TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

Mostrando postagens com marcador REFLEXÃO. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador REFLEXÃO. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Governos tucanos prejudicam a educação pública


A edição de Abril da revista Caros Amigos traz duas matérias sobre as péssimas condições do ensino no Estado de São Paulo: um artigo da jornalista Marilene Felinto, que analisa as medidas desastrosas do governo José Serra para a rede pública estadual, e uma reportagem de Beatryz Rey com professores temporários e eventuais, que vivem em situação precária e são vítimas do caos existente nas escolas de ensino fundamental e médio. As matérias da Caros Amigos abordam questões que boa parte da grande imprensa tem ignorado – principalmente porque evitam críticas aos governos do PSDB.


Amigos leitores estes TEMPORÁRIOS, COLABORADORES, AMIGOS DA ESCOLA só existem em São Paulo mesmo ?


Saudações Geográficas!
João Ludgero

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Onde está o povo?


Vivemos uma semana de homenagens aos heróis brasileiros, Tiradentes, Pedro, etc. Achei este texto de Júlio José Chiavenato interessante para este momento. Fica aberto o debate para os intelectuais da "Velha" e Nova História, da Geografia Nova ou da Nova Geografia, Filósofos, Sociólogos, etc.

Nos livros de história o povo quase nunca aparece. É Pedro I gritando, Bonifácio propondo, Isabel “abolicionando”, Caxias puxando a espada, um tal de “quem for brasileiro, siga-me” ou “morre um liberal mas não morre a liberdade”. Povo que é bom...

Será verdade?

Fala-se muito que este é um “povinho safado”. Dizem que o brasileiro não luta, aceita os fatos passivamente, e que as grandes mudanças na política acontecem sem sua presença.
Melhor repensar algumas coisas. Quem é o povo? O que são grandes mudanças políticas? E, afinal, a velha e anedótica questão – que país é este?

Antes das respostas, porém, vamos lembrar o óbvio: sem povo, não há história. E repetir o truísmo: a história tem sido escrita pelos vencedores. Especialmente no Brasil, com raras exceções, sua interpretação é feita pelas classes dominantes.

Uma das características básicas da historiografia tradicional é negar ao povo qualquer participação profunda nas mudanças da sociedade. A partir daí se exerce um controle ideológico tendo por base o seguinte: são os “grandes homens”, os “heróis” e os “santos” que lutam pelas massas, pois elas são incapazes de entender a grande política.

O Culto ao herói, ao grande homem, é utilíssimo ao poder. Por meio do mito criado aprendemos a respeitar a autoridade e a não questionar o que é “de lei”. O culto aos grandes homens do passado, feito muitas vezes contra, a verdade histórica projeta-se nos anões políticos do presente, menosprezando a capacidade política do povo de cuidar do seu próprio destino. É muito simples entender, mas bastante complexo desarmar toda essa mitificação.

Séculos de dominação ideológica, nos quais raramente aparece o outro lado da história, levam-nos a acreditar nas “verdades estabelecidas”. Com referência a história do Brasil, é mais fácil as pessoas aceitarem mentira do que a verdade. Uma conseqüência lógica. É uma das grandes forças que mantém a opressão sobre a maioria do povo brasileiro.

Saudações Geográficas!
João Ludgero

terça-feira, 24 de março de 2009

EDUCAÇÃO E CORONELISMO


Amigos leitores, achei interessante postar este texto, porque o mesmo apesar de tratar da realidade da educação e de uma IES do Estado de São Paulo, nos permite fazer um paralelo com o que vêm acontecendo aqui no Ceará, e principalmente no Crato. Se você substituir as localidade pelo Crato, os atores e a IES, você se sentirá realmente no Crato.

