A ditadura mais duradoura do Brasil, com maior número de
vítimas fatais e grande número de torturados e desaparecidos foi engendrada
como uma luta contra o comunismo. Este pintado com todos os ingredientes
semióticos da visão negativa da cultura brasileira de então. Ser comunista no
Brasil, era igual à prisão, tortura e até morte. Era como ser acusado de bruxa
pela Inquisição Medieval.
Como os comunistas brasileiros não eram tantos, o suficiente
para fazer face ao arbítrio, o linguajar da ditadora, inclusive em atos
institucionais e notas de imprensa ameaçadoras, adotou um estilo do tipo
chocolate sonho de valsa. Usaram a palavra subversivo contra todos os
opositores (inclusive liberais e ex-aliados como Lacerda) subentendendo que no
núcleo duro estava o comunismo.
Entendido que ser comunista no Brasil era ser usurpado de
todos os direitos humanos e políticos.
Ai vem a história que me contou ontem José Almino, o filho
mais velho do grande político Miguel Arraes, uma vítima de destaque da
perseguição do golpe militar de 64. A história aconteceu com Violeta Arraes e
Luiz Gonzaga.
Seu Luiz era um sertaneja muito esperto, nunca foi de muita
leitura, enquanto serviu no Exército, por mais de 10 anos, nunca prestou sequer
um concurso para cabo. Foi soldado a vida inteira e ligado aos músicos dos
quartéis. Mas isso não impediu de ser um dos homens mais reconhecedores da
própria situação, que tinha um criatividade sem igual e que sozinho criou o
estilo de música nordestina que pontuou nas cidades e ocupou as mídias
fonográficas, o rádio e os shows.
Seu Luiz inventou o regional nordestino com uma oportunidade
sensacional. Não podia correr as estradas carregando um bando de músicos.
Inventou a formação da sanfona, o bumbo e o triângulo. Este último sendo um
músico achável em qualquer canto do nordeste. Era a formação que poderia levar
num automóvel de passeio.
Um gaúcho se apresentou, com sucesso, a caráter, num
programa de auditório. Seu Luiz mandou comprar no Juazeiro a roupa de couro
mais enfeitada que tivesse. Daquelas que os vaqueiros não usam. Fernando Lobo
(pai do Edu Lobo) que tinha programa de auditório até proibiu seu Luiz de usá-la.
Mas assim ele criou o estilo.
Seu Luiz se juntou à melhor safra de poetas com temática
nordestina, com aquele estilo matuto, assim como já fizera Catulo da Paixão
Cearense. Eram letristas da cidade e educados, mas criaram o estilo de
qualidade. Um Patativa do Assaré seria mais autêntico que estes doutores da
letra nordestina? Difícil dizer, tal foi a dimensão que a música de Luiz
Gonzaga cobriu a cultura nacional.
A verdade é que seu Luiz sempre esteve junto aos políticos e
os adulava mesmo. Como vinha da terra dos coronéis, ao político da linha
ideológica de direita ele era mais próximo. Elogiou o golpe de 64 e os
militares por trás dele. E participou de campanhas eleitorais contra Miguel
Arraes, inclusive tirando frases da própria lavra.
Aí vem a história com Violeta Arraes. Gonzaguinha foi para a
Europa e levou seu Luiz a tiracolo. Em Paris, na companhia de outro músico
amigo da Violeta, quis visita-la. E foram os três, incluindo seu Luiz até a
casa de Violeta. Quando chegaram a Violeta os recebeu com agrado mas pontuou
que antes de tudo gostaria de lembrar a seu Luiz a campanha dele contra Miguel
Arraes que era um político que representava os interesses do camponês
nordestino. A mesma origem de Seu Luiz.
Seu Luiz com muita calma. Disse mais ou menos assim: Dona
Violeta, eu sou um matuto pobre, de família pobre, nasci num lugar perdido do
mundo chamado Exu, toco um instrumento que pouco valor tem no meio dos ricos e
a senhora ainda quer eu seja comunista?
Ou seja, levar porrada da ditadura!
Todos riram da tirada de seu Luiz.
Naqueles idos Gonzaguinha fazia parte da música de protesto,
à esquerda do regime, com o Movimento Artístico Universitário (MAU) e seu Luiz
foi seu padrinho em alguns festivais. Acontece que seu Luiz tinha caído num
ostracismo artístico tremendo nos anos 60 e quem os recuperou foram os músicos
da geração de Gonzaguinha como Caetano, Chico, Gil, Alceu entre outros.