(Rejane Gonçalves)
...Minha casa é quase uma ostra. E mesmo assim cuido de deixar bem fechadas as portas. Não sei como esta invasão.
Tem abelhas de todas as raças e nações
construindo aqui seus favos.
Quando converso contigo e me desprendo de mim e me antecipo numa névoa de ausência, na verdade eu não vou muito longe. Procura-me João, que eu devo estar por perto. Muito próxima. Devo estar na fábrica controlando a produção de mel. E se por vezes rio pro tempo, é que me entornam este caldo viscoso e doce nas regiões sensatas do meu cérebro.
Transborda o favo do meu juízo.
E se por vezes me fecho de fisionomia, é que a cantiga das abelhas me arrepia a alma, me estremece a carne, mastiga todos os pedaços do meu coração.
Meu corpo é um zumbido lilás
zunindo pelas calçadas.
Uma dor escancarada pro tempo.
Reclamas que nestes últimos dias ando desaparecendo assim que assomo à porta. E quando te achegas, já não tem mais eu. É que preciso estar atenta. Ligada às terras do meu crânio. Não sei se te contei, mas andaram fazendo desgraças com o meu pensamento. E houve mesmo um tempo morno, esquartejado no espaço, em que aqueles bichinhos destruíram parte do meu cérebro. Aí, uma dor comprida feito a linha do horizonte debruçou-se em curvas nas janelas de minha cabeça. Misturou-se como vidro quebrado a essa massa disforme. A dor me viajou toda como se fora eu um grande país de areias virgens. Percorreu todos os meus domínios e me deixou sem voz. E para não me subtrair de mim mesma. Para não me roubar de ti.
Eu fui.
Me ausentei.
E essa meia vida. Esses pedaços do nada, entre o permanecer e o ir embora, me emprestam ao corpo um cheiro esquisito de cemitério e placenta. Uma indecisão entre o nascimento e a morte. Se pelo menos eu não odiasse esse defunto. Se pelo menos eu não pretendesse abortar este feto.
Na verdade tudo ficou pronto. Findo. Acabado. Minha casa está terrivelmente arrumada. Mas os bocejos de um cansaço preguiçoso não me deixam fazer a mesma tolice com o meu pensamento.
O zumbido do mundo entrou em minha cabeça com o primeiro clarão do sol. Encheu de coisas sombrias todos os compartimentos de minha mente. Espetou seus dedos de unhas compridas no cimento amolecido destas minhas paredes. Dos meus ouvidos saiu uma fita de sangue muito viva e bem larga.
Gosto de cabelos presos.
Vou amarrá-los, João.
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