Afinal, o que é Educação? Podemos discernir uma breve definição que dará conta do que pretendemos dizer neste pequeno artigo. Educação é um processo que – através da assimilação de conhecimentos sistematizados, a partir da aferição junto aos anseios da comunidade – objetiva a formação de cidadãos conscientes e participativos que se voltam para a mesma comunidade e, num processo dialético constante, explicitam as contradições da realidade, revendo aqueles conhecimentos e contribuindo para a formação de uma sociedade mais justa e um ser humano mais acabado, isto é, pessoas que saibam conviver com a incompletude, eternamente aprendendo, transcendendo e se realizando na tensão indivíduo/coletividade, como Homens Integrais e plenos de consciência e vitalidade. Dissemos quase tudo nesta breve síntese? Seria melhor enfatizar um ingrediente fundamental: a felicidade. Sim, a Educação deve servir para atingirmos um estágio superior que só se revelará como tal na superação das nossas contradições e, pelo menos, das carências básicas. Felicidade é/implica (processo e produto) superação e transcendência.
Deveríamos, de fato, às portas do terceiro milênio, ter superado muita coisa, como fizeram outras nações. No entanto, apesar de sermos a quinta economia mundial, convivemos com a miséria, uma enorme massa de excluídos, deseducados, escandalosas discrepâncias sociais, corrupção institucionalizada etc., etc. Falhamos, não é verdade? Somos uma nação de terceira categoria? Somos gentinha ordinária que merece os governantes corruptos que se sucedem no poder? Ao contrário, prefiro entender a realidade como um processo histórico e ideológico que pode ser superado. Temos, de fato, no nosso passado, a reiteração de elites retrógradas que encontraram em terras brasílicas um clima favorável para vicejar: a índole pacífica e conformada do povo brasileiro, do homem que sorri apesar de irrealizado, como observou Mário de Andrade.
Nossas especificidades nacionais mantiveram vivas as velhas oligarquias, sobreviventes em metamorfoses camaleônicas (apesar da pós-modernidade e da sociedade globalizada): foram mudando de siglas partidárias e robustecendo seu eficiente (mas doentio) coronelismo. O voto de cabresto e os currais eleitorais tomaram configurações mais profundas e mais perversas. Ora, a educação seria o meio de superação desse estágio primitivo. Mas (e aqui atingimos o ponto fulcral da questão) foi justamente agindo no espaço educacional institucionalizado – a escola – que esses senhores mantiveram seu feudo, quebraram a espinha dorsal do sistema educacional, nutriram o subdesenvolvimento e enriqueceram com ele.
Tenho uma historinha e um exemplo deste fenômeno. Aliás, dele fiz parte. Presidente Prudente, no interior de São Paulo (um microcosmo) convive com um exemplar magnifico desta espécie de coronel da modernidade. Não há nenhum modelo tão significativo na literatura (talvez o milionário Wundershaft, da peça de Shaw). Refiro-me ao dono da universidade do oeste paulista, agora prefeito. Figura poderosíssima nos meios políticos, que enriqueceu ajudando a promover o esfacelamento do ensino público e gratuito. (É só um pequeno exemplo: há muitos como ele. Isto é apenas um retrato). Agiu na formação de uma geração, promovendo o que sintetizaremos aqui como deseducação, que se constitui na alienação dos valores que configura o Homem Integral. Neste mundo, de fato, parafraseando o poeta, “não dá pra ser feliz”.
A universidade do oeste paulista possui cursos em todas as áreas. Antigamente era conhecida pela sigla apec e seu núcleo envolvia os cursos voltados para a formação de professores: letras, história, geografia, matemática, etc. Tais cursos eram de baixíssima qualidade e os professores, na sua maioria, despreparados. Bem, a situação se mantém a mesma. O escândalo, no entanto, se evidencia no desmonte que promovem à estrutura curricular estabelecida pelo ministério da educação e cultura aos respectivos cursos. Eu explico. O curso de letras, por exemplo, fica exprimido em três anos (em outras Universidades são de quatro anos) e, para atender ao currículo mínimo do mec, há aulas de segunda a sábado (seis aulas na sexta e seis no sábado) que deveriam ser assistidas por todos os alunos. Está aí a tramóia. Criaram-se (informalmente) duas turmas: uma de segunda à quinta-feira e outra de sexta-feira e sábado. Portanto, por um lado, cada aluno tem a metade do mínimo; por outro, os lucros, ao empreende-dor, chegam em dobro. No final do curso, no histórico escolar do aluno, constarão muito mais aulas que na verdade ele teve. Apesar da tentativa desesperada de alguns professores e alunos de manter algumas prerrogativas éticas (valores pessoais lutando sofregamente para suprir a falha institucional), as aulas são oferecidas em condições extremamente insatisfatórias. É incrível, quase inverossímil, que tal situação se sustente por décadas.
Os prejuízos para a Educação, neste quadro caótico (que pode ser confirmado por alunos e professores da unoeste), são devastadores. Professores despreparados, currículo diminuído e valores distorcidos estão na base da formação de outros professores que, por sua vez, vão ocupar as escolas públicas e garantir a continuidade e o alastramento desta poderosa chaga cancerosa, criando a enorme porcentagem de miseráveis e excluídos, inclusive, do espírito de cidadania como já nos referimos. É isto, por fim: escola… deseducação… infelicidade… carência substituindo transcendência.
Não estamos discutindo aqui a legalidade do procedimento da universidade do oeste paulista, nem a conivência ou respaldo do ministério da educação e cultura. Estamos afirmando que são instituições minúsculas, e, sem dúvida, avalizadoras da nossa situação de subdesenvolvimento. O mais triste é que não se configura nenhuma perspectiva de mudança. Quase nenhuma, tendo em vista a vitória eleitoral (espantosa contradição) deste gênio do poder (negação do fenômeno humano) que resgatou a velha fórmula, evidentemente condenável, dando-lhe feições de modernosidade: plantar ignorância e colher votos.

