segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

50, 05, 80, 08 -– José Nilton Mariano Saraiva

Quando JK, um dos maiores presidentes do Brasil, materializando uma promessa de campanha se decidiu pela relocalização/transferência da capital federal, do Rio de Janeiro para o planalto central do Brasil, a virgem e inóspita região do cerrado goianense serviu de abrigo para a “terra prometida”; e, assim, sob o comando de Oscar Niemayer, vimos surgir - vapt-vupt - a moderna Brasília e suas arrojadas linhas arquitetônicas pra lá de revolucionárias. De pronto, objetivando expressar a dinamicidade e a incrível transformação daquela área em tão pouco tempo, competentemente a turma do marketing do Governo Federal houve por bem cunhar a expressão “Brasília - 50 anos em 05”  (ou seja, aquilo que em condições normais só seria feito em 50 anos acabou sendo feito em apenas 05 ).
No Crato, dos dias atuais, a coisa funcionou exatamente em sentido inverso: após uma administração caótica, cuja característica maior foi o desgastante confronto frontal do prefeito da cidade com o Governador do Estado (daí o abandono a que a cidade foi relegada pelo Chefe do poder executivo estadual) o senhor Prefeito sai rotulado com o sinônimo de incompetência e improdutividade (daí despedir-se  melancolicamente do poder), já que deixando atrás de si um rastro de decepção e frustração. Tanto é que, além de não ter conseguido sequer eleger o sucessor (apesar da caneta na mão - e até por isso mesmo), foi oficialmente notificado/acusado pelo Tribunal de Contas dos Municípios de “improbidade administrativa”, mercê do “possível” desvio de generosas verbas públicas para atividades outras, desconhecidas dos órgãos competentes (assim, a tendência é que mui provavelmente terá que devolver aos cofres públicos, mais cedo ou mais tarde, a parte da grana para a qual não existe comprovação de uso adequado).
Fato é que, em razão do descomunal estrago propiciado na gestão que agora chega à fase crepuscular, é fácil constatar que o Crato, que já apresentava evidentes sintomas de decadência, perdeu nos últimos 08 anos muito daquilo que há bastante tempo detinha (Sesi, Sebrae, Escola do São José e por aí vai) ao tempo em que deixou de ganhar, por omissão ou falta de prestígio, empreendimentos de porte e que todos consideravam como certeza absoluta: o Campus da UFC, a Escola Técnica Federal, Aeroporto, Hospital e muito mais. Hoje, poder-se-ia até afirmar que o quadro propiciado pela enxurrada que inundou a cidade meses atrás poderia ser apresentado à posteridade como o emblemático retrato da própria administração municipal: um caos.
Temos, então, duas posições antagônicas, diametralmente opostas: se para caracterizar o estupendo e célere progresso de Brasília cunhou-se a expressão “50 ANOS EM 05”, no Crato o mais apropriado seria afirmar que a cidade regrediu ”80 ANOS EM 08” (ou alguém tem dúvida de que a cidade experimentou um desgastante, penoso e angustiante processo de desconstrução, desfazimento e retrocesso nesse tempo ???).
Agora, nesse derradeiro dia do ano de 2012 e no momento em que todos desejam a todos um ano de 2013 repleto de prosperidade e paz, só nos resta ficar na torcida para que o novo  e jovem mandatário da cidade (um empresário privado de sucesso, mas sem qualquer experiência no gerenciamento da coisa pública), consiga fazer com que no Crato a “roda volte a girar”.
Na oportunidade – para não dizer que não falamos de flores – expressamos aos conterrâneos o nosso ardente sentimento de que as coisas mudarão pra melhor na vida de todos nós, sofredores cratenses.
Aleluia, aleluia, aleluia !!!

AUGURI! - José do Vale Pinheiro Feitosa


Saudações por mais um ano. Pelo que chega. Que significa tratar do futuro. Sobre a forma de desejo que é muito mais do que uma subjetividade. É ponto de cruz do acontecido e deste acontecendo. Que se diga não é um mero acontecer: é uma ação humana para que assim seja.

Ao saudar a todos por 2013 não apenas imagino as forças imponderáveis da natureza ou do destino se assim preferirmos. Imagino as iniciativas, as tramas, as ações humanas que por isso mesmo se tornam projeções daquilo que pensamos, que imaginamos, mas na verdade, a priori, já estamos realizando.

Saúdo a grande renda de bilros que a nossa sociedade constrói na história. Por vezes redefinindo o desenho do papelão, repondo os espinhos, cuidando dos bilros, com as mãos ágeis a compor uma imagem que traduz a todos. Desde o sorriso do momento ao ar grave dos tempos.

Saúdo os nossos roedores, comedores, chupadores, de macaúba. Que respeitam o tronco da palma e, pacientes, aguardam que os cocos se desprendam dos cachos. E um especial abraço para os sitiantes do nosso espaço, os trabalhadores das nossas terras, os operários, vendedores, comerciantes, industriais da nossa vida e do nosso futuro.

Uma varanda no amanhecer, uma paisagem de serra e vale, um verde que brilha no cento da caatinga, as águas cristalinas da fonte e um céu que não é puro azul. Como somos de fazer, o céu se apinha de criações brancas, cinzas e por vezes pretas precipitações que até chegam a levar nossas construções inseguras.

Ao nosso Cariri, ao querido Crato, no pedaço de chão que alguém fez para sonhar, qual rosto tenha este sítio, este espaço, este canto, qual quintal sobre ou não para se ter sombras e pedaços inteiros de sol claro, que afinal somos equatoriais. E na falta de uma sacada que seja neste apartamento domiciliar, que os largos e praças repitam a nossa alma paciência.

Que espera a macaúba e o piqui se soltarem dos galhos para então saboreá-los, de tantos modos diferentes. O piqui se impregna no olfato e o liga de tal modo ao gosto que basta ferver na panela para uma fome descomunal se apresentar. E a macaúba, com nossos dentes amarelos e a amêndoa interior que solta o óleo do sabor, é a sobrevivência no bilro que faz a renda da vida.

A todas essas coisas pelas quais levantamos a voz como um Italiano no fim de ano: AUGURI!     

domingo, 30 de dezembro de 2012

Sobre descargas - José do Vale Pinheiro Feitosa


Estou repetindo o que li: quando Henry Kissinger visitou a China, perguntou ao chefe de Estado o que achava da Revolução Francesa e aquele respondeu que fazia muito pouco tempo que havia ocorrido para se fazer uma avaliação mais correta. A China é uma organização de governo milenar e o tempo de sua cultura mais largo e aprofundando em termos de história humana.

Durante as escaramuças iniciais da Revolução Francesa no que seria o Parlamento, ou Terceiro Estado, em suas reuniões quem se sentava à esquerda se unia em torno de mudanças no Governo, no Estado e na Sociedade e quem se sentava à direita, membros do clero e da nobreza, se uniam em conservação dos mesmos. Daí surgida a dicotomia esquerda e direita, progressistas e conservadores.

No início dos anos noventa, embalados com a queda da União Soviética e com a possibilidade de uma política mundial unipolar centrada nos EUA, a direita, ou conservadores, ou neoliberais, teve base para expandir o discurso do fim da história. Cessada toda a assimetria ideológica, agora seria uma estrada traçada pelas forças vivas do mercado. Historicamente isso significa a vigência de uma lei e de uma ordem única bem ao gosto daqueles que se reuniam à direita.

Mesmo com a crise do modelo neoliberal, que em economia significa essencialmente financeirização e desregulamentação, os conservadores continuam com horror à possibilidade de que exista quem pense de outro modo. Quem, aliás, pense porque vive a necessidade de viver e viver é um misto de bem-estar espiritual e suprimento de suas necessidades materiais essenciais (o que seja isso uma vez que muda tanto).

Os efeitos da Revolução Francesa, como disse o líder Chinês, continuam, historicamente duzentos ou trezentos anos é muito pouco para a história. Direita e Esquerda estão na pauta do debate não apenas em palavras. Não é possível apertar a descarga da divergência e jogar tudo na rede sanitária. Refugiar-se num tempo inexistente é a existência no vácuo, logo preenchido pelo mais recôndito que lhe existe na alma.

Quando não se pensa igual a mim isso revela o quanto de diferença há na visão de mundo. Mas precisamos qualificar onde permanecem as diferenças e, no meu entender, só existe um elo comum: a Constituição Federal. Assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. E onde se encontram as diferenças ao chocar os ovos da serpente?

Na solução que funda todo aquele exercício constitucional. “Na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias...” E tomemos por base um fio de fronteira entre ser e não ser: constituímos um “Estado de Direito Democrático” fundamentado na “soberania, na cidadania, na dignidade humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.” E, claro, “todo poder emana do povo, que o exerce por meio do seus representantes eleitos direta ou indiretamente nos termos desta Constituição.”

Com todo este “conservadorismo” a me tomar o penúltimo dia do ano me reporto à chocadeira dos ovos da serpente. Mesmo sabendo que nos extremos a gema do ovo gerará a serpente do braço vingador, que envenenará todo o exercício constitucional pretendido. 

sábado, 29 de dezembro de 2012

Como a serpente porá seus ovos no ano que chega? - José do Vale Pinheiro Feitosa


Um dos principais colunistas do jornal O Globo informou (ou inventou) uma notícia da revolta de um passageiro quando da falta de luz no Galeão (não foi um apagão, foi localizado no prédio do Aeroporto). O passageiro, segundo Ancelmo Gois, revoltado com a situação teria dito: Se alguém votar no Lula ou na Dilma é filho da puta. Antes de seguir adiante: Ancelmo é um neoudenista, a serviço da família Marinho, veio do Partidão, detestava o Brizola (por razões de afinidade de emprego) e agora é um legítimo opositor de Lula e Dilma com estímulo para receber igual xingamento de retorno.

