bebiano, Mathieu Bénézet, Marcelo Ariel, Ronaldo Ferrito, Silvio Fiorani, Gustavo Rios, Rita Dahl, Guennádi Aigui, Hagiwara Sakutaro, Edwin Torres, Ericson Pires, Rafael Alberti, Stephen Rodefer, Zeami Motokiyo, Ezra Pound.


Assista matéria sobre este livro no programa Supertudo, da Rede Brasil
ou leia resenha no Estado de São Paulo.

28 de fevereiro
no espaço Corisco Mix, em Santos,
a partir das 20 hs.

com intervenções de Flávio Viegas Amoreira, Ademir Demarchi, Alessandro Atanes, Marcelo Ariel, Victor Paes e Márcio-André.

29 de fevereiro
na Casa das Rosas, em São Paulo,
a partir das 19 hs.

com intervenções de Marcelino Freire, Fernando Bonassi, Silvio Fiorani, Luiz Ruffato, Márcio-André, Victor Paes e entrevista pública com Ana Rüsche, por Paulo Ferraz.

Casa das Rosas: Av. Paulista, 37 (Paraíso) - São Paulo
Espaço Corisco Mix: Rua Espírito Santo, 87 (Campo Grande) - Santos


Por que Fidel deixa o poder como um líder invicto


Por que Fidel deixa o poder como um líder invicto
"Fidel Castro não foi ditador e sim um libertador. É o maior líder do seu tempo, se manteve isolado e independente. Mesmo os que o combatem reconhecem que Cuba não é mais a mesma. Exclusivamente pela força, a convicção e a certeza do que pretendia, Cuba deixou de ser a praia de fim de semana de americanos ricos, a jogatina diária desses mesmos estrangeiros que só queriam se divertir: hoje é respeitada, aclamada, invejada". (Helio Fernandes, TRIBUNA DA IMPRENSA, 21 de fevereiro de 2008)

Depois do que Helio Fernandes escreveu ontem em sua coluna, cuja maior marca é a independência, não precisaria escrever a respeito do fato internacional mais importante deste verão de 2008. Mas como vi por dentro a revolução cubana praticamente desde o seu nascedouro, ouso chamar todos os meus leitores, inclusive os que odeiam Fidel Castro, a uma reflexão honesta a respeito deste líder que foi a grande referência do Terceiro Mundo neste meio século em que esteve à frente do governo cubano.

Tribuna da Imprensa (www.tribuna.inf.br), 22.2.2008

Com uma coragem que faz falta aos homens públicos em todo o mundo, Fidel Castro exerceu tal papel na história que sua despedida do poder, aos 81 anos, realmente por razões de saúde, mereceu um caderno especial em "O Globo" e as primeiras páginas nos diários de todos os países, sem falar nos destaques dos telejornais.

Raciocinemos juntos, numa boa: por que desse noticiário tão inflado e rico em informações para registrar a formalização de uma situação que já se arrastava por 19 meses? Afinal, Cuba é apenas uma ilha de 11 milhões de habitantes, BLOQUEADA por todos os lados pela maior potência mundial, cujos governos e grupos econômicos recorreram a todas as armas para desconstruir sua revolução.

Vê se eu me fiz entender: você já parou para pensar, independente de suas simpatias e antipatias políticas, sobre esse feito sem precedentes desde que os Estados Unidos da América converteram-se no temido arsenal militar e no maior poderio econômico do mundo?

Até a URSS caiu
Compare comigo: se até a outrora poderosa União Soviética desmoronou ainda na condição de segunda potência mundial, se até a gigantesca China continental assimilou a economia de mercado para sobreviver e crescer, qual o segredo de Fidel Castro, o romântico de Sierra Maestra, alvo de pelo menos 600 tentativas de homicídio concebidas e patrocinadas pelos órgãos de segurança dos EUA?

O que explica a sobrevivência desse regime revolucionário, senão o amplo apoio popular e o êxito de suas políticas públicas, apesar do castigo quase letal de um embargo econômico impiedoso, em que o governo da grande potência não se limita a suas próprias medidas, mas exige que todos os demais países do mundo mantenham os cubanos a pão e água?

Eu bem sei, porque, como disse nas primeiras linhas, fui lá mais de uma vez, em diferentes momentos de seu processo revolucionário: em julho de 1960, quando ainda tinha 17 anos, estava em Havana participando do I Congresso Latino-Americano de Juventudes, representando a União Brasileira de Estudantes Secundaristas.

No ano seguinte, já como jornalista de carteira assinada na "Ultima Hora", fui trabalhar lá até julho de 1962, e testemunhei momentos de grande mudança. Voltei a Cuba, como turista, em 1986. Finalmente, integrei uma delegação parlamentar brasileira que visitou Havana em julho de 2003.

