“POBRES
ANALFABETAS” -
José Nilton Mariano Saraiva
Até
certo tempo atrás, eram comuns “homenagens” aos ídolos do
futebol, música e cinema, por parte de pais “torcedores
fanáticos”, através da tributação, preferencialmente ao
primogênito, do nome de algum deles. No entanto, um outro tipo de
homenagem era muito comum entre genitores normalmente humildes e de
parca cultura, e que merece ser lembrada: batizar o rebento com um
nome estrangeiro, uma “sopinha de letras” de difícil pronúncia,
capaz de “enrolar a língua” de qualquer um “metido a besta”.
Não importava a origem do nome, quem o usava (se se tratava de algum
marginal ou uma autoridade constituída). O que valia era a
“boniteza” da grafia e, principalmente, a dificuldade que os
“analfabetos” tinham de pronunciá-lo.
Pois
foi estribado em tais “conceitos revolucionários” que o pai de
um nosso colega de trabalho resolveu batizá-lo com o pomposo nome de
Zwínglio (aos desavisados, a principal referência sobre, é o suíço
Ulrich Zwínglio, teólogo e principal líder da reforma protestante
naquele país; portanto, um nome de peso e com história, mas que o
pai certamente não conhecia).
Fato
é que, de tanta ouvir o pai se “gabar” com os amigos do nome
estrambótico e difícil que tinha posto nele, nosso amigo assimilou
“ipsis litteris” todo aquele arrazoado laudatório e, ele
próprio, a partir de uma certa idade, passou a se vangloriar do nome
e, tal qual o nosso rei Roberto Carlos, a se achar “o cara”. Ria
às escancaras quando, ao fornecer informações para um cadastro
qualquer nas lojas comerciais, observava a extrema dificuldades e a
cara de espanto daquelas moçoilas/entrevistadoras que preenchem as
fichas respectivas: “Por favor, senhor, “Zu...” o quê ???”,
lhe inquiriam. E nessa oportunidade, como se fora um paciente
professor catedrático, todo “cheio de razão”, fazia questão de
citar, uma a uma, aquelas letras famosas, caprichando na dicção: Z
– W – Í – N – G – L – I - O. E se punha a rir com a cara
de espanto daquelas “pobres analfabetas”.
A
adoração pelo próprio nome virou mais que mania, tornou-se uma
verdadeira obsessão, tanto que, 200 anos antes de casar, ele já
decidira que o primeiro filho receberia na pia batismal o mesmo nome
do pai (afinal, era uma rara oportunidade de homenagear o avô (seu
pai), que mesmo pouco letrado, tivera a ideia brilhante de
arranjar-lhe um nome tão “porreta”).
Assim,
constituiu-se uma tremenda surpresa o nascimento de uma robusta
criança do sexo feminino e não um “homem”. E agora, o que
fazer, se perguntava atarantado. Eis que, como num passe de mágica,
absorveu o choque rapidamente através da adoção de uma solução
simplérrima - “feminilizar” o próprio nome, trocando o “O”
final pelo “A”, daí que a filha chamar-se-ia “ZWÍNGLIA”.
Pronto, resolvida a questão, até mesmo porque... com ele ninguém
podia. Era um gênio.
Anos
após, evidentemente que quando começou a se entender por gente (ao
adolescer), a filha criou verdadeira ojeriza, aversão azeda ao
próprio nome, a ponto de ter vergonha de citá-lo em conversas
particulares e, principalmente, em público. Quando absolutamente
necessário pronunciava-o quase sussurrando. Virava uma “fera
ferida” quando o pai, na ânsia de mostrar ao mundo o que era um
nome bonito e charmoso, a chamava pelo nome exótico, em voz alta.
Para ela, seu pai “tava doido varrido ou bêbado” quando decidiu
batizá-la com aquela “praga de nome”. Pra encurtar a conversa e
já que não tinha jeito, Zwínglia resolveu que a partir de então
seria simplesmente “Zu”. E não admitia tergiversações. Se o
pai não gostasse que fosse à PQP. Se possível, sem passagem de
retorno.
Enquanto
isso, na solidão da sua última morada, Ulrich Zwínglio ainda hoje
deve estar se contorcendo e se questionando se merecia tal tipo de
homenagem de um habitante da terra “brasilis”.
Post
Scriptum:
Nos
dias atuais, o pai certamente preferiria homenagear o jogador da
seleção alemã BASTIAN SCHWEINSTEIGER (alguém aí sabe pronunciar
???).