Esse clima de palavrões anda solto na internet. Literalmente a manipulação, o preconceito, o ódio, o xingamento virou a língua de mentes em excitação insana. Um dos primos mais queridos me envia diariamente de dois a três e-mails com uma fixação mórbida em petistas, lulistas e no próprio político. O baixo nível de argumentação e o preconceito são de tal ordem que imagino os fascistas têm uma fábrica de produção de e-mails em alta atividade. Pelo que vejo, é uma determinada senhora que é a fonte de todas as diatribes. Certamente que recebe ou busca em alguém. A frequência mostra um martelar para criar hegemonia e promover golpes políticos e nas instituições.  

O conteúdo e a prática não deixam dúvida: são os mesmos dos idos dos anos 60 ocasião em que uma direita raivosa preparava o golpe de 64. Quando esse pessoal sentir-se com maior repercussão não tenham dúvidas: vão enaltecer o golpe e apresentar um discurso direitista agressivo, denunciando, denegrindo, agredindo e tentando formar grupos de pressão para intimidar quem pense diferente. Isso não é tudo e tem mais. Muito mais.

Em recente artigo o jurista Nilo Batista, ex-governador do Rio de Janeiro, denunciou o clima de delação e punição que permeia o tecido social brasileiro. Há uma verdadeira vaga conservadora, querendo baixar o pau nos marginalizados, defender quem tem renda e denegrir a maioria despossuída. Essa onda conservadora invadiu, inclusive, partidos mais à esquerda no espectro político nacional e agora o clima é querer filmar as pessoas no seu livre ir e vir, ter chips nos carros para detectar as pessoas em deslocamento, sem contar as transações com cartões e o uso de celular que detectam as pessoas o tempo todo. Além é claro desta internet. 

A questão sempre não é o bem-estar coletivo. É que empresas particulares, grupos específicos ou pessoas de má fé podem acessar essas informações para, no interesse próprio, atacar direitos e a segurança de outras pessoas. Além, é claro, deste clima geral de denúncia e punição, que sempre serve para a desgraça de muitos e o benefício de alguém. Ou alguém duvida que aquelas histórias da Revista Veja com Carlinhos Cachoeira não tenha sido uma operação de mão dupla?

Tomei conhecimento que aí no Crato o clima de debate sobre a administração da cidade e sobre as opções de políticas públicas ou de política no sentido mais geral, quase sempre terminava com alguém recebendo um processo na justiça. É a respeito disso que falamos neste texto: um cidadão no pleno exercício de seu direito político e da sua liberdade de falar sobre sua cidade, recebe um processo, que lhe custará caro, aborrecimento, tomará seu tempo, além, é claro, de que no Brasil ser processado sempre tem uma conotação negativa. O que pretende quem o processa?

Pretende interditar o debate e o livre processo democrático. Isso é parte do sentimento conservador, elitista e golpista. Se a Justiça passar a ser parte desta coisa, é preciso reagir contra a litigância de má fé, o denuncismo e o punitivismo. 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Mar de Marina - José do Vale Pinheiro Feitosa


Uma porção de mar que banha uma região. A face da terra moldada pelas vagas dos mares. Os mares, marés, esse conjunto que oscila como um eletrocardiograma por vezes em ritmo sinusal, noutros em arritmia convulsa e transbordante. O mar de Marina.

Que é para os brasileiros o DNA que toda cultura expressa. Começamos a ser algo no universo variado dos povos, a partir de duas doçuras do viver. Falo dos presentes. Que são os que nasceram após os anos 30 do século XX.

Os doces que encantam as cordas vocais, moldam a face do povo, dissolvem a rigidez dos momentos e multiplicam o futuro como algo necessário. Viver é uma necessidade e não apenas uma opção, embora tantas decisões façam parte.

Um dos referidos doces tem a melodia de Pixinguinha e sempre que os brasileiros se fazem em rodas, com algum violão, ela surge como expressão da alegria de ser e viver neste território. Quantos povos podem exprimir conjuntamente: meu coração, não sei por que, bate feliz, quando te vê.

E seguir pelas ruas com os olhos contentes pela visão a despertar-lhe felicidade. Ora não existe fortuna maior na história do que pertencer a um mundo que não apenas se ilumina pelos nossos sentimentos, mas, ao contrário, ele é quem é a fonte da felicidade. A verdadeira felicidade: aquela que está lá e se manifesta com a própria força de seu bem-estar.    
  
Mas não me julgues radical. Não pulo para o outro lado da rua, como um rude a construir mensagens de sim e não. Sei da paz interior que inventa contentamento uma vez reconhecendo outra doçura da cultura brasileira.

Pertence ao meu domínio, à elaboração afetiva no meu interior, aos meus cuidados: que eu gosto e que é só meu, Marina você já é bonita com o que Deus lhe deu. A felicidade interna que por necessitar de tantas filigranas se aflita com este rosto pintado desnecessitado de cores quando é minha Marina, morena, Marina.

Não tenho como interditar o feito e tampouco negar a minha felicidade interior. E diante do inevitável, do expressamente acontecido, como acomodar no mesmo espaço este sentimento que quando se zanga, não sabe perdoar? E desse modo, entre o perdão que já nasceu com o pecado e o imperdoável que se desmanchando no ar resta-me ficar de mal com você.

E maravilhosamente a cultura une essas doçuras da música popular: o objeto da felicidade retorna à sua matriz externa de bem aventurança no espaço deste espetacular mundo. A grande felicidade é objeto real deste mundo a iluminar a pequena felicidade reconstruída nas sensações da memória e nos sentimentos de aproximação da vida.

À Marina um olhar Carinhoso.   

Data Vênia



Jesualdo entrou no escritório com aquele  ímpeto de  furacão Katrina. Esperara por mais de uma hora na sala de espera do advogado, ansioso, aguardando a saída de um senhor careca  que cuidava  de uma das coisas mais enroladas desse mundo : Inventário de gente rica.  Ficou ali, tentando ler revistas antigas, sem se concentrar nas notícias, como se estivesse sentado em folha de cansanção.  Os minutos se arrastavam tartarugadamente. Quando a atendente, por fim , liberou sua entrada, foi como se lhe tivessem arrombado as tariscas de uma  gaiola. O causídico ali estava à sua frente, calmo, impassível, sem maiores motivos para desespero, afinal casos eram apenas casos e se sucediam monotonamente, todo santo dia, diante do seu bureau. Não contendo a ansiedade represada por muitos minutos na saleta de espera, Jesualdo disparou :
                                   --- Doutor,  quero entrar com um processo de danos morais!
                                   Afeito ao desespero comum de seus clientes, Dr. Cacionildo aprendera que se fazia mister atendê-los como se estivesse degustando um prato de papa quente: era preciso começar pelas beiradas até chegar ao fundo do pirex.  Com olho clínico percebera alguns hematomas, em fase de regressão no rosto do cliente.  Levantou-se, pois, da cadeira e cumprimentou-o formalmente. Quis saber-lhe do nome .  Pediu para ficar tranqüilo que aquela era sua especialidade. Inquiriu-o se estava tudo bem com ele e com a família, falou sobre a estiagem no Nordeste que estava uma verdadeira calamidade, dissertou brevemente sobre as dificuldades que vinha passando com as criações na sua fazenda e interessou-se saber se ele também era pecuarista e como estava se virando para alimentar o bando. Quebrado o gelo,  no tangenciamento do problema central, Cacionildo , finalmente meteu a colher no fundo do prato:
                                   --- Pois, não, seu Jesualdo ! Em que posso  servi-lo ?  Quem feriu de morte seus princípios morais, homem de Deus ?
                                   Jesualdo, já abancado devidamente num cadeirão em frente ao bureau do adovogado, um pouco mais restabelecido, foi direto aos finalmentes:
                                   --- Quero entrar com um processo contra a Coca-cola, por danos incalculáveis à minha moralidade e , inclusive, à minha integridade física.
                                   O doutor, mesmo sem ciência do objeto causador do dano e suas possibilidades jurídicas, viu-se diante de sentimentos díspares. De um lado a alegria de poder estar processando uma grande empresa, multinacional, de patrimônio incalculável e, pois, com amplas condições de pagar gordas indenizações. Do outro a percepção de que traria , na defesa, grandes escritórios nacionais, com pesada influência política e econômica nas decisões do judiciário, máxime em instâncias superiores. Pediu, então, a Cacionildo que detalhasse, data vênia,  toda a questão com fins de se ter um melhor diagnóstico e prognóstico  da causa a ser encetada. Pela história comprida e cheia de reentrâncias que Jesualdo começou a narrar, o advogado rápido percebeu que seria muito mais enrolada a consulta que a do careca do inventário.
                                   Jesualdo informou que estava casado há mais de vinte anos  não com uma mulher mas com uma mistura de jararaca com lacraia. Ele sempre fora um ferrolho, mais por temor e menos por virtude. Há uns dois anos, sabe-se lá como, começara  um rolo com uma colega de trabalho. Coisa debaixo de sete chaves, mais escondida do que  quenga  de cardeal. Sabia do perigo que corria, mas o temor estranhamente lhe instigava de forma quase que suicida. Gabriella  , a namorada, não era uma beleza clássica. Divorciada, era fraca de feição, mas tinha lindos e acolhedores air-bags e, da cintura para baixo, tanajurava-se maliciosamente. O romance, discreto, ia de vento em popa, até que  a CNN da vizinhança desconfiou e terminou divulgando-o  em várias edições especiais. Quando a manchete bateu nas orelhas afiadas da esposa, esta não perdeu tempo recolhendo provas. Quebrou o pau no pobre do Jesualdo, fez o maior escândalo e o expulsou de casa. Ele , ao menos, teve a felicidade de sair levando a mala, ao invés de ir dentro dela, como vem acontecendo mais modernamente.  Os meses se passaram e a raiva não aplacava. Jesualdo começou um discreto cerca-lourenço, ajudado por amigos e familiares, mas a esposa não queria nem ouvir falar no seu nome. Dera entrada oficial no pedido de divórcio. O tempo, no entanto,  o solucionador mor dos problemas da humanidade, começou a surtir efeito e a dismilinguir o ódio incontido da esposa, até porque havia opiniões fidedignas ( embora não confiáveis de todo) de que Gabriella já navegava em outras naus. Conversa vai, conversa vem, finalmente, após mais de um ano ,Jesualdo conseguiu marcar um jantar com a esposa onde pretendia conversar amenidades, encetar uma nova aproximação, fugir do passado como o cão da bíblia e, quem sabe, na melhor das hipóteses , terminarem num motelzinho, reacendendo o fogo antigo arrefecido pelas curvas tanajúricas gabrielianas. Segundo Jesualdo, tudo corria conforme planejado. Escolheu um restaurante caro, uma mesa reservada,  à luz de velas , uma música de fundo adocicada, dessas contraindicadas a diabéticos. Entabulou assuntos amenos, pediram um prato de frutos do mar, um vinho branco de boa safra. Tudo corria bem, as mãos tinham se tocado algumas vezes e Jesualdo disse que tinha dado uma certa “formigagem” nos dois. Mas aí veio a tragédia! Num instante,  estabeleceu-se, novamente, uma praça de guerra. Esporros da esposa, garrafada de vinho na testa de Jesualdo, fuga , intriga redobrada, audiência de divórcio novamente desencadeada. E tudo por culpa da Coca-Cola !
                                   --- Da Coca-Cola ? Mas como, seu Jesualdo?  Onde ela entra na história ? Não entendo ! --- Saltou de lá o advogado.
                                   --- Da Coca-Cola sim, doutor ! Quando chegou o prato principal , a Lagosta ao Thermidor, minha mulher resolveu pedir uma Coca-Cola !
                                   --- Sim, Jesualdo, mas qual o problema ?
                                   --- Ora Dr. Cacionildo, a Coca me lascou! Agora ela não tá com essa mania besta de botar os nomes das pessoas na latinha? Pois adivinhe o que estava escrito na coca que minha mulher pediu ?  “Quanto mais  GABI , Melhor !”  Fudeu ! Quero indenização !