Poucos brasileiros tiveram tantas oportunidades de conhecer e avaliar, em fases tão distintas, a revolução cubana e a liderança de Fidel Castro, que venceu as mais olímpicas das provas em situações em que ninguém, a não ser os teimosos cubanos, imaginavam que ele e seu regime socialista tivesse condição de superar, como no chamado "período especial", conseqüência do desmantelamento da União Soviética e dos países do Leste europeu, cujo marco foi a queda do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989.

Nenhuma criança na rua
Quando você olhar para aquela ilha rebelde, a 110 quilômetros da costa da Flórida, antes de buscar motivos para criminalizá-la na mais bem industriada orquestração regida pela potência que não se conforma em ter perdido a guerra contra Fidel, reflita sobre esta frase que ele pronunciou, durante a visita do papa João Paulo II a Cuba, naquele janeiro de 1998: "ESTA NOITE MILHÕES DE CRIANÇAS DORMIRÃO NA RUA, MAS NENHUMA DELAS É CUBANA".

No dias de hoje, em que o regime democrático representativo não encara com seriedade os problemas mínimos do povo de onde, segundo a Carta, emana o poder, dedicando-se a programas compensatórios de mendicância oficial, onde a Justiça pode ser sede de um massacre como no caso da Varig, entregue a preço de banana a aventureiros internacionais, ou mesmo de um ato de arbitrariedade calçado de formalidades processuais - como a absurda apropriação do meu mandato -, você faria muito bem a seus filhos e às futuras gerações se procurasse entender, como eu entendi, a natureza do "milagre cubano", onde já não há analfabetos, todos têm acesso ao melhor ensino público do mundo (segundo a Unesco) e o nível de escolaridade média da população é de 12 anos, enquanto os índices de saúde são comparáveis aos dos países do primeiro mundo.

Será que você não acha isso relevante? Fidel Castro não ficou por acaso esse tempo todo no poder, asfixiado perversamente pela potência que faz e desfaz governos, que ainda dita as regras do jogo, que acaba de patrocinar mais uma amputação na fatiada Iugoslávia, que tem um orçamento militar de meio trilhão de dólares, mais do dobro de todo o orçamento brasileiro, que tem bases em todos os continentes, o maior arsenal bélico instalado, que promove invasões como a do Iraque hoje ou da pequena Granada ontem, e que banca as tropas brasileiras no Haiti.

Num país em que um em cada 15 habitantes fez uma boa faculdade, em que a Unesco constata os melhores desempenhos escolares do mundo no primeiro grau, é natural que a população releve o sacrifício imposto pelo boicote e considere emergencialmente inevitável, num estado de guerra permanente, a sobrevivência de um Estado politicamente forte, embora nas eleições para suas casas legislativas (onde os representantes não recebem um centavo pelos mandatos, já que se mantêm em suas atividades laborais) os candidatos saiam de entidades da sociedade e não são obrigatoriamente filiados ao seu partido único.

Como você vê, há muito o que falar sobre Fidel Castro, sem medo e sem rancores, e é possível que eu volte ao assunto, disposto a trocar idéias com você em cima de fatos concretos, que falam mais alto do que qualquer propaganda direcionada.

Tribuna da Imprensa (www.tribuna.inf.br), 22.2.2008

IMAGENS ZENS!

A borboleta alfabetizada!

Foto: Pachelly Jamacaru
"Direitos reservados"

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Festa de ilusões

Emerson Monteiro

Às vezes, paro e penso, exercício de rotina, neste mundo rotineiro que quer, inclemente, a tudo dominar. E pego a pensar nas coisas como estão, quando, talvez, devesse esquecer e deixar o tempo passar, pois passaria de qualquer jeito. No entanto, os batentes das janelas seriam insuficientes para agüentar o peso das interrogações dos meus cotovelos e os braços em cima deles, que, insistentes, se debruçam a pedir explicações ao vento, ao horizonte das horas espalhadas nas asas das andorinhas e do verão adormecido.

Perguntar pelo emprego dessa juventude cheia de vida e sem rumos definidos. Pela paz social que não vem, ainda que os militares se achem recolhidos aos quartéis há duas décadas. Pelo resgate do déficit social, que, além de não empregar a força de trabalho disponível nas praças e periferias esquecidas, incólume desfila nas manchetes dos jornais ao cheiro de gambiarras sem graça e custosas ao erário público. Pelos sonhos sonhados a duras penas, nas gerações seculares dos dias melhores para todos, ideal de filósofos e poetas, profetas e compositores. Pelo brilho nos olhos das crianças felizes, que ignoram o que lhes espera, nas mãos dos administradores públicos de barriga cheia ao preço da esperança do nosso povo alegre.

