Este post é um paradoxo. Ou melhor, uma salada para falar da vida e da morte. Invertendo o curso do tempo, começando pela morte. Ontem 31 de maio foi o dia mundial da luta contra o tabaco. Inegavelmente uma grande pandemia que atingiu todas as culturas humanas a partir de uma planta descoberta nas Américas e utilizada de modo ritualístico pelos nativos. O tabagismo é tão expressivo que atinge todos os componentes das doenças da atual civilização: a pouca educação, a dependência psicológica e química, a pobreza associada, os piores efeitos sobre o corpo inteiro e têm repercussão social pois contamina, por ser uma fumaça, as pessoas ao lado do fumante.
Em 1989 morreu uma das mais belas mulheres do século XX. Aos 59 anos, nascida em Roma, filha de um siciliano com uma inglesa, no ano de 1930. Foi casada com o produtor e ciumento Dino de Laurentis, parceiro de Carlo Ponti, marido de Sophia Loren. Em razão do ciúme de Laurentis, Silvana não foi a protagonista da famosa cena com Mastroianni na Fontana de Trevi em La Dolce Vita. Silvana, embora tendo morado em Hollywood não era dada a badalações e após se divorciar do marido foi viver no eixo entre Paris e Madrid.
Silvana Mangano, grande fumante, morreu em Madrid após uma cirurgia para retirada de um câncer de pulmão.
Entre os grandes filmes de Silvana Mangano estão por ordem cronológica inversa: Olhos Negros (1987) de Mikita Mikalkov; Violência e Paixão (1974) de Visconti; Ludwig, a paixão de um rei - (1972) de Luchino Visconti; Decameron - (1971) de Píer Paolo Pasolini; Morte em Veneza - (1971) de Visconti; Teorema - (1968) de Pasolini; Edipo Rei - (1967) de Pasolini; A grande guerra (1959) de Mario Monicelli e Arroz Amargo (1949) de Giuseppe de Santis. Este é o filme que projeta a atriz. Silvana trabalhou em mais vinte filmes se destacando pelo prestígio a produção Ulisses (1955), Barrabás (1961), além de As Cinco Mulheres de 1960 e o Dunas de David Lynch.
O You Tube tem excelentes cenas de Silvana Mangano. Sem dúvida era uma mulher com todos os requisitos que este gênero humano possui. Têm o dom de baixar o ímpeto guerreiro e caçador a forças sobrenaturais de absoluta incompreensão. Até porque mesmo a exegese desta força não é suficiente para impedi-la de agir. Os homens se tonteiam ao olhar, a uma expressão corporal, às coxas que lembram sustentáculos, às mamas que suportam a sobrevivência, aos lábios que douram a aridez da crosta terrestre. E Silvana Mangano sendo apenas ela mesma como evento imantado no devir do tempo e do espaço nos retém com o olhar decidido que após o aprisionamento seduzido, nos diz: tudo ainda pode acontecer, inclusive nada.
Claro que o tanto dito, tem uma causa no tempo de ontem e hoje. Aliás de um tempo mais universal para nós os brasileiros, especialmente os nordestinos. Partimos o tempo em três pedaços e vamos para a metade dele. Lá encontraremos o belíssimo filme de Giuseppe Tornatore de 1989, ano em que Silvana Mangano se tornou lenda definitiva. E no filme numa sessão do Cinema Paradiso uma cena com uma canção espanhola que me deixou confuso: era uma canção brasileira ou não? A letra: Ya viene el negro zumbon, Bailando alegre el baion Repica la zambomba. Y llama a la mujer Tengo gana de bailar el nuevo compass Dicen todos cuando me ven pasar "¿ Dhica , donde vas?" "Me voy a bailar, el baion!" Então baion é ou não é o baião do velho Gonzaga?
O filme, agora indo no tempo mais para o início, é um clássico de Silvana Mangano, chamado ANNA, filmado em 1951 (dirigido por Alberto Lattuada) com Vittorio Gassmann e Ralf Vallone, para o qual Perez Prado fez a música El Negro Zumbón. Aí duas coisas são evidentes. A cultural musical brasileira já tinha uma indústria fonográfica poderosa e seus sucessos invadiam outras culturas. Carmem Miranda é um símbolo desta exportação. O filme O Cangaceiro, de 1953 do diretor Lima Barreto, e menção especial do festival de Cannes, deu repercussão ao que o Gonzaga já inventara. Em 1946, o internacional conjunto 4 Ases e um Coringa gravara a música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: eu vou mostrar pra vocês/ como se dança o baião..E claro o mundo fonográfico americano, dono das marcas cubanas, adotou o nosso ritmo como igual.
Quem visitar o You Tube procurando pelo El Negro Zumbón, encontrará as cenas maravilhosas de Silvana Mangano ao ritmo misturado de rumba e baião. Ela até começa a cena dando alguns passos parecido com o xaxado a moda cangaceira. Silvana tem o crédito de cantora, tanto no filme quanto no disco, mas quem canta é Flo Sandon, cantora italiana. Sandon fez muito sucesso no pós guerra, ganhou o festival de San Remo de 1953 e teve sua carreira empurrada pelo próprio filme. Em 1954 Silvana Mangano fez o filme Mambo, no qual, novamente, retornam as misturas cubano-brasileiras (que o cinema americano adorava, incluindo Carmem Miranda em muitas iguais) em que a atriz tenta cantar em português. Um português tão sofrível que pouco se entende, vejam, também no You Tube.
Agora vejamos como o século XX que não nos pareceu nosso, na verdade o foi. O Brasil esteve entre as grandes culturas mundiais e ainda continua. Basta que compreendamos o nosso próprio rosto. Quando o Dihelson grita por uma qualidade melhor para música dos sertões nordestinos tem um senso de realidade. Quando peço para que o produtores e os prefeitos promovam a fotografia do Pachelly Jamacaru é que nela encontramos a nossa alma. A condição para ser no mundo civilização ainda continua e continuará sendo reconheço o meu rosto.
Um comentário:
Plac , plac , plac ...
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