J. Flávio Vieira

BURACO NEGRO* - José do Vale Pinheiro Feitosa


*Estrelas que perdem o brilho e colapsam sua matéria sob pressão de uma enorme gravidade.

Gérard Depardieu. Um francês de conhecimento mundial. Um talento da cinematografia globalizada. Podre de rico. Mito de tanta individualidade como são estes astros brilhantes. Purpurina do consumo. Da mercadoria cultural. Do estilo prêt-à-porter.  Gozo das revistas “Caras” da vida em milhões de consultórios e escritórios.

O homem que interpretou Danton no cinema é um revolucionário em causa dos ricos e de si próprio. Exilou-se na Bélgica para não pagar a taxação de impostos cobrada pelo Governo Hollande. A taxação dos milionários como Depardieu. O astro brilha à frente dos manifestos dos ricos não pelas ruas de Paris empunhando bandeiras, mas pelas páginas da mídia a serviço dos sempre possuidores de riquezas.

A luta entre o capitalismo neoliberal e o capitalismo social democrata é um dado do momento. A crise não resolve contra o modelo neoliberal, ao contrário, acirra a contradição e como os “astros brilhantes” continuam com os mecanismos em suas mãos a revolta popular e política é esterilizante. A história para: é o abismo fiscal nos EUA, é a Austeridade na Europa, é o conservadorismo japonês. Os neoliberais estão freando a solução da crise em causa própria.

A primavera Árabe não se engane, é uma tempestade de verão, daquelas que derrubam árvores e destroem plantações de alimentos. Assim que a tormenta cessa, resta uma terra arrasada no sentido político, com resultados inteiramente adversos aos desejos dominantes e às revoltas dos dominados sofredores. E os acontecimentos no mundo Árabe têm a mesma substância da crise do capitalismo neoliberal.

Entre os anos 10 e os anos 40 do século XX, o sistema econômico mundial centrado na Pax Britannica arruinou-se e os efeitos sociais foram terríveis. Na verdade chama-se Primeira e Segunda Guerra Mundial, o que foi uma guerra única, com intervalo de sofrimentos e humilhações dos povos. A transição de 30 anos de duração refletia o impasse entre a crise do capitalismo liberal cujo símbolo aconteceu em 29 com a quebra da bolsa de Nova York.

O nazi-fascismo e o sistema soviético stalinista não é o que em boa poesia adotamos como a loucura de líderes ou a emergência do Mal. Tais regimes são tentativas autoritárias de superação de impasses nas soluções da crise liberal. Como nada acontece, toma-se uma ordem unidade que sacrifica muitos e mobiliza massas numa agressividade que aumenta a produtividade econômica enquanto libera a perseguição à pluralidade de visões.

Quando Gerard Depardieu se contraria e assim lidera um movimento de ricos para não pagar impostos, apenas está abrindo a jaula das feras que se alimentam dos impasses que prolongam os sofrimentos sociais. A saída democrática nesta ocasião parece impedida. Não existe mais concessão possível, quem tem dinheiro não se move por qualquer comportamento altruísta. Tornar-se milionário é egoísmo puro.

E antes que assemelhados ideológicos ao sucesso do exílio do ator francês protestem tomo mais um argumento: o mérito do astro mesmo assim é um mérito da coletividade da cinematografia mundial. Assim como o brilho milionário dos jogadores de futebol. Sem contar que são os outros que pagam os ingressos e consomem os produtos do marketing associado aos astros milionário.
   

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Amor nas Estrelas - José do Vale Pinheiro Feitosa


Amor nas Estrelas de Fausto Nilo e Roberto de Carvalho é um achado de época. Já não se fazem canções como essa. Fausto virou arquiteto em Fortaleza e sabe o quanto sua rica e sofisticada poesia musical já não fala ao espírito deste tempo. Roberto de Carvalho nem sei mais do quê se ocupa.

A voz de Nara Leão, seja de Leila Pinheiro com Menescal ao violão, e ela ao piano, tem uma feminilidade estelar, um lago azul no alto de uma montanha a espelhar a lua refletida de sol. Não por ser a mulher reflexo do homem, como a lua e o sol, mas por ser a voz de uma mulher falando de amor nas estrelas.

De qualquer modo ao ouvir a canção por tantas centenas de vez por agora me dei conta de um mito inusitado. Aquele exposto num conto clássico passado em Áquila em que um bispo enciumado enfeitiça uma linda donzela só por esta amar o comandante de sua guarda. O feitiço consiste: de dia ela é uma águia e à noite ele é um lobo. Só por breve momento os dois percebem a transição entre um estado e outro. O conto tornou-se um filme chamado Feitiço de Áquila.

A natureza divergente deles nunca se encontra, embora tenham consciência da dinâmica que os enfeitiça. Mas no estado animal, nenhum sabe sobre o outro. Apenas quando humanos sofrem terrivelmente o desencontro acontecido em presença um do outro. O estranhamento entre conhecidos. O conto é baseado no desencontro entre o sol e a lua.

Os opostos: a noite e o dia. A lua é da noite e o sol é o dia. Mas foi aí que o Amor nas Estrelas revelou: a lua encontra-se às escondidas com o sol, vemos apenas sinais deste encontro: a luz que ela emite no prateado da vida. Esta cópula luminal não é a subordinação da mulher ao homem é, sobretudo, a conjunção de iguais a gerar tempo planetário.

É amor nas estrelas.   
    

A Marcha Silenciosa da Indignação - José do Vale Pinheiro Feitosa


A quem interessar possa. Escutaram? É o som do seu mundo caindo. É o nosso mundo ressurgindo. O dia que foi o dia era noite. A noite será dia que será dia.”
Exército Zapatista – Subcomandante Marcos

Os Zapatistas, movimento indígena unido, da região de Chiapas no Sul do México surpreendeu o stablishment daquele país ao realizarem uma marcha silenciosa que ocupou várias cidades regionais. Foram milhares de pessoas, a maioria jovem, numa ordem unida surpreendente, a se fazerem presentes diante da mensagem do misterioso Subcomandante Marcos.

