Rezam os anais da nossa cidade que o primeiro automóvel
chegou em Crato, em 1919, por iniciativa do comerciante Manuel Siqueira Campos
que terminou imortalizado, nomeando uma
das mais importantes praças de Crato. Nas décadas que se seguiram , com a
pujança do nosso setor mercantil, o carro foi se tornando uma presença cada vez
mais constante nas nossas ruas. Os antigos Fords Bigodes foram sendo
substituídos , pouco a pouco, por modelos mais modernos : Buicks, Cadillacs,
Mercedes, Mercurys, Simcas. Após a II
Grande Guerra, começaram a chegar os
caminhões que transportavam cargas , mas, também, travestiam-se de transporte
coletivo interurbano. Vezes feitos pau-de-araras , tantas outras transformados
em Mistos, levavam passageiros ,mundo a fora, por estradas terríveis e quase
intransitáveis, num incômodo inimaginável nos dias de hoje. Comparadas, no entanto, com as viagens longas,
em lombo de animais, os caminhões traziam consigo o cheiro inevitável do novo :
maiores velocidade e conforto.
A
tecnologia ainda primária dos primeiros veículos pesados, somada à tortuosidade
natural de algumas estradas , como as que beiram a nossa Chapada do Araripe,
elevavam, consideravelmente, o risco de acidentes. Ficaram famosas, na nossa
região , a Ladeira das Guaribas aqui em Crato e a do Quincuncá em Farias Brito.
Rodagens íngremes e extensas se associavam a fitas de freios aquecidas e
terminavam desembestando caminhões, ladeira abaixo, com incontáveis vítimas.
Até uns poucos anos atrás, a nossa Batateira via-se , diariamente,
aterrorizada, temendo a chegada descontrolada de caminhões sem freio invadindo
suas ruas e casas.
Pois
o que vou contar vem desta época de heróicos desbravadores. Contava-se por
aqui, com o exagero natural dos descendentes da Vila de Frei Carlos, esta
historinha que buscava exemplificar o risco que era descer de caminhão a
Ladeira das Guaribas.

Atrás
, tinha restado um rastro de destruição. Romeiros feridos, ex-votos espalhados,
alguns corpos sem vida. Aos poucos, os acidentados foram levados ao hospital,
por carros que iam passando. Chagas permaneceu, ainda, por muito tempo, na
boléia, sem entender o que tinha acontecido e deixado de acontecer. Uma viagem
tão tranqüila! Como, de repente, se estabelece tamanho caos ?
Uma
hora depois chegou ao local um radialista. Resolvera entrevistar o chofer, quando soube da tragédia, através das vítimas que atulhavam
a emergência do hospital. Aproximou-se o repórter do motorista e interrogou-o
sobre o inusitado da cena:
---
Amigo ! Parabéns, quanta perícia ! Você é um herói, meu chapa !Mas me diga uma
coisa, por que você não fez como os passageiros e pulou do carro ?
Chagas,
ainda capiongo e confuso, explicou:
---
É que eu carrego pregada aqui no tabeliê do carro, próximo ao volante, uma
imagem do meu santo de devoção : São Cristovão ! Com ele, meu amigo, pra mim
não tem tempo ruim !
O
radialista subiu na boléia , curioso em conhecer o santo milagreiro:
---
Cadê o santo ? Me mostre !
Chagas escascaviou todo o quadro do caminhão e não encontrou
o santo. Procurou embaixo --- poderia ter caído nos solavancos--- e nada ! Olhou,
então, convicto para o repórter e
concluiu:
---
O negócio foi mais feio que briga de foice no escuro. Pois na hora do
pega-pra-capar, meu senhor, não é que até São Cristovão pinotou fora também, pra num ver o destroço !
J. Flávio Vieira
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