E a droga domina dentro e fora da televisão esfuziante, nas salas, poços do que sobrou da saudade, dia e noite, na viagem que apresenta só os dentes carcomidos, das Américas ao Oriente Médio. O que dizer de máfias gordas, inseridas nos estamentos sociais da neoliberalidade, eleitas como alternativa às revoluções radicais? Pensar o quê das notícias de desastre econômico, nos países atrasados? Ricos mais ricos e pobres apenas remediados?

Enquanto a tecnologia enche o bolso na confiança de quem espera por isso de mudança, um populismo exacerbado invade as feiras da sociedade, compra e vende consciências, mercadoria valiosa na preservação das espécies, parecido como quando antes se fazia, nos mercados orientais, a venda dos escravos derrotados. Pedir mesmo o quê, a quem vive satisfeito com as brigas de comadres, partidos políticos e suas esferas empapuçadas?

Bom, algo, contudo, se impõe, no fastio das levadas de viola, neste mundo velho. Conformação sem acomodação, eis a receita. Dar os passos no caminho aqui em frente, e seguir andando, apragatando os pés no chão da vida, sem, todavia, perder o encanto. Há que ser assim, diferente, qualquer dia. Ninguém agüentará comer o que nunca plantou, na justiça da Eternidade, que exige condições indiscutíveis e sinceridade, porquanto persistem leis inevitáveis, no caldo que tudo envolve. Nisso, querendo ou não, algum dia se transforma, apesar da tola incompetência de pensar sem ver e ver sem conhecer; coisas acontecerão e nos daremos conta dos momentos certos, quando bem cumprirmos nossa parte.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Não usar o meu nome em vão...



"Se as pessoas tratassem de ajudar-se uns aos outros,
precisariam menos recorrer à Cristo na hora das
necessidades. Usam Cristo como pretexto para sua própria fraqueza interior. Aquelas pessoas que se pedem favores
e falam "vou orar" são inúteis, porque poderiam
levantar a bunda da cadeira e ajudar o próximo.
Mas preferem comodamente sentar-se, orar, e
esperar que um milagre aconteça, por inércia
de não querer mover um músculo para ajudar
o semelhante!"


Dihelson Mendonça - 25/02/2008
.

Mr. President Barack Obama?


A julgar pelas pesquisas divulgadas, a probabilidade de Barack Obama ser o candidato do Partido Democrata, e Presidente dos Estados Unidos, é real.

Significa dizer que um negro poderá vir a dirigir o País mais rico do mundo. Não é só. Um País onde há 50 anos ainda havia discriminação odiosa contra negros nos transportes públicos, nas escolas e demais ambientes.

A luta contra essa iniqüidade custou o esforço de muitos, tendo alguns pago com a vida, pela defesa desse ideal de justiça. Foi o caso de Martin Luther King. Graças às novas leis e ao empenho continuado de muitos a situação mudou.

Pode-se afirmar, como disse João Pereira Coutinho, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de 12/02/08, que os Estados Unidos aprenderam a lição. Mas, indaga ele, será que outros também aprenderam? O Brasil, por exemplo, elegeria um presidente negro?


(fonte:www.lucioalc.blogspot.com)

ALGUMAS ANOTAÇÕES PARA VOCÊ NO FUTURO - por José do Vale PInheiro Feitosa


Infelizmente não posso olhar nos teus olhos, tocar tuas mãos, ouvir tua voz, dizer-te palavras. Igualmente não posso comentar sobre o teu tempo, o desconheço totalmente. Não sei se contigo o futuro será mais óbvio, pois nestes tempos em que vivo, o futuro não passa de desejos de pessoas ou grupos sociais, tomando como referência o nosso presente. Pois bem, não posso ter presença física, mas terei estas linhas escritas em falsa tinta, a tinta eletrônica que não é tinta, apenas, nestes tempos, um feixe sobre uma tela de cristais líquidos. Poderia ter o recurso da gravação tanto para evoluir sobre teus ouvidos como sobre a tua visão. Mas preferi a dos códigos escritos, mesmo sabendo que contigo poderá ser um código arcaico e difícil de interpretar.

Não passarei um panorama geral dos tempos nos quais vivo. Falarei de duas características destes tempos e para mim, imagino, que sejam suficientes para compreenderes tal qual são estes tempos. A primeira delas é que vivemos um tempo em que as pessoas migram constantemente. Se locomovem distâncias incríveis em termos de alguns séculos atrás, não sei se será igualmente espantoso, mas centenas de milhões de pessoas estão neste exato momento de um lado para outro das cidades, entre cidades e continentes. A cada ano os aviões levantam vôos o suficiente para transportar uma vez e meia a população inteira da terra. Isso numa divisão social e econômica em que milhões jamais se transportaram ou se transportarão em aviões.