Por - Dante Gatto Professor da UNEMAT, Campus de Tangará da Serra (MT)

sábado, 15 de novembro de 2008

PELA ARTE POPULAR

No festival cariri das artes, mais uma vez nossa terra em festa.
Carregando a obrigação de tratar da cultura, mais uma vez se vê, pessoas com muitos sonhos. Tão difícil, se sabe, cumprir essa obrigação. Principalmente, considerando que existe todo um jogo de interesses relacionado à comercialização no sentido do alcance de lucro, manipulando os eventos que ocorrem pela sociedade.
Não preciso nem destacar, pois tudo é do conhecimento, ou basta ter um só momento e querer observar.
Pensando que as coisas não acontecem por acaso, vale relembrar as considerações feitas por Gramsci, que há uma classe de intelectuais necessária a uma estrutura existente.
Alguma reflexão há pelas linhas que seguem.
Mesmo considerando o espaço que é criado nesse evento, é uma coisa perigosa uma só entidade ser a grande/única patrocinadora de momentos tão importantes. O SESC é vinculado/subordinado a Federação do Comércio, instituição que tem suas tendências políticas bem definidas.
Claro, pode-se questionar a não atuação de secretarias municipais, universidades, associações representativas de classes etc. Acho, realmente, que tais momentos deveriam ser desenhados como fruto de debates entre agentes relacionados aos interesses locais.
Afirmo mais uma vez e sem nenhum receio que não simpatizo com isso e, faço questão de destacar o respeito às pessoas bem intencionadas e aos vários talentos importantes que nesse espaço circulam.
Há uma programação que é ideal, para alguém: DJ´s como proposta de cultura. Um momento que nada tem de popular, pois se configura em uma festa reservada. Penso se no lugar disso não haveria a oportunidade de criar um espaço e/ou melhores condições para outras pessoas participarem.
Mas, ainda bem que nem tudo é feio: alegria pela luta dos cocos, felicidade pela oportunidade de ter visto expressões artísticas que realmente elevam essa terra.
Leonardo Silveira
Professor da URCA e Músico