Os Zapatistas formam um movimento popular mexicano de longa duração e que inclusive participou de lutas sociais agressivas, envolveram-se em combates armados com forças do exército mexicano. Quando, nos anos 90, estive na Ciudad de México, em plena Praça do Zócalo estavam acampados membros dos Zapatistas, numa ousadia de surpreender visitantes desatentos do quadro político do país.
Enquanto a região norte do México, na linha da fronteira com os EUA, a sociedade degenerou-se socialmente e politicamente numa avassaladora transformação decorrente do mercado de consumo e da economia americana, no sul a luta social é consciente, duradoura e evolutiva. No norte sob a ação predatória das empresas de galpão maquiladoras de produtos, multinacionais ou americanas em busca de mão-de-obra semiescrava, o movimento operário foi destruído. Igualmente com os ricos vizinhos querendo mais da vida do que a vida pode, cresceram os barões do narcotráfico a suprir de drogas o outro lado fronteira e a produzir mortes do lado mexicano.

O México acaba de eleger um novo presidente sobre intenso debate da sociedade. Levantou-se o papel de grandes corporações de mídia, especialmente da Televisa a corromper as eleições e a decisão soberana dos eleitores ao desequilibrar a grade de informações e a propaganda sub-reptícia destruindo a imagem dos adversários do presidente eleito e ao torna-lo um “produto” eleito pelo imaginário e com técnicas de manipulação da psicologia social.

Então não é de se surpreender com o ressurgimento do Movimento Zapatista tido como praticamente morto. O tempo e o espaço não existem apenas como emergência institucional, ambos são as vontades dos eleitos e dos perseguidos, dos privilegiados e dos discriminados. É na luta real entre eles que as escolhas e os privilégios desaparecem na história.        

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Meus Três Amores - José do Vale Pinheiro Feitosa


“Se eu falasse todas as línguas, as dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor, seria como um bronze que soa ou um címbalo que retine.” Se como Paulo tivesse o Crato, Rio de Janeiro e Paracuru e não lhes tivesse amor, era como uma paisagem lunar, sem cores e sem céu.
Este Rio que me faz rir apenas de olhar seu perfil, mesmo que nas altas horas noturnas pouco iluminadas. Que hoje teve a maior febre de verão de sua história. Foram 43 graus centígrados, com sensação térmica encostada ali na fronteira dos cinquenta graus.
Este corpo de cidade que é tão belo que por vezes no limite da exaltação só me falta dizer: mas que abuso de beleza! E teve cinquenta graus de puro calor. E lembrar que a burrice da ditadura quis censurar o filme do Nelson Pereira dos Santos, Rio 40 Graus, por entender uma afronta ao “progresso” suposto pela arrogância.
Terra do samba, do funk, da matriz do rádio, dos grandes auditórios, do cinema, da música e da política também. Uma linda cidade a contemplar-se no espelho fosco da garoa paulistana e assim dizer a todos: sou bela, mas não isenta do meu contraponto. Por isso mesmo é bela: a pureza do ser é a abstração do nada. É preciso negar a beleza para que ela seja contemplada e compreendida.
Quando tudo é arrasador na face sul virada para o mar e a Guanabara, tudo se surpreenderá nas encostas da Tijuca, a planície do Andaraí e as montanhas com seus picos cobertos de florestas tropicais. O tão malfado e calorento Bangu tem uma formação rochosa de realçar o relevo das encostas amenas dos arredores da Serra do Mar. E toda a Zona Oeste excede em lagamares, baias, planícies, montanhas e mares.  
Mas tome as ruas tortas. A trama que engana assim como os grandes ramais e a capilaridade de ruelas que desenham bairros e favelas nos morros. E ande pelas calçadas, com o olhar pedinte aos casarões seculares, aos prédios de várias épocas, aos bares que reúnem numa coletividade a individualidade de milhares de apartamentos.
E para melhor lhes dizer desse amor, esta coisa difícil de narrar, ainda mais de escrever com esta belíssima na Cadência do Samba do Pernambucano Luiz Bandeira. Mais um poeta de outras terras a cantar o Rio de Janeiro.  

E os Zangões surgirão por sobre as Nuvens - José do Vale Pinheiro Feitosa


Em 1986 os EUA fizeram um filme para louvar o espírito guerreiro e ousado dos seus pilotos de caça. Chamava-se em inglês “Top Gun” que realçava o “créme de la créme” da capacidade de destruir o adversário. No Brasil chamou-se Ases Indomáveis. Dirigido por Tony Scott, o filme ganhou o Oscar de Melhor Canção por Take my Breather Away do grupo Berlin. Canção publicada abaixo. Com Tom Cruise na sua fase “bonitinho da América”, o filme tem boas cenas de combates aéreos.


Banda californiana Berlin, do final dos anos 70, tendo como centro a vocalista Terri Nunn. Ficou mundialmente famosa como o filme e esta música. Escolhi a versão com legenda em português.

Tal filme é letra morta na métrica destruidora das guerras em andamento e a desenvolver tecnologias cada vez mais mortíferas e invasoras de intimidades. Os guerreiros estão dando lugar, novamente, aos espiões como nos anos 60. Nunca se espalharam tantos espiões pelo mundo todo. Aqueles personagens cinza com o papel infiltrado de apontar alvos e destruir objetivos militares ou civis. A honra e o espírito desafiador foram para baixo dos panos, numa patologia viral, ilegal e danosa, pois sob o manto de operações secretas com o fito único de assassinar e destruir grupos.

Uma das práticas de destruição mais criticada no mundo e posta em questão pela própria ONU é o uso de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), utilizados especialmente por organizações secretas de estados nacionais como é o caso da CIA. Os EUA são o mais antigo executor destes tipos de aeronaves espiãs, desde os anos 50 e a partir de 1994 elas passaram a ser teleguiadas por meio de satélites e a carregar mísseis ar-superfície com grande capacidade de destruição e precisão.

Os pilotos destas aeronaves, agora chamadas de Drones (que significa zangão, dor, zumbido, rumor) ficam em salas refrigeradas a destruir pessoas, grupos, instalações, vilas no Afeganistão, no Paquistão, Iraque, Iêmen, Líbia e dizem que também na Somália. São milhares de operações de destruição com mais este modelo de guerra fria, não importa que não mais tão ideológica, mas certamente guerra de dano quando as armas atômicas se multiplicam a zerar grandes incursões militares. Por isso as prisões, torturas e assassinatos dirigidos em surdina se tornaram a ponta do iceberg da guerra suja de grandes nações contra os povos mais sofridos.

Eles chamam esta fase de Guerra Cirúrgica, de poucos efeitos colaterais, mas isso apenas significa que a morte é praticada em pacotes ou drops que ao final se tornam uma grande lixeira de vida desfeita. São típicos destas eras mais ou menos ameaçadas entre os desafiantes, um tanto quanto equilibrados por potencial de destruição, todos acovardados em provocar a ação maior e universal. Por isso praticam a covardia oculta que tende a promover grupos autônomos de destruição, acima e além da sociedade.

Vivemos uma ironia completa de linguagem. Os drones mais famosos se esmeram em nomes cínicos: Predator – Predador; Gray-Eagle – duas palavra: cinza e águia. Gray também pode ser triste, grisalho, pálido em referência à cor escolhida para o veículo. Reaper – ceifeiro, aquele que ceifa. Avenge – vingar-se.

A tecnologia dos drones está dominando, os orçamentos para construção e desenvolvimento, bases são formadas pelo planeta, porta-aviões estão ultimando drones para pouso e decolagem neles. Estados Unidos, Europa, Rússia, China e muitos outros países desenvolvem drones. A característica do drone é usar armas e atacar à distância. A evolução deles partiu desde carregar mísseis, até outros armamentos. A velocidade foi aumentado de um pouco mais de 220 Km/h até os modernos que são sub-sônicos altos. A altitude chegou a dimensões em que as aeronaves tripuladas não podem ir e a autonomia é sempre muito grande, ultrapassando a 30 horas.

Mas isso é apenas um passo. A destruição em massa ainda continua na ordem histórica da luta entre os povos. 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

DONA CANÔ - José do Vale Pinheiro Feitosa


Um jornalista paulista estranhou a quase comoção midiática com a morte de Dona Canô, mãe de Caetano e Bethânia. Como profissional da relevância dos fatos, ou seja, aquele que escolhe o quê é notícia e o quê não é notícia, compreende-se a métrica dele. Mas a métrica de Dona Canô passa por outras razões, especialmente a nossa alma interiorana e, especialmente, nordestina, religiosa e profundamente ligada aos séculos de formação da nação.

A própria imagem dela é a de uma senhora gravitante da vida familiar e, por extensão, da matriz de identidade de todos os seus membros. Muitos imaginam que seja por ser mãe dos dois artistas baianos, mas isso não explica tudo. Embora a conjuntura seja essa, na estrutura é outra coisa.

Os filhos foram o veículo para torna-la a referência de um modelo de matrona ou de uma liderança que norteia os vários caminhos. Mas ela já era isso mesmo antes dos filhos acontecerem. Claro que aquele modo excêntrico dos dois serviu para acentuar o modo normal de Dona Canô e foi esta expressão concêntrica que a tornou muito mais que o jornalista paulista não conseguiu enxergar na quase comoção do dia.

Quem sabe alguém compare a morte de Dona Canô à morte de Ledo Vivo, seja por excessos de exposição midiática ou por alguma falta dela, mas aí já estamos caindo no “ledo engano” como se costuma brincar. Dona Canô é a avó ou a mãe de muita gente em símbolo e disciplina.   

Presente de Natal

  --- Trimmmmmmm !!!!!!!