A segunda característica. A noção exata da transitoriedade da vida. A vida não é mais um processo integral como foi. De tantos apetrechos, penduricalhos, falsas noções de integridade, fatuidade de princípios ditos imutáveis, o humano virou um teatro com alguns entreatos, mas todos muito fugazes e em vias de desfecho final. Por isso estamos sempre mudando de lugar como dito e trocando de referências a cada tempo. Tanto nas emoções, quanto no cenário da vida, as pessoas estão perdendo um status e adquirindo outro.

Veja o meu exemplo. Daqui a três dias viverei as duas características. Irei me deslocar milhares de quilômetros e mudarei todas as referências da vida prática. Irei de avião do Rio de Janeiro, uma cidade localizada no hemisfério sul das Américas, num país chamado Brasil, até uma outra cidade a nordeste do referido país, chamada Fortaleza. Desta cidade, por veículos automotores que queimam combustíveis fósseis não renováveis, irei até uma cidade menor chamada Paracuru. Aqui trabalho numa Agência do Estado Nacional, serei apenas um morador em gozo de férias, entre um lugar e outro sou duas pessoas.

Na primeira vivo o jogo das representações sociais, políticas e econômicas. Existem os que pensam em outras esferas com os quais os seres humanos são caracterizados: psicológicas, culturais, intelectuais e tantos retalhos que deste modo nos sentimos fragmentos costurados um ao lado do outro. Tem a questão do trabalho, hierarquizado, com tarefas a cumprir, o controle de teu tempo, os jogos políticos de poder e as frustrações que sobrevêm ao eterno incompreensível dos "por quês" de tudo isso.

No segundo mundo, deixo aquele para trás, sou outra pessoa. Com outras representações, mais enxutas, menos retalhos. Ali posso representar até para mim mesmo. Ser um tanto "irresponsável" no jogo do poder, relaxar na disciplina intelectual e cultural, falar outros verbos, adjetivar as coisas de modo diferente. É que em Paracuru, os substantivos são outros: o mar, o sol, a terra e o vento. É como se dentro de uma edificação fechada todas as paredes caíssem e o teto sumisse. Neste momento, nos rápidos feixes de sentimentos, que disseram ficam guardados na mente de uma geração a outra dos humanos, entre em contato com a materialidade de quem sou em relação à natureza planetária e terráquea da vida.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

QUEM?


Quem rima o sol, quando turbilhonado por nuvens negras
Quem rima a cárie que encharca o sorriso do caboclo
Quem rima as frestas dos cortes ou das feridas
Quem rima a força que agüenta a cangalha em seu dorso
Quem vê o riso-sol virar crepúsculo no tédio dos anos
Quem tem os anos desperdiçados em vis sorrisos
Quem vê a faca que abre estradas por tantos cortes
Que vê a sorte pelo ralo do desperdício.
Ninguem vê? ninguém viu, nem nada sabe,
Mas quem tem na face a estrada dos próprios prantos
Sabe passo a passo o caminho para conquistar todo o espaço.

Verbo 21

Com um conteúdo fabuloso, a nova edição da corajosa Verbo 21 já está no ar. Textos bacanas, resenhas sobre a Confraria do Vento, uma entrevista com a Renata Belmonte e com a Katherine Funke e uma consideração sincera sobre o puta livro Trabalhos do Corpo, do Sandro Ornellas, fazem parte dessa edição.

'Renúncia de Fidel é derrota para imperialismo norte-americano’, diz Coggiola





Por: Najla Passos

A renúncia de Fidel Castro à presidência de Cuba vem suscitando especulações diversas em todo o mundo. Confira, na entrevista abaixo, como o professor titular da Universidade de São Paulo - USP, Osvaldo Coggiola, um importante intelectual trotskista da academia brasileira, analisa o fato e tenta antever seus desdobramentos. Argentino radicado no Brasil, Coggiola é reconhecido por pesquisar temas relacionados ao comunismo e à economia marxista. Possui graduação em História e Economia pela Universite de Paris VIII, onde também concluiu sua especialização em história. Mestre e doutor em História pela Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, cursou o pós-doutorado na USP.

1 - Qual o significado prático da renúncia do presidente Fidel Castro?
Ele pode, ainda em vida, aprovar a sua “sucessão”. Se morresse sem fazê-lo, a questão se tornaria mais polêmica (como aconteceu com a morte de Mao Tse Tung, na China, em 1976). O novo governo será eleito pela Parlamento e Fidel deverá indicar a cúpula desta nova composição política. Serão eleitos ao todo 31 membros do Conselho de Estado, além do presidente. O mais provável é que Raúl Castro, seu irmão, seja eleito presidente do Conselho de Estado. Fidel se retira do poder político por própria vontade, depois de 49 anos de bloqueio imperialista de Cuba, de uma invasão (Baía dos Porcos) e de inúmeras tentativas de assassinato por parte da CIA. Isso é uma derrota do imperialismo norte-americano.