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

CONVERSA METAFÍSICA

Trecho belíssimo da entrevista de Leonardo Boff a Caros Amigos, relatando seu encontro com Darcy Ribeiro.
Frei Betto - Conta a experiência com o Darcy.
Leonardo Boff - O Darcy Ribeiro deixou no testamento que eu deveria fazer a encomendação do cadáver dele, e eu fiz. Também o que faço muito é atender pessoas que têm uma crise espiritual, estão em busca de alguma coisa, e pedem uma conversa. O Darcy pediu: "Eu quero a minha grande conversa com o frei Betto e o frei Boff". O Betto estava na África, tentei chamá-lo, não encontrei, e fui sozinho. Digamos que foi a última grande conversa entre tantas que tive com o Darcy. Ele disse: "Boff, quero ter uma conversa metafísica. Quero abordar a questão da morte, o que vem depois da morte, e não tem nenhum interlocutor, entre os meus amigos, que possa sustentar o discurso que eu quero". Fui lá uns quinze dias antes de ele morrer, e ele se abriu: "Quero discutir com você o tema da morte, porque estou enfrentando a morte, o meu último grande desafio". Então me fez ler o prefácio do inédito Confissões (livro lançado posteriormente), em que faz uma leitura de sua vida, não uma autobiografia, mas fatos relevantes, luminosos da vida dele. E terminava o prefácio dizendo: "Pena que a vida, tão carregada de lutas e fracassos, e vitórias, e vontade de trabalhar, seja marcada por uma profunda desesperança, porque nós voltamos, através da morte, ao pó cósmico, ao esquecimento, e ficamos na memória, que é curta e só de algumas pessoas, e voltamos à diluição cósmica". Então eu disse, ao terminar a leitura: "Darcy, acho que é uma interpretação de quem vê de fora. É como você ver a borboleta, e ver o casulo. Você pode chorar pelo casulo que foi deixado para trás e ver que ele morreu. Mas você pode olhar a borboleta e dizer: "Não, ele libertou a borboleta, e ela é a esperança de vida que está dentro do casulo".
Leo Gilson - Embora seja muito efêmera?
Leonardo Boff - É. Mas, de toda maneira, é vida, não é? Então eu disse: "Darcy, no pensamento mais originário, contemporâneo, da biologia molecular, no estilo Elya Prigogine, o caos é uma invenção da orbi, a morte é uma invenção da vida, pra vida ser mais complexa, mais alta, e a tendência da vida é buscar a sua perpetuação, a sua imortalidade. Darcy, deixa te dizer como imagino a tua chegada, o teu grande encontro. Não vai ser com Deus Pai, porque pra você Deus tem de ser Mãe, tem de ser mulher... (risos) Então tem de ser Deusa. Imagino assim: que Deus, quando você chega lá em cima, vai dizer com os braços abertos: ‘Darcy, como você custou pra chegar, eu estava com uma saudade louca de você, finalmente você veio, você não queria vir, você teve de vir e agora chegou’. E te abraça e te afaga em seu seio, e te leva de abraço em abraço, de festa em festa...". E ele emendou: "De farra em farra...". (risos) Eu digo: "Darcy, isso será pela eternidade afora". Aí ele parou e me olhou de lado, assim como que interrogando, e disse: "Como gostaria que fosse verdade! Minha mãe morreu cheia de fé e morreu tranqüila, eu invejo você, que é um homem inteligente e de fé. Eu não tenho fé. Como gostaria que fosse verdade". E aí lhe correu uma lágrima e ele ficou silencioso, estremeceu e teve um acesso de diabetes, uma queda muito grande de pressão e tiveram de levá-lo. E terminou assim a conversa. Eu ainda disse antes de ele sair: "Darcy, não se preocupe com a fé, porque Deus não se incomoda com a fé. Pelos critérios de Jesus, quem tem amor tem tudo. Então, quando a gente chega na tarde da vida como você, quem atendeu os famintos como você; crianças abandonadas como você; índios marginalizados como você; negros que você defendeu; as mulheres oprimidas, desde o neolítico ninguém louvou tanto a mulher quanto você – quem fez isso ganha tudo, porque optou pelos últimos, por aqueles que estavam em necessidade. Quem fez isso tem o reino, tem a eternidade, tem Deus. E você só fez isso". Ele respirou e disse: "Puxa, mas tem de ser verdade". Mas não conseguia dar o passo, acho que não importa dar o passo, acho que ele teve a coerência de vida, que foi carregada de um grande sentido, de uma grande luta generosa.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O FATOR DEUS

Postado por - João Ludgero
Autor: José Saramago
Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes. Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro. Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, seqüestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mais limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado.
Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, devíamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como os outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar. Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história.
Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um Deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, e não a outra...) a bênção divina. E foi no "fator Deus" em que o Deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um Deus andou a semear ventos e que outro Deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres Deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.