                        O estampido do telefone soou dentro da sua alma , como se tratasse de uma locomotiva a vapor. É que os últimos meses tinham sido terríveis. Funcionário de uma estatal, com salário minguado , mas regular, há um ano aderira a um destes fabulosos planos de demissão voluntária. Não dava mais para suportar o ambiente de trabalho: cobranças ininterruptas e o chefe olhando pra ele com aquele cara de carrasco , de “cuidado , você é o próximo!”. Pegou a indenização parca que lhe pagaram pelo seu suicídio prematuro e abriu um pequeno negócio de portões eletrônicos. De início a firma andou de vento em popa: com a incrível insegurança urbana, os homens precisam criar os seus castelos inexpugnáveis, pensando que assim podem se isolar do mundo. Chegou até a imaginar que a demissão tinha sido uma das melhores decisões que havia tomado.
                        Em pouco, porém, o mercado se viu saturado, eram tantos e tantos outros , na mesma situação dele, dividindo  a mesma fatia do bolo! Não bastassem as pequenas piabas iguais a ele, com a globalização entraram peixes grandes no aquário e , aí , a ração só costuma sobrar  para os tubarões! Quebrou e se encontrava naquela situação desesperadora: os amigos antigos se afastaram, os cobradores batiam à porta a todo instante, os filhos já tinham sido transferidos para escolas públicas, o aluguel atrasado quatro meses e ninguém mais aceitava seus vales. Os vizinhos diziam, com sorriso maroto:                          --“Não tem crédito nem para comprar a vista!”.
                        Esse era o fosso verdadeiro em que se encontrava no exato momento em que o telefone tilintou , desesperadamente: talvez por isto foi que penetrou tão agudamente no fundo da sua alma.

                        --- Trimmmmmmmmmmm!!!!!!


                        Nos últimos dias aquele aparelhinho havia feito pacto com o demo. Atendê-lo configurava-se em causa imediata de aborrecimento. Cobradores circulavam sua casa , como aves de rapina e as chamadas eram uma espécie de aviso prévio do ataque faminto e guloso. Assim, pediu à esposa que atendesse e desse uma desculpa qualquer: saiu, viajou, foi para a missa! A companheira atendeu contrafeita : já não mais suportava criar estórias fantasiosas e  esfarrapadas. O semblante tenso da mulher relaxou um pouco,  quando ouviu a voz do interlocutor, do outro lado da linha. Conversou pouco e formalmente: tudo bem, tudo em paz, todo mundo com saúde! Virou-se aliviada para o marido e passou o fone:

                        --- Sua mãe!

                        Num primeiro momento, sentiu-se aliviado. Nada como ouvir a voz da mãe num momento destes. Certamente tinha sido o sexto sentido materno que havia , como um timer, disparado e a impulsionara a ligar imediatamente para o filho. A velhinha morava em outro estado e andava muito doente: perdera a vista praticamente, ouvia mal e deslocava-se com grande dificuldade. O filho pressentia, no entanto, que em meio à tamanha debilidade orgânica, havia uma força estranha e profunda, aquela energia materna, capaz de reacender as mais arrefecidas esperanças. No instante seguinte, porém, estacou absorto e vacilou : seria justo beber aquela última centelha de luz, da sua mãe ? Ela a cederia com o maior prazer e abnegação, mas seria justo?

                        --- Mamãe? Tudo bem ? Aqui tudo às mil maravilhas! Os negócios estão crescendo, como nunca imaginei ! Sou agora um dos maiores empresários do estado! Reformamos a casa e estou falando com a senhora, neste exato momento, deitado numa cadeira , na beira da piscina olímpica aqui do quintal. A mulher arranjou um trabalho na procuradoria do estado e está ganhando uma nota preta. Troquei o carro esta semana , por um outro do ano e importado. Como o Collor, já não agüentava estas latas de sardinha nacionais!  Queria até que o seu neto, mamãe, estivesse aqui para falar com a senhora, mas foi para os Estados Unidos, conhecer a Disney e só volta no fim do mês. Não vamos poder ir agora no final do ano, infelizmente, porque estou ampliando a fábrica, mamãe; logo que tiver uma folguinha, dou um pulinho por aí. Beijo, mamãe! Feliz Natal para a Senhora. Sei que a senhora tá feliz, sei, não precisa nem dizer.Tchau!
                        Defronte dele, a mulher embasbacada, parece que tinha visto fantasma. Ele, calmamente, desvendou o mistério: Ela, minha filha, está doente , já não pode vir nos visitar e ver a porqueira de vida que estamos vivendo e mesmo que viesse, está cega, não viria nada. Quantas vezes ela, na minha infância não fez o mesmo? Seu pai não tarda a chegar! Quando ganhar na Loteria te dou uma bicicleta! Vou arrancar este dentinho de leite, não vai doer nada!Esta foi a única maneira que eu encontrei de dar para ela um presente neste Natal!
                        A mulher , entre lágrimas, sorriu! Adivinhou que são afinal estas pequenas mentiras , estes leves engodos que tornam a vida suportável e que vão realimentando as nossas baterias gastas, pelo tempo afora  . Sem este filtro cor de rosa, a vida que já é um curta metragem ,surgiria aos nossos olhos, violentamente, com seu verdadeiro , sombrio e cru preto-e-branco. Estas mentirinhas, afinal, são como um prisma que se interpõe entre o frio e translúcido feixe de luz da vida e que acaba por fazer a refração , muitas vezes a transformando na beleza fugaz, mas multicolorida do arco-iris.

J. Flávio Vieira

Ataques aos Fundos da Saúde - José do Vale Pinheiro Feitosa


A manhã do Rio de Janeiro começou silenciosa. O Carioca dorme em razão do atravessar das horas da noite passada em volta da Ceia de Natal. O dia 25 de dezembro é um dos mais universais feriados do mundo Ocidental, assim como o primeiro de janeiro: quase tudo fecha e as ruas ficam desertas.

E foi nessa paz extraída do silêncio que a guerra se fez na minha consciência. Há no Brasil um discurso malandro e interesseiro, envolvendo eficiência dos recursos e meios públicos, que a título de inovação administrativa, promove iniquidade e serve para verdadeiros assaltos aos Fundos de Saúde. Promove-se a privatização da gestão do Sistema Único de Saúde sob o disfarce da coisa pública, através de Organizações Sociais e outras formas disfarçadas de promover desigualdades.

Em 1999, primeiro ano do Governo Garotinho, a Secretaria Estadual de Saúde começou um programa de valorização do funcionalismo público, convocando os aprovados num concurso, que o ex-Governador Marcelo Alencar estava deixando caducar, e diante das despesas com pessoal, dobrou a gratificação dos servidores da saúde. Em 2012, no mês passado, encontrei um médico de renome, aposentado pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, com o salário mensal de R$ 1.640,37. Menos de três salários mínimos. Era o mesmo salário decretado por Garotinho há treze anos.

Acontece que a mesma fonte pagadora, o Estado do Rio de Janeiro, paga a um médico contratado por via privada em média mais de R$ 5 mil por vinte horas de trabalho, além dos encargos sociais por ser contrato CLT e da taxa de administração que é um grande negócio para os amigos do poder. Como o Governador Sérgio Cabral e o Secretário Sérgio Cortes podem justifica uma desigualdade dessas? Será que não caberia uma lei de Anistia para os funcionários estatutários do Rio de Janeiro em face das “torturas” promovidas pela ditadura da privatização? Quem sabe Sobral Pinto não precisasse voltar do além e pedir a lei de proteção aos animais para os torturados funcionários públicos da saúde no Rio de Janeiro?

E como o principal partido aliado de Sérgio Cabral e Sérgio Cortes, o maior partido trabalhista do Brasil, o PT, pode aceitar uma situação dessas? Ela existe, é real e age a cada minuto em pessoas que estão vivendo esta iniquidade: um profissional concursado experiente tratado como lixo da história e um jovem profissional, contratado na prática do “mercado” de seleção e controle profissional no mínimo questionável.

No Governo Federal, em quase todos os Estados e nos Municípios, o Sistema Único de Saúde se torna cada vez mais em um comprador de produto. Há uma prática promovida pelo PT, PSDB, PMDB, PSB, PDT, entre outros partidos, de extinção do funcionalismo público da saúde e uma entrega, não ingênua, aos organizadores da farsa das Organizações Sociais. O Ministério da Saúde é um vazio de quadros próprios: não se faz concurso, quase todos os técnicos têm contratos precários ou através das mais variadas práticas de disfarce da realidade para não convocar concurso.

Há efetivamente uma trama em nome da eficiência. Não se pode nem culpar a guerra contra os Marajás do Collor, pois a saúde nunca foi terra desta gente, a não ser de forma incidental. Mas a verdade é que a primeira coisa foi sufocar os quadros da saúde, não os renovando por concurso público, rebaixando seus salários, denegrindo sua imagem como corrupto para, depois, começarem a contratação pelas vias transversas. O passo seguinte foi entregar as compras públicas a setores privados e agora a menina dos olhos de Ministro e Secretários é nem ter serviço próprio. Estão cientes de comprar serviços terceirizados sem que existam quadros e práticas eficientes para regula-los e controla-los.

Estamos, literalmente, retornando às práticas dos anos 70 que começaram a destruição do INAMPS e que hoje atacam a Saúde Suplementar. Uma prática que consiste em existir um grande fundo de financiamento (público, privado ou coletivo) sendo atacado por inúmeros agentes predadores de recursos, por venda de mercadorias tecnológicas cujo objetivo é o lucro e o fetiche da mercadoria. É a festa das grandes Corporações Multinacionais e a vilania dos profissionais de saúde. 

Nessa altura não acredito em ingenuidade de nenhuma autoridade da saúde, mas sei da perseguição criminosa aos funcionários públicos, especialmente em seus salários e, portanto, em sua dignidade. O que chama a atenção é a baixa resistência a essa narrativa dramática por parte do Ministério Público, Ministério do Trabalho, Justiça do Trabalho, Sindicatos e Conselhos de Classe. Em relação às entidades de classe até entendo a contradição, quem ganha três ou quatro vezes mais não pretende discutir a miséria do outro.

Existe uma farsa intencionada a pairar sobre esta realidade: chama-se responsabilidade fiscal. A proporção máxima que a folha de pagamento do funcionalismo pode ter em relação às despesas públicas. Se as despesas subiram tanto com as contrações privadas, como justificar que isso não seja despesa de pessoal? Talvez naquele momento a prudência legislativa, ao limitar os gastos com pessoal, tenha sido uma iniciativa para abrir esta porta da corrupção da equidade constitucional no SUS.  

A sociedade está sendo enganada com televisões de telas planas nas esperas dos hospitais e com seguranças vestidos de paletó azul marinho nas portas dos elevadores. A conta é alta, em iniquidade, em gastos públicos e na formação de uma mercantilização danosa, pois sem limites e assaltante do patrimônio público. Basta tomar conhecimento do recente caso de Duque de Caxias envolvendo as tais Organizações Sociais.   

“Ninho de aviões” – José Nilton Mariano Saraiva

O “Bairro de Fátima”, aqui em Fortaleza, é um desses lugares onde qualquer pessoa com um mínimo de bom gosto gostaria de fixar moradia. E por uma razão simplória: é perto de tudo (da rodoviária, do aeroporto, do Iguatemi, do centro da cidade, do comando da polícia militar, da praia, e por aí vai) tem de tudo, e de tudo todos usufruem. Tem bares, barzinhos e barzões, farmácias, pizzarias, mercadinhos, óticas, churrascarias, supermercados, agencias bancárias, hospitais, lotéricas, revendedoras de automóvel, postos de combustível, feiras livres, o Estádio Presidente Vargas, pedintes nas esquinas, feirinhas semanais, vários shoppings e , enfim, o que você possa imaginar. O habitat é tão atraente e “apetitoso” que, hoje, – e aí é aí que mora o perigo – existem mais de 20 torres (cada uma com mais de 15 andares) sendo erguidas (e em ritmo alucinante) já que a procura é intensa.  E, como sabemos, na esteira da especulação imobiliária vem a falta de sossego, o caos no trânsito, a absurda valorização do metro quadrado (para os que pretendem adquirir algum imóvel por aqui), enfim, a barafunda tende a ser respeitável.  
Mas, pra completar e fazer a diferença, o “Bairro de Fátima” tem algo que nenhum outro bairro de Fortaleza possui: um autêntico “ninho de aviões”.  Explicando melhor: localizado à rua Luciano Carneiro (caminho do aeroporto), o Shopping Fortaleza Sul é um equipamento relativamente modesto em relação aos seus congêneres espalhados pela capital, já que com apenas 167 lojas, todas  elas dedicadas ao ramo de confecção, preferencialmente feminina. E aí temos o “pulo do gato”, aí é que se esconde o exemplar segredo, a utilização competente do tal marketing, o uso do fetichismo econômico na sua mais pura essência: para exibir as mercadorias (ainda devidamente etiquetadas), os proprietários da lojas resolveram que nada melhor que o emprego de possantes “aviões”. No caso específico, mulheres esplendorosas, na flor da idade, exalando sensualidade por todos os poros, perfumadas, super produzidas, cujos corpos esculturais, metidos em suas mini-saias generosas, parecem ter sido torneados e esculpidos à mão, de tão perfeitos, de par com uma simpatia contagiante, e que guardam uma missão exclusiva: “taxiar” (desfilar) pelos corredores do shopping, pra cima e pra baixo, indo e voltando, num balanço cheio de charme, graça e atração. E aí é só você se acomodar na área central onde existe um self service, pedir um chope com um tira-gosto básico e ficar literalmente “babando” ao assistir o desfile daquelas máquinas fabulosas, fantásticos “aviões”, autênticos monumentos em carne e osso, ali, à sua frente. A dúvida (que não tivemos ainda coragem de tentar elucidar), é saber se o preço fixado nas “etiquetas” penduradas nas saias e blusas exibidas contempla, também, o seu “recheio”, o seu “miolo”, a sua essência. Será que com uma “cantada” competente você finda levando tudo ???  A conferir. 

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Ceia de Natal - José do Vale Pinheiro Feitosa


Surgindo solitárias no indescrito nada desta folha. Palavras eleitas, porém não lidas por ninguém. É noite da véspera de Natal quando a vocalização e a audição tomam conta da prática de todos. E inútil nos inscrevemos sem que os olhos nos selecionem, a compreensão nos agasalhe ao nascer, a emoção se provoque por nossa causa e a lembrança se prolongue além dos olhos que poderiam nos ler.

Todos em volta da Ceia de Natal. A celebração dos corpos deles através do sabor que os alimenta, dos graus que os embriaga, dos presentes que se trocam como doação e recepção de alegrias subjetivas traduzidas por objetos da materialidade fabril. Eis o momento da união familiar. Essa é a causa da nossa solidão. Quando estão lá na sala e permanecemos sujeitos ocultos da tela de computador não iluminada.

Sabemos quantas regras nos regem. Tantas licenças para nos opormos ou nos adicionarmos à compreensão deste vasto mundo. Quantas flexões, derivações, regras da ordem unida: sujeitos, ações, objetos, complementos. Liberdade alguma no horizonte surge para que nos comportemos como indivíduos da nossa própria expressão. Não podemos escolher nem as nossas próprias letras sem que os fonemas se desagarrem e nos transformemos em algo que nem abstrato o é. Encontrar-se-ia num estágio anterior assim como esta folha em branco onde nos inscrevemos.    
   
E todos na sala da Ceia de Natal. Reclamando das regras familiares. Do peso bolorento das tradições. Da obrigação de ali permanecer quando gostaria de outras salas, quem sabe um espaço público. O sufoco da família a cobrar obrigações, a exigir regras, a domar os indivíduos. Sujeitos de sua própria história subtraída num coletivo sem base histórica para esta época da liberdade plena com os bolsos cheios de dinheiro a doar autonomia ao invés da instituição familiar.

As letras correm na velocidade da luz pela internet. Mas estes dedos que as denotam têm pernas lentas e paulatinas. Paulatinas o suficiente para sentir o calor dos trópicos, ofuscar-se na luz do verão, enverdecer-se de vida como as florestas Sul-americanas. Azular-se de céu e enfeitar-se de nuvens como uma fantasia de natal e quem sabe juntar-se às milhares de pernas em circunvolução da Lagoa Rodrigo de Freitas sobre o efeito da gravidade das luzes de sua Árvore de Natal.

Por isso mesmo escutou uma parte do diálogo na agitação de pessoas num supermercado a ultimar a ceia de Natal. Um homem jovem e despojado, pelo menos naquele momento de emoção, quem sabe depois dos argumentos da sua própria família nuclear venha a compor outra ação. Mas ele dizia:
O quê papai? Você vai passar o natal sozinho! Eu vou passar aí com o senhor. O senhor não vai ficar só. O senhor está bem? Como está passando agora, pai!

O desdobrar não foi ouvido, pois necessitava pegar um produto numa gôndola adiante. Mas o redobrar da história continuamos nós, as palavras que não serão lidas nesta noite de natal. A individualidade é uma conquista que não reduz conflitos, não aplaina contradições e tende a mover-se ao ermo como forma de garantia da sua própria força ontológica. O diálogo individualizado entre pai e filho não é improvável que se envolvesse numa neblina espessa de solidão com pingos de lágrimas a escorrer pelos cânions formados pelas rugas do tempo.

Naquele momento balançava o paraíso e o inferno da família com o paraíso e o inferno da individualidade.    

Dane de Jade – Cultura enquanto desenvolvimento humano



A produtora cultural, atriz e pesquisadora Dane de Jane assimirá a partir de janeiro de 2013 a Secretaria de Cultura do Crato. Na função de Secretária de Cultura da minha cidade natal, espero poder contribuir para o alargamento das ações que buscam desenvolver o ser humano, na perspectiva da construção de uma sociedade melhor.  Ela destaca  “Vamos analisar cada ponto da “Carta Compromisso com a Cultura” e buscar junto às três esferas do poder público e a sociedade os meios para honrar esse compromisso. A “Carta” trata-se de um documento político assinado pelos quatro candidatos a prefeito do Crato que assumem compromissos com politícias públicas para cultura. O documento foi elaborado a partir de uma proposção nacional elaborada pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura.    

Alexandre Lucas - Quem é Dane de Jade?
Dane de Jade - Natural do Crato - Ceará, atriz-pesquisadora, produtora, arte-educadora, radialista e gestora cultural. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Cariri - URCA, cursou também arte-educação na URCA, pós-graduação em Gestão Estratégica nas Organizações de Terceiro Setor na Universidade Estadual do Ceará – UECE e Doutoranda em Turismo, Lazer e Cultura pela Universidade de Coimbra em Portugal. Dirigiu o Departamento de Promoção, Difusão e Ação Sócio-Cultural da Fundação Cultural J. de Figueiredo Filho em Crato-CE, fomentou a criação e gerenciou o Programa Cultura do SESC Ceará por 14 anos, onde desenvolveu e coordenou, entre outros projetos, a Mostra SESC Cariri de Culturas.

Foi a responsável pela curadoria do projeto “Traga a França para os meus versos e leve os meus versos para França”, dentro da programação do Ano França/Brasil na Universidade de Poitiers e criou a Mostra SESC Luso-Brasileira, em Coimbra/Portugal. Por 13 anos foi a curadora representante do Ceará nos projetos Palco Giratório - Rede Nacional de Difusão e Intercâmbio das Artes Cênicas e Sonora Brasil - Formação de Ouvintes Musicais.
Participou e atou em diversas peças de teatro no Ceará, com indicação ao prêmio de melhor atriz pelo espetáculo “O Baile do Menino Deus.” Atuou no monólogo “A Hora da Bruxa”, dirigida pela argentina Vanina Fabiak e participou da fundação do Grupo Armazém de Teatro - GAT em 1996.

Como curadora, participa do Festival Cena Brasil Internacional (Rio de Janeiro e São Paulo),  da comissão de seleção do Festival de Curitiba e do Edital Verão Cênico 2012 em Salvador/BA, integrou o núcleo curador do Prêmio Myriam Muniz em 2009, a comissão do Programa Petrobras Cultural 2010 e a delegação brasileira no Festival de Edimburgo/Escócia em 2011.  É integrante da Rede de Programadores Conexões Latinas sediada em Buenos Aires/Argentina.

Sócio-fundadora da Ong BEATOS - Base Educultural de Ação e Trabalho de Organização Social. Realiza palestras e oficinas sobre Gestão Cultural em diversas regiões do país. Vencedora do Prêmio Claudia 2012 (maior premiação feminina da América Latina realizada pela editora Abril) na categoria Cultura. Membro do Conselho Estadual de Cultura do Ceará, consultora da Associação Teatro da Boca Rica. Desenvolve trabalhos e pesquisa na área de tradição popular, atualmente aceitou convite para assumir a secretaria de Cultura do Crato.

Alexandre Lucas - Quando ocorreram seus primeiros contatos com as artes?

Dane de Jade - Boa parte de nossa infância, minha e dos meus irmãos, foi vivida dentro do Cinema da Rádio Educadora de Crato, mantido pela Fundação Padre Ibiapina. Quando estavam em cartaz filmes que meu pai, Raimundo Inácio,  considerava “apropriados” para a nossa idade, assistíamos das cadeiras, quando ele dizia que os filmes eram “proibidos”, ficávamos na cabine de projeção vendo-o trabalhar e observando os rolos com as películas. Papai foi operador cinematográfico e minha mãe, Luzanira, professora da Fundação, ela ensinava corte e costura, era uma artista das mãos que além de excelente costureira bordava, pintava e fazia artesanatos belíssimos. Meus pais sempre foram, para mim, motivo de grande admiração: ele, pela honestidade, serenidade e perseverança; ela, pela bondade, sabedoria e sensibilidade artística que manifestava até em tarefas cotidianas como cozinhar, costurar, na relação amorosa e afetiva com as pessoas, sem fazer distinção de posição social. Então meu primeiro contato com a arte vem dessa educação que recebi de meus pais.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória.

Dane de Jade - Quando muito pequena recebi de uma tia o apelido que me acompanharia por toda a vida. Crianças que costumam fazer traquinagens são chamadas de “danadas”. No meu caso, o nome passou por variações desde “Danoca, Danada” até virar “Dane”, quando comecei a me iniciar no meio artístico recebi o complemento “de Jade” batizada por João do Crato, devia ter uns 15 anos. Iniciei meus estudos em uma escola municipal chamada Teodorico Teles, onde fui alfabetizada por Tia Mariza. Estudei no Colégio Pequeno Príncipe e Madre Ana Couto, em seguida, no Colégio Diocesano do Crato, ambos ligados à Fundação Padre Ibiapina. Ainda na escola comecei a participar de apresentações teatrais, musicais, grupos de lapinhas e quadrilhas juninas, inicialmente era brincadeira, mas com o passar dos anos essas atividades foram ocupando cada vez mais o meu tempo. Atuei em espetáculos teatrais como “O Belo e a Fera”, “FM Histérica”, “Até que a morte me separe”, “TV Devora – A emissora que traça todas”, “A Vingança do Carapanã Atômico”, “O Baile do Menino Deus”, entre outros; participei de ações musicais como “Coral Boca de Sapo” e shows em barzinhos, fiz vocal no cd de Hildelito Parente (eu e Auci Ventura). Em 1996 atuei, em comemoração ao Ano da Terceira Idade, no monólogo “A hora da bruxa – o mito do corpo sempre jovem”, em que fui dirigida pela argentina Vanina Fabiak.

Trabalhei sempre com ações culturais, em instituições privadas, órgãos públicos ou produções independentes. Participei das gestões do ator e diretor Fernando Piancó e do cineasta e poeta Rosemberg Cariry na secretaria de Cultura de Crato, quando trabalhei em diversos projetos: Festival CHAMA – Chapada Musical do Araripe, Encontro de Cultura Popular do Nordeste, Auto da Malhação do Judas, Dia de Reis, entre outros. No mandato de Rosemberg na gestão do prefeito Raimundo Bezerra iniciamos uma articulação junto à Prefeitura para aquisição da propriedade onde se deu um importante episódio histórico da região Cariri, o “Caldeirão da Santa Cruz do Deserto”, movimento social liderado pelo Beato José Lourenço e cujas características lembram Canudos, na Bahia. A partir desse momento me envolvi mais diretamente com grupos de tradição popular: Reisados, Maneiro-Pau, Cocos, Bandas Cabaçais, Lapinhas, Guerreiros e tantos outros que compõem o vasto caldeirão de manifestações do nordeste.

Nesse mesmo período, mobilizamos a criação da Fundação Mestre Elói. A proposta inicial encabeçada pelo Mestre Elói (poeta popular, radialista e folclorista) era homenagear o rabequeiro Cego Aderaldo, mas, com sua morte (Mestre Elói) a instituição passou a ser chamada Fundação Elói Teles de Menezes, uma homenagem a esse baluarte da cultura popular com quem tive a honra e a satisfação de conviver e aprender.

Em 1998, o Serviço Social do Comércio, o SESC, estava reinaugurando sua Unidade no Crato e abriu seleção para coordenador de Cultura. Participei da seleção, fui aprovada e ocupei este cargo por dois anos, quando pudemos trazer iniciativas desenvolvidas nacionalmente como os projetos “Dramaturgia – Leituras em Cena”, “Palco Giratório” e “Sonora Brasil”, entre outras ações capitaneadas por Sidnei Cruz e Wagner Campos, ambos do Departamento Nacional do SESC, foi nesse período que encaminhamos a reforma do auditório do Sesc Crato para ser adequado e estruturado como espaço cênico, o Teatro-Auditório Adalberto Vamozi.

Logo me identifiquei com os ideais do Sidnei Cruz (grande amigo) e passamos a pensar, sonhar, executar e organizar ações para região Cariri, uma delas a elaboração do projeto “Desenvolvimento e Consolidação do Teatro no Cariri”,   que dividimos em três eixos: (1) “Um Teatro Atrás do Outro”, (2) “Banco de Textos Teatrais” e (3) “Mostra SESC Cariri de Teatro,” cuja primeira edição foi realizada em 1999 em Crato, apesar da programação relativamente tímida, já continha, no seu embrião, a possibilidade de expansão que veio a se concretizar nos anos seguintes.  

 Com o apoio e incentivo da direção do SESC Ceará, Presidente Luiz Gastão Bittencourt e a diretora Regina Leitão, geramos uma grande efervescência cultural na região Cariri com desdobramentos e reverberação em todo o país. Convidada a assumir a gerência regional do Programa Cultura do SESC-CE, em 2001 me transferi para Fortaleza com minhas filhas Jade e Clara. Desempenhei as funções relativas a esse cargo até 2011, regularizando, nesse período,  o Programa Cultura do SESC em nível estadual, buscando promover maior articulação entre as programações das unidades SESC no Ceará. Para isso estruturamos uma equipe capacitada para sistematizar, formatar, elaborar e acompanhar ações e atividades no âmbito do programa cultura.

Atualmente estou envolvida em ações de curadoria junto a festivais nacionais como Festival Cena Brasil Internacional (Rio de Janeiro e São Paulo) e Festival de Teatro de Guaramiranga, participo de comissões de seleção de mostras em Fortaleza, Aracaju, Bahia, Curitiba, entre outras cidades. Realizei na cidade de Antônio Cardoso/BA o Festival Bule Bule – Um Conto de Poesia, em homenagem ao grande poeta, cantador e repentista Mestre Bule Bule.

Integrei a curadoria do projeto Palco Giratório, do programa Petrobras Cultural e FUNARTE.
Em nível internacional, participei da curadoria do Festival de Edimburgo e coordenei a Mostra Luso Brasileira de Culturas na cidade de Coimbra, Portugal. Participei do Festival Del Caribe, em Santiago de Cuba, do intercâmbio em Pontedera na Itália e do Encontro de Programadores em Buenos Aires na Argentina.

Ao final do ano de 2011, fui convidada pela presidente a assumir a Consultoria Institucional de Cultura no SESC Ceará, função que desempenhei até o final de 2012, quando recebi o convite do prefeito Ronaldo Gomes de Matos e seu vice Raimundo Filho para assumir a Secretaria de Cultura do Crato.

Alexandre Lucas - Como você ver a produção artística na região do Cariri?

Dane de Jade - Percebo um momento de elevados níveis de consciência artística, quando as pessoas estão em busca de maiores e melhores critérios para organização dos seus trabalhos, uma vontade coletiva de cada vez mais  de qualificar as suas ações.

Entretanto, percebo também que, apesar dos esforços investidos, as dificuldades continuam limitando a expansão do setor, dificuldades que estão presentes em todo o país e  se expressam com maior ou menor intensidade nos lugares.

Implementar políticas culturais no Brasil, diante de tanta riqueza e diversidade, é sempre um desafio. Temos poucos históricos de políticas sistematizadas e regularizadas no âmbito da cultura.

O campo da cultura ainda está em ajustes. Os orçamentos disponíveis são restritos para dar conta de todas as demandas, o que termina por fortalecer a indústria cultural protagonizada pela grande mídia.

Precisamos pensar a cultura a partir de outra lógica que não a economicista. O retorno dos investimentos em cultura não se traduzem, nem podem se traduzir, em lucros financeiros. São investimentos na transformação humana com fins sociais.

Toda política pública deveria ser, acima de tudo, uma política cultural, e, nesse sentido, uma politica social.

O campo da cultura, sobretudo aquele que se manifesta por meio dos princípios e das formas artísticas,  possui o que se costuma chamar de fecundidade. Ele é capaz de dar origem, de propiciar algo, de instigar, de transformar.

Precisamos avançar na salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, revigorando e fortalecendo o diálogo permanente com as nossas manifestações tradicionais. É também por meio dessas tradições, enquanto espaço aberto para a reflexão e a consciência, que a cultura pode contribuir de maneira significativa para o engrandecimento humano e para o desenvolvimento social sustentável.

Alexandre Lucas -  Você foi uma das idealizadoras da “Mostra  Sesc” no Cariri que ao longo dos anos recebeu vários nomes e é um evento que vem se consolidando na Região Metropolitana do Cariri. Qual a importância da Mostra?

Dane de Jade - Ainda na Fundação Cultural eu pensava numa proposta que abraçasse a realização de um festival no Crato, uma ideia que pude dar forma concreta depois que ingressei no SESC em 1998.  Apresentei a proposta e ela foi melhor estruturada por meio do projeto Desenvolvimento e Consolidação do Teatro no Cariri, que elaborei em parceria com Sidnei Cruz (na época, técnico em teatro do Departamento Nacional do SESC).

Inicialmente, o principal objetivo era estimular a produção teatral na região, proporcionando o desenvolvimento dos artistas e a participação do maior número possível de grupos, espetáculos, artistas, estilos e visões distintas no fazer cênico. A proposta era incentivar a troca de informações, ampliar o campo de referências e contribuir para a comunhão dos que fazem  teatro no Ceará, acabamos por ampliar as linguagens e trazer para Mostra ações nos diversos segmentos que compõem o programa cultura do Sesc como literatura, música, tradição, cinema e artes visuais.

A partir desse conceito surgiu a Mostra Sesc Cariri de Teatro, passando à Mostra Sesc Cariri de Artes, numa parceria com a SECULT Ceará e em seguida, à Mostra Sesc Cariri de Culturas, que hoje abrange essa diversidade de linguagens e ações que se espalham por toda a região.

A Mostra se constitui como uma ação fundamental para o Cariri, irrigando a região com o que há de mais instigante no panorama artístico nacional.

Nesse sentido, ela oportuniza o intercâmbio das artes, dos artistas e das comunidades locais, proporcionando formas de difusão e valorização das culturas, fomentando as práticas e os saberes locais. Ela assume o desafio de se inserir nos diversos municípios que compõem e região, mantendo a sua capacidade de renovação com o compromisso de atrair, cada vez mais, investimentos e esforços que possam se traduzir em políticas de cultura.

Alexandre Lucas - Você vem desenvolvendo no Crato um trabalho na ONG Beatos. Fale desse trabalho.

Dane de Jade - A ONG BEATOS - Base Educultural de Ação e Trabalho de Organização Social, é um espaço coletivo com ações integradas voltadas para os saberes de tradição oral, a troca de ideias e a pesquisa. Ela se constitui como uma organização da sociedade civil criada com o intuito de defender e promover os direitos humanos, econômicos, sociais, culturais, ambientais e simbólicos das comunidades onde se insere.  A Beatos é uma associação sem fins lucrativos que reúne pessoas atuantes na preservação, melhoria e revigoramento das tradições populares. Uma proposta em cultura, patrimônio e educação voltada para o desenvolvimento das pessoas, construída a partir do sentimento de coletividade e comunhão, fundamentada no pensamento dos beatos, como por exemplo, Pe. Ibiapina e José Lourenço, idealizadores  de uma civilização para um mundo melhor.

Dentre os seus objetivos estão o fortalecimento da democracia e a busca do desenvolvimento social, a preservação ambiental, o uso de tecnologias sustentáveis, o respeito e salvaguarda da memória e do patrimônio cultural dos povos. No seu conjunto de ações podemos destacar o Centro de Referência, Transmissão, Pesquisa e Memória das Culturas do Cariri recentemente certificada pela Gaia Education.

Enquanto sócia-fundadora da ONG,  tenho atuado na articulação de projetos e propostas como a implantação do Programa de Fortalecimento do Centro de Referência de Cultura para Sustentabilidade da Região do Cariri Cearense – Gaia Cariri com o intuito de promover, permanentemente, o envolvimento, o compromisso e a participação das comunidades locais no manejo e aproveitamento dos recursos naturais, de acordo com os critérios de sustentabilidade.

Buscamos focar em ações culturais que possam contribuir para o fortalecimento das nossas identidades, para a transmissão das culturas e saberes de tradição oral e para a preservação do meio ambiente.

A proposta da BEATOS é ser um espaço coletivo com ações integradas, focadas nas trocas simbólicas e afetivas, que possam envolver as comunidades e a região do Cariri. 

Alexandre Lucas - Nos últimos meses os artistas do Crato vêm se mobilizando e discutindo políticas públicas para a cultura. Você é uma das pessoas que tem participado dessas discussões. Na sua avaliação o que representa para o Município o desenvolvimento de políticas públicas ao invés de política de gestão?

Dane de Jade - Na verdade uma coisa não está dissociada da outra; políticas públicas e políticas de gestão podem ter um sentido de complementaridade.

O que realmente considero necessário para a elaboração e implementação de políticas públicas de cultura é o dialogo permanente. É a partir desse diálogo que poderemos perceber e compreender as demandas socioculturais.  Entendo a cultura como algo que não necessariamente está relacionada ao puro entretenimento. Acima de tudo ela tem uma função sociopolítica. A sua proposta deve estar relacionada ao desenvolvimento humano, à “ampliação da esfera de presença do ser”, nas palavras de Teixeira Coelho.

Alexandre Lucas - A indicação do seu nome para Secretaria de Cultura do Crato é avaliada como positiva por diversos segmentos da cultura. Como você encara esse desafio?

Dane de Jade - Como você bem coloca, encaro como um desafio, entretanto, numa perspectiva bastante otimista, por saber que estarei contando com o apoio das pessoas, dos artistas e dos gestores municipais, o Prefeito Ronaldo Gomes e do Vice Raimundo Filho.

Gestão cultural é a minha área de afinidade, de paixão. Sou militante da cultura e busco sempre, enquanto cidadã, levantar a  bandeira da Cultura, destacando a sua importância fundamental para os processos de desenvolvimento das sociedades.

Na função de Secretária de Cultura da minha cidade natal, espero poder contribuir para o alargamento das ações que buscam desenvolver o ser humano, na perspectiva da construção de uma sociedade melhor.  É um prazer e uma honra poder fazer isso a partir do Crato, a partir do Cariri. 

Alexandre Lucas - A “Carta Compromisso com a Cultura” foi assinada pela candidatura  do Prefeito eleito. Como você pretende honrar esse compromisso?

Dane de Jade - Assumiremos no dia 01/01/2013.  Inicialmente, a nossa intenção será nos debruçar sobre o planejamento, considerando as realizações e projetos de gestões anteriores.

Vamos dar continuidade ao que merece ser continuado. Vamos analisar cada ponto da “Carta Compromisso com a Cultura” e buscar junto às três esferas do poder público e a sociedade os meios para honrar esse compromisso, inscrevendo as ações no Plano Municipal de Cultura definindo com democracia e transparência estratégias de desenvolvimento para o Crato que queremos viver.

Alexandre Lucas - Como pretende manter o diálogo como os artistas e demais segmentos da cultura?

Dane de Jade - Esse é o maior dos desafios. Compreendo a construção da cultura como algo que se constitui por meio do diálogo. Meu gabinete estará aberto para todas e todos, quero estabelecer e institucionalizar canais de participação para que a sociedade tenha o protagonismo na construção das politicas publicas e nas decisões a respeito dos destinos da cidade no âmbito da cultura. Vamos realizar a conferencia de cultura e espero sair da conferencia com os canais de participação devidamente formalizados.