2 – Como isso afetará o socialismo real de Cuba? Existe, de fato, uma pressão popular pelo retorno ao capitalismo, como faz parecer a imprensa convencional?Não existe “pressão popular pelo retorno ao capitalismo”. Essa pressão existe, mas não é popular. Na verdade, em Cuba já se vêm os sintomas de um processo de mobilização popular, em cujo caso, América Latina passaria a ter em Cuba seu principal cenário político. Os estudantes da Universidade de Informática interpelaram o presidente da Assembléia Nacional, Raúl Alarcón. O estudante Eliécer Ávila apresentou suas posições com toda energia, reivindicando liberdade de informação e o direito de viajar ao exterior, recebendo aplausos entusiastas. Alarcón respondeu como um burocrata fossilizado. Os meios imperialistas se apressaram em informar que Eliécer tinha sido detido; era uma noticia falsa e interesseira: o jovem não poderia ser sancionado sem suscitar uma mobilização popular. E, nas recentes eleições, com chapa única, a 20 de janeiro passado, vários secretários gerais (do partido comunista) encabeçaram a lista dos menos votados em suas regiões. O repúdio à burocracia e a um regime de cerceamento das liberdades políticas começa a ter uma expressão massiva. Os “cantautores” Pablo Milanés e Silvio Rodríguez, socialistas 100%, reclamaram mais liberdades culturais e políticas nos últimos meses. Esta é a verdadeira chance do socialismo em Cuba, com repercussões para toda América Latina.

3 – E existe o risco de uma intervenção externa, essencialmente norte-americana, em Cuba? O imperialismo aposta num processo de reversão política, de restauração “pacífica” do capitalismo, aproveitando as contradições do regime, mas conserva na manga (e prepara) uma eventual intervenção militar. O imperialismo nunca aposta numa carta só - por isso domina o mundo, caso contrário já estaríamos no socialismo. Várias das reivindicações democráticas que estão se apresentando representam aspirações das camadas superiores da sociedade cubana, por exemplo o direito de sair ou entrar no país. Podem sim converter-se em palavra de ordem de uma política de restauração capitalista. Os socialistas revolucionários - e é claro que em Cuba eles existem - defenderão a responsabilidade e revogabilidade dos funcionários estatais e dos legisladores, a paridade de salários; a liberdade de reunião política, de assembléia e de manifestação; a abertura das contas das empresas privadas internacionais e das empresas estatais, o controle da produção pelos trabalhadores. Isto se opõe à burocracia e também à restauração capitalista.

4 - Do ponto de vista simbólico, a saída de Fidel Castro pode significar o fortalecimento de movimentos contra-revolucionários, tanto em Cuba como nos demais países, como por exemplo a Venezuela?Não. O envelhecimento, e eventual morte, de Fidel, são processos naturais. É claro que se os movimentos revolucionários se limitassem a reivindicar lideranças carismáticas (Castro, Chávez ou qualquer outro) eles não teriam futuro. O poder dos trabalhadores não se confunde com o culto a “salvadores”. O papel revolucionário de Fidel na revolução Cubana de 1959-1961 já está na história. E quem quiser devolver Cuba à situação prévia a 1959, aquela que se vê no filme “O Poderoso Chefão II”, pode mudar de planeta.

5 – Desse mesmo ponto de vista, o fim do governo de Fidel afetará o sindicalismo latino-americano, e em especial o brasileiro?Não vejo como. O movimento dos trabalhadores latino-americanos tem raízes muito profundas. A questão cubana, sua defesa contra o bloqueio e agressão dos EUA é, e será cada vez mais, latino-americana e internacional, de todos os trabalhadores.

6 - Qual o legado que a figura de Fidel Castro deixa para a América Latina e para os povos em geral?Que só é possível se libertar do imperialismo através do socialismo e que, se o imperialismo pôde ser derrotado numa ilha situada a poucas milhas de suas costas, ele pode também sê-lo no continente e no mundo todo. Com coragem, decisão e direção política.

Performance Poética / SESC

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Última hora bissexta

Por hoje,
basta de versos
e sonolência.
Vou preparar minha fogueira.
Afinal, sou mau e malandro
para com os torcicolos dos outros.
Mas que vontade louca
de engomar meus dedos
sobre as teclas!
A poesia,
de fato e fantasia,
é a minha morte predileta.

Minha alma lusitana

A tarde cai,
taças me enchem:
vinho, sangue, cãibra.
Ainda volátil
entre o canto de um pássaro
e o badalar de um sino
A tarde cai,
a alma cálida,
pois.

