TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Eu Lírico

Por mais que sorrias
e festejes a vida
vejo tanta tristeza
em teu brilho.

Louvados todos os Santos dos Altares
por eu não ter me casado contigo -

Seria agora um desvalido
escravo dos meus instintos.

Porque tu és uma bela maçã
com essas sardas de ouro
e essa melancolia e essa volúpia
nos dentes alvos e lábios mornos.

Graças a todos os Loucos do Inferno
não me casei contigo -

Senão seria eu um incansável mendigo
dos prazeres mais vis e mundanos.

Porque tu és facínora do equilíbrio
da vida contida e bem regrada -

Mas quem com esses olhos de graúna
e essas pernas de bailarina
seria freira de indigente?

Por mais louca,
por mais que apresses o instante
vejo tanta tristeza em teu encanto.

Odeio todos os Santos dos Infernos
e todos os Loucos dos Altares
por não ter me casado contigo -

Estaria eu hoje sorrindo
com a marca de teus dentes
no meu umbigo
e teu piercing no meu pênis.

Estaria morto, fodido, acabado -
feito Aleijadinho com lepra
diante da Escultura viva.

25.02.2009

(ao som do Wolfmother)

minhas crenças se dispersaram
num dia assim

de máquinas agitadas
de cortinas metidas em janelas mórbidas
dessa cidade muda, em cinzas

emito sinais
para alguém no futuro
que deve sacar meu desespero
e deve, de quebra, mandar uns recados
no dialeto desconhecido do porvir

ele lá de seu lugar também torce
como quem determina a morte e o destino
de um mero herói solitário

pertenço a ele
e ao tal futuro sem corpo
que ainda me parece tão somente
essa puta loira, que me sorri do calendário

A Troça


“E qual é a natureza do Deserto ?
é uma terra onde todos vivem uma vida
falsa, fazem a mesma coisa que os outros
fazem, do modo como lhes foi ensinado,
sem que ninguém tenha coragem de viver sua
própria vida.”
Joseph Campbell


Para Campbell (1904-1987), um dos mais profundos estudiosos da Mitologia, existem duas forças inconscientes na raça humana impulsionadoras das histórias mitológicas. A primeira delas é a nossa Finitude . Somos espécie extremamente perecível e de vida curtíssima se comparada , por exemplo, aos reinos mineral ou vegetal ou mesmo a outras espécies menos desenvolvidas como as tartarugas. Este terror da estrada tão curta e com tantos abismos nos assalta a cada passo. A outra delas é a constatação da nossa selvageria intrínseca : para sobrevivermos temos que devorar outras espécies diariamente , vegetais ou animais. Este destino canibalesco nos persegue sem trégua. Parece-nos aterrador , com tanto desenvolvimento humano, com tanto avanço tecnológico, não conseguirmos escapar das mais primárias leis da floresta. Para escapar no planeta , mesmo dentro dos limites apertados da nossa finitude, temos que utilizar meios não diferentes do lobo e do chacal. A maior parte dos mitos, assim, surgem de forças inconscientes que buscam , como um mecanismo de defesa, minorar um pouco esta constatação aterradora: por mais importantes e civilizados que os homens se sintam, não passam de canibais de vida brevíssima.
Assim, os rituais de morte em toda nossa trajetória aqui pela terra são carregados de significado. Quase todos pregam uma possibilidade de transcendência. A vida não é só esta curta passagem terrestre, mas continuaria infinitamente em outras dimensões. As cerimônias religiosas variam histórica e geograficamente, mas todas carregam consigo este potencial mágico de prolongar a existência humana. Algumas em espírito como na Umbanda, no Kardecismo e no Budismo; outras como entre os Cristãos, os islâmicos e os egípcios : em corpo e alma. O anverso e reverso desta mesma moeda estão, como era de se esperar, ligados umbