TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Concha - por: Claude Bloc

Formatação da Imagem: Claude Bloc

Algumas vezes custava-lhe muito sair da concha. Sentia que assim seria possível preservar momentos, lembranças... Era aí que se punha a escrever. Sentia ainda aquele cheiro abstrato de letras e palavras pingando-lhe pelo papel à sua frente. Escrevia, então, frementemente tentando se lembrar de detalhes perdidos ou esquecidos. E vinham-lhe versos inteiros ou ainda frases entrecortadas, quase sempre sem rima, sem lógica, mas sabia que era tudo a mais pura expressão de seus sentimentos. – Como posso escrever desta maneira? – pensa tentando delinear algo coerente em seus escritos.

Tenta mais uma vez, esforça-se, esboça ansiedade, impacienta-se... Finalmente uma quietude inesperada toma-a e toca-a em plena imaginação poética. Abstém-se por um instante de prosseguir. Suspende a mão que repousava sobre o papel. Levanta a vista lentamente ainda divagando e pousa o olhar sobre o relógio de parede. –Três horas! E nem percebi o tempo passar !

Sua cama está coberta de papéis, algumas fotos e na mão ainda segura um lápis, o mensageiro de sua alma. Dirige-se à janela. Passara o dia todo sem olhar para fora. Incrível como os elementos noturnos provocavam-lhe reações intensas. Sentenciara inúmeras vezes que não mais se deixaria tocar pela magia da lua... nem mesmo se emocionaria com o som das estrelas... mas capitulara! Era impossível! Tudo lá fora era poesia e ela ali mal conseguia esboçar palavras.
Mergulhara em si mesma tão profundamente que só encontrara agora as insalubres mazelas de outrora e o ranço de injustiças e conflitos que ainda lhe doíam.
.
Talvez por falta de hábito, deixara à margem de sua vida a própria liberdade. Esquecera-se de viver, ignorando seus desejos, a força da paixão. Deixara-se influenciar por uma razão arbitrária e estreita como a se eximir de uma culpa que não tinha.

E, sem nenhuma pressa, volta-se para aquele espaço onde sorrira e chorara tantas vezes. Seu quarto finamente se tornara o provedor de suas reflexões... Ainda não conseguira libertar-se de sua fase noturna, de suas contemplações estratosféricas, da ação interna de sua alma sob a qual sucumbiam anseios, pensamentos dobrando-se sobre si mesmos. Não se sentia infeliz. Não era isto! Tinha, portanto, a consciência de que a ansiedade tendia a limitar sua sensibilidade, sua capacidade de sentir as alegrias que se prenunciavam. Detinha-se indefinidamente em entregar seus sonhos ao deslumbramento de um tempo passado. Sonhos capazes de expor as nervuras de todos os sentimentos que a levavam a esse delírio que as noites lhe traziam.

O telefone não tocara. Esperara mais uma vez a luz dormir em seus olhos entre o vento marinho e o sopro da saudade. A noite amanhecia transbordante de energia poética. Seu pensamento recolhia aquele fragmento de eternidade traduzindo-o em sua alma. Ia dormir então vencida por Morfeu. No mais, ia seguir vivendo.

Texto por Claude Bloc

Um comentário:

socorro moreira disse...

Claude ,

Quem vive o transe poético da madrugada , toma banho de bica nesse texto.


Abraços.