A força de uma taça de vinho

Minha aldeia, meus duendes,
minhas ninfas, meus sátiros,
minhas sacerdotisas, meus bruxos
eu vos amo como idolatro
essa taça de vinho.
Beijo vossos olhos,
lavo vossos pés,
resguardo em vosso útero
minhas sandices e minha pureza.
Minha aldeia, meus trovadores,
minhas musas demoníacas,
meus amáveis fantasmas
eu vos amo como degustare
essa taça de vinho.
Afago vossos cílios,
assopro vossos ciscos,
vossas lágrimas, minhas lágrimas.
Minha aldeia, meu céu nublado,
minhas nuvens oníricas, meu sol lameiro
eu vos amo como me enfraqueço
diante da força dessa taça de vinho.

Tão-somente um sábado

Manhã cintilante de um sábado sacana.
E o poeta cá corroído:
calos suntuosos, ombros em carne viva.
Matar larvas de aedes é uma batalha.
A semana toda caixas d'água intransponíveis.
Ralos fétidos. Casas mal-assombradas.
E nada me trespassa o peito.
Nem larvicida tampouco ópio.
Sobressaltado reconheço em meus olhos
o milagre da infância
quando formigas passeavam solícitas
não bêbadas.
Quando as lagartixas não temiam meus passos
e me encaravam com aquele sorriso sarcástico.
Meu vazio tão amplo me comove.
E o sábado lá fora mediterrâneo.
Sacana como todo grego.

A flor que não morreu ... (Para Lupeu )



Eu pinto com o pensamento
desboto com o esquecimento
mancho com beijos
retoco o desejo
sopro a poeira dos medos
risco recados no espelho
e brilho no sol das manhãs .
Esta noite , uma surpresa ...
o riso da vida , na cor do batom !
Areia de Itapoan
macaubeira do Crato
pequi na sopa de feijão
zoada de informação
Parece que nunca cortou os cabelos ...
tem versos no shampoo de aroeira
Um cheiro de Juazeiro
corpo fino , mente solar
inteligência poética , no imaginar
Tudo é livre , menos a lembrança ...
Se mudar o filme , se mata a canção !
Santeiro das formas
poeta dos anjos
escarrra beleza
exala paixão ...

JÁ VAI TARDE

Abaixo, o início de ampla matéria publicada na "Veja",edição 2049, que começa a circular amanhã:

Cuba
Um país de muito passado agora tem algum futuro

O ditador entrega o comando direto do país ao irmão, abre caminho para mudanças, mas fica ainda como um fantasma assombrando o povo e preservando sua tenebrosa herança


Diogo Schelp

Reuters
Fidel Castro

VEJA TAMBÉM
Nesta reportagem
Artigo - Reinaldo Azevedo: Fidel e o golpe da revolução operada por outros meios
Exclusivo on-line
Perguntas e respostas: Cuba sem Fidel

Em 1953, levado a julgamento pelo crime de ter enviado seus primeiros seguidores para um ataque suicida a um quartel, o jovem advogado Fidel Castro Ruz assumiu a própria defesa e o fez de forma magnífica. Antecipando a retórica magnética, grandiosa, arrogante mas farsesca que o caracterizaria pelo resto da vida política, disse aos juízes: "A história me absolverá". Passou-se mais de meio século e, aos 81 anos, conceda-se, Fidel está diante do tribunal da história. Visto o sofrimento que infligiu ao povo durante 49 anos como senhor absoluto de Cuba, a absolvição está fora de cogitação. Cabe recurso? Não dá mais tempo. Fidel está em fase terminal de uma grave doença e, na semana passada, anunciou que não mais concorreria à eleição indireta que escolhe o presidente e o comandante-em-chefe das Forças Armadas.

Seus apaniguados viram o gesto como prova de desprendimento do comandante e evidência de modéstia e renúncia pessoal em benefício da pátria. Tudo encenação. Nem que quisesse, a saúde debilitada e a velhice lhe permitiriam candidatar-se a algo mais do que uma vaga no jazigo dos heróis na Praça da Revolução. Diante de uma impossibilidade finge que está por cima. Vintage Fidel. Clássico Fidel. Vai anunciar o corte da cota de leite para a população adulta de Havana? Diga à multidão que não faltará leite para as crianças. Vai ter de recuar, desmontar os mísseis atômicos soviéticos e devolvê-los a Moscou? Diga que Cuba é soberana e pode ter as armas que quiser: "Os mísseis se vão. Mas ficam todas as demais armas" – como se isso fosse algum consolo. Mas as massas vão acreditar. Foi pego exportando terroristas para insuflar a subversão em outros países? Diga que, se quisesse mesmo fazer terrorismo, Cuba produziria "excelentes terroristas, e não esses incompetentes que foram presos". Está difícil explicar a miséria franciscana da economia cubana? Diga que quem está mal são os Estados Unidos ("os ianques estão falidos"), o Japão ("tenho pena dos japoneses") e a Europa ("o velho continente está esgotado"). Está prestes a morrer, não consegue caminhar nem discursar? Diga que vai apenas mudar de posto, mas que o combate continua.


