J. Flávio Vieira
Na Sexta-feira última, a Suprema
Corte dos Estados Unidos legalizou o Casamento entre pessoas do mesmo sexo. Na
prática, os cinquenta estados federados , agora, não mais poderão se negar a
consolidar uniões com base apenas na heterossexualidade. A questão do
Matrimônio Gay se arrastava há muitos e muitos anos. Desde 1996, havia Lei
Federal, emitida pelo então presidente Bill Clinton, que proibia esse tipo de união. A partir daí, no entanto,
vários estados americanos foram, pouco a pouco , com base em suas Constituições
Estaduais, quebrando o veto da Lei de Clinton e emitindo licenças para
casamento. Quando da votação histórica , já trinta e seis estados tinham
avançado neste sentido, restando apenas quatorze que ainda se mantinham irredutíveis. Na última sexta feira, por fim,
os juízes da Suprema Corte tiveram que decidir se os Estados americanos tinham
ou não a obrigação constitucional de emitir as licenças de casamento para
casais do mesmo sexo e, mais, reconhecer as uniões feitas nos outros estados da
federação. Finalmente, depois de uma longa queda de braços, a bandeira
multicolorida terminou hasteada festivamente nos mais recônditos locais dos EUA.
A decisão da Suprema Corte, é bom que se entenda, não só permite um ato
simbólico de casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas estende os benefícios
sociais e pensões públicas aos parceiros dessas uniões.
A
decisão do último fim de semana já nem parece tão polêmica aqui no Brasil. Nos
últimos anos, a questão, entre nós, já parece totalmente sobrepujada. Nossos
tribunais já têm clara orientação de proceder aos enlaces independentemente de
sexo. Aos poucos , como é de se esperar, as solenidades vão ficando perfeitamente
naturais. Quem hoje ainda lembra da polêmica questão do Divórcio, que acalentou
fervorosas discussões no Brasil nos Anos 70 ? Hoje é um ato tão simples e
corriqueiro como o matrimônio. A Libertação dos Escravos movimentou toda a
Sociedade Brasileira no final do Século XIX em times a favor e contra. Hoje
tentamos, todos, nos esquecer daquela violência institucionalizada. Como
sempre, as Lei vêm sempre a reboque do curso natural dos comportamentos e
costumes.
Talvez
o mais chocante na decisão da Suprema Corte more na constatação de como um país de primeiro mundo como os EUA, a
mais importante Economia do planeta, tenha demorado tanto para tomar uma
decisão tão importante e libertária. Como um país tão avançado e aparentemente
liberal nos seus costumes permaneceu cego durante tanto tempo ? Como fechar os
olhos para a realidade cristalina à nossa frente? A família deixou de ser
aquele idílico núcleo de pai-mãe-filhos. Hoje as possibilidades são infinitas :
mãe-mãe-filhos, pai-pai-filhos, avó-avó-filhos-netos, mãe-sozinha, pai-sozinho,
mãe-doador de sêmen-filhos, pai-mãe-barriga de aluguel-filhos, doador de
sêmen-barriga de aluguel-filhos-pai adotivo ... Como compreender, assim, que um
casal de gays, vivendo muitos e muitos
anos juntos, construindo todo um patrimônio a quatro mãos, com a simples
separação do casal, uma parte seja totalmente prejudicada, sem qualquer
intervenção possível do Estado ? E em caso de morte de um dos cônjuges, onde estará a justiça para fazer o viúvo/viúva
herdeiro, com direito à pensão do seu parceiro ? Qualquer um dia nós pode
carregar sua carga de preconceitos, suas pessoais interpretações religiosas, mas
o Estado deve ser um juiz totalmente imune a quaisquer tipos de preconceitos e,
mais que tudo, laico.
O
utilitarista Stuart Mill dizia, com propriedade, que apenas uma coisa
justificaria a criação de uma Lei: impedir que minha liberdade fira a liberdade
dos outros. A justiça , assim, não tem jurisdição sobre o banheiro, a alcova, os hábitos de vida, os
desejos de qualquer cidadão desse planeta. A ninguém deve interessa o caminho
que qualquer um tome, com quem cruze na sua viagem, desde que não se atropele
ninguém no percurso : cada um de nós
determina o sentido e a direção da própria vida. O Estado deve apenas estar, a
todo instante, do nosso lado, nos
amparando e auxiliando no itinerário. Em tempos de tamanha
violência, de tanto individualismo, que o Amor floresça como rosa, como lírio,
como cacto !
De
qualquer maneira, a sentença da Suprema Corte traz consigo um simbolismo imperecível.
Os grilhões do conservadorismo terminam sempre quebrados pela gazua da
modernidade. Desde sexta-feira última, o mundo ficou mais respirável. Ante a
luz ofuscante do passado opressivo insinuou-se o prisma do novo e refez-se o
milagre da refração com o Arco-Íris pintando o mundo de esperança.
Crato, 02/07/15
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