Reuters
DAVI E GOLIAS
Enquanto Fidel reinou, os Estados Unidos tiveram dez presidentes. O clima de confronto com o vizinho poderoso fortaleceu o poder do ditador, que pode posar de Davi na luta contra Golias. Fidel em piscina em visita à Romênia, em 1972, e, abaixo, americanos assistem a discurso de Kennedy durante a crise dos mísseis, em 1962
Time & Life Pictures/Getty Images

Todo político tem de ser bom mentiroso. Para ser Fidel é preciso, no entanto, ser um grande farsante. Ele é um dos maiores que a história conheceu. É presidente de uma nação paupérrima, mas vive como um cônsul romano que come lagostas quase todos os dias? Negue: "Temos as lagostas mais doces do Caribe, mas não as comemos. Trocamos por leite para as crianças". Vive cercado de um aparato de segurança que parece um bunker ambulante? Invente que é um homem simples que às vezes anda só pelas ruas, como um filósofo peripatético absorto em uma paisagem idílica: "Outro dia, no México, ia só pela rua, só como uma pomba...".

Desde os primeiros momentos da revolução que o levou ao poder, em janeiro de 1959, Fidel mostrou a utilidade política de um grande fingidor. Quando começaram os julgamentos sumários com o objetivo de criar um clima de terror e matar os inimigos, e até alguns amigos políticos, Fidel não aparecia como carrasco (esse era o papel do argentino Che Guevara) nem como juiz. Fingia não se envolver. Em uma aparição famosa, ele vai ao tribunal do júri e faz um discurso mercurial: "Que esta revolução escape da maldição de Saturno. E que é a maldição de Saturno? É o dito clássico, o refrão clássico de que, como Saturno, as revoluções devoram seus próprios filhos. Senhoras e senhores deste tribunal, que esta revolução não devore seus próprios filhos". Lindo? Sim, mas era uma farsa. Naquele mesmo dia, dois jovens combatentes comunistas urbanos que não lutaram na guerrilha rural de Castro foram condenados à morte. A revolução devorava alguns de seus próprios filhos. Mas o que ficou? O discurso inflamado com referências eruditas. Funciona sempre? Não. Funciona em Cuba, que tem Fidel e algumas outras características que ajudam esse tipo de farsa a passar por verdade. Ajuda muito banir a imprensa, dominar a televisão e o rádio, proibir a entrada de jornais estrangeiros no país e impedir os cidadãos de viajar para o estrangeiro. Ajuda enjaular por tempo indeterminado, e sem juízo formado, toda a oposição. Ajuda muito abolir as liberdades individuais e ser o ditador de uma ilha, um país-cárcere. Eis a grande obra de Fidel Castro em meio século de governo. A história o absolverá? Difícil.

O DESESPERO
Cubanos fogem para os Estados Unidos em um caminhão da década de 50 transformado em balsa, em 2003: 78 000 pessoas morreram na tentativa da travessia



Pôr-de-lua



Acho que a lua mora no mar , e passeia no céu ...

De tanto mirá- la , vivo cheia de lua , e prateada de cansaço ...

Dentro desse mar , que é meu oásis ,

Netuno autoriza , todo e qualquer mergulho ...

Me visto de sereia , me enfeito de búzios ...

Recolho meu rio , que de mim fugiu ...

Pesco minhas dores , e transformo em cores ...

Luz de ouro ... esse é meu tesouro !

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Cinzas


Despertou com aquele gosto arenoso na boca, como se tivesse ingerido todas as cinzas da quarta-feira ingrata. Os sons metálicos de um frevo distante e agora quase que ininteligível se dissolviam no ar. As ruas se recobriam com os últimos espólios da guerra dos quatro dias. Confetes e serpentinas se misturavam ao lixo comum , agora já sem asas e magia. Até os rapapés febris dos passistas do “Bacalhau do Batata”, o soldado de Pompéia da folia, pareciam já longínquos e perfeitamente obsoletos.O mundo em volta ia pouco a pouco perdendo seu ar de festa e a vida crua, aguda como a ponta do punhal, voltava a preencher o espaço com um insuportável clima de normalidade. Os homens começavam a arrancar suas máscaras fictícias e, paulatinamente, iam cobrindo a face com aquelas outras mais reais e duradouras. Arlequins sem Colombinas, Catirinas viúvas de seus Mateus , Super-Heróis sem espinafre, amolecidos pela Kriptonita cotidiana, perambulam sem destino num planeta estranho e desconhecido. A La Ursas matracam em compasso ternário as suas matracas. Papangus já sem a proteção do anonimato retornam para casa a fim de prestar contas a suas patroas da fuga do presídio doméstico por tantos dias . Caboclos de Lança fazem a viagem de volta à roça agora já sem o luxo cerimonialista da túnica multi-espelhada e da farta cabeleira multicolor. Como se o ritmo da vida se marcasse agora pelo toque cadenciado, em mantra, do seu chocalho. Os Maracatus, respeitosamente, silenciam seu baque virado e retornam, religiosamente, aos terreiros.
Cuspiu no chão aquele gosto de cabo de guarda-chuva e ficou matutando : a vida se resumia exatamente àquilo : à Festa, à Celebração. A chama acesa e em brasa da existência se consubstanciava no anarquismo inocente do Carnaval. Perdidos todos , sem saber de onde viemos e para onde marchamos, passamos a comemorar a esta louca e misteriosa viagem. Travestidos todos dos nossos desejos mais impenetráveis, abraçando desconhecidos, dançando com figuras aparentemente estranhas e beijando línguas que jamais teremos capacidade de saborear outra vez. Tocamos outros corações com a vara de condão do etéreo e do fugaz e imprimimos um volátil ar de eternidade nos nossos sentimentos. A festa nos abre, quase que imediatamente, a perspectiva sombria do fim-de-festa. O pistão que ataca metalicamente o “Vassourinhas” é o mesmo que logo depois entoará o Toque de Silêncio. A vida se vai escoando assim mais entre bemóis que sustenidos. E adiante, por mais efervescente e estupenda que tenha sido a festividade, as máscaras cairão por terra, as serpentinas perderão sua sinuosidade ofídica e a vida terminará por cobrir-se daquela substância que preenche as gargantas e as quartas-feiras : Cinzas !

J. Flávio Vieira

Só um copo

Limpando meu nariz

Medito sobre a origem da luz e da treva.

Minha salvação é meu nariz aborígine.

Duas cavidades imensas e obscuras.

Meleca é meleca desde a mais tenra infância.



AS CASTRAÇÕES DE FIDEL


Fidel não é fiel. Nunca foi. Desde que se pense em uma irmandade fetal. Como também Fidel não é o fiel da balança das revoluções. É puro maniqueísmo oportunista evidenciar uma lista de feitos e desfeitos, a história caminha por outras ruas, além dessas óbvias, alimentadas pelos corredores de ônibus, que levam e trazem os subterfúgios supremos dos homens demasiadamente humanos.
Não creio que agora, em Fidel, Malone Morre, na fidelidade de Samuel Beckett ao vazio existencial dos homens, das coisas e das revoluções. Muito menos acredito que não há mais a dizer, embora nada tenha sido desdito, sobre as castrações da ditadura cubana. Hoje os dias são poucos para Fidel, mas ininterruptamente eles se alongam para história e para os julgamentos. Não há mais espaço para os sonhos de juventude, a mesa está posta e a fome dos justiceiros já se impacienta diante da falência.
Os urubus que rondam o teu enterro Fidel, são os carcereiros da tua alma, eles já vêm de longa data, são apenas travestis siliconados, pura alegoria da realidade, são eles que recebem os ingressos dos que pagam para viver. Devidamente alimentados pelas ruínas da humanidade, eles percorrem religiões, órgãos de imprensa, livros de autoajuda, entidades politicamente corretas, as quinquilharias do cotidiano, o domínio cretino das tecnologias, todas as ideologias e todos os embustes da ciência, para dali retirarem dados, proscrições, conceitos e restrições, e entalharem secularmente na oliveira sagrada dos cânones a ficha indelével da grande culpa.
Todo revolucionário se alucina com a sombra do poder e com as sobras da dignidade. Para livrar o povo das forças opressoras, logo, logo, a rebeldia aprisiona a liberdade. Extermina a sangue quente e a ferro frio. Mas o poder hodierno também faz isso, com muito mais requinte e pompa, com a meticulosidade do especialista, com a complexidade das grandes teorias. E o que é pior, sem ter um ideal para lutar, além de usurpar legitimamente, para manter a família, a propriedade e a tradição, essa prostituta elegante, prenha de datas memoráveis e vazia de feitos.
Se existem aqueles que abandonaram e abandonam Cuba, não importa de que classe, da mesma forma existem aqueles que ficam e ficariam sempre. Se a Revolução Cubana tem seus mortos e seus espólios, seus absurdos e seus panegíricos, qualquer outra revolução também tem, inclusive as religiosas, as reveladas e as veladas. Só saberíamos todas as vertentes dessa dialética se aqui uma verdadeira revolução empenasse o retilíneo dessa saga branca de roubalheira e domínio, que contamina todos os recantos desse Brasil varonil.
Se Hugo, Lula, Fidel, Bush e a rainha da Inglaterra são caricaturas do poder, nós também somos enquanto público e publicáveis. O que não se pode esperar é justiça ao se debulhar olhares sobre a história. Mas se deve esperar, sim, que os fiéis e os infiéis de Fidel não castrem nossos olhares sobre a revolução.

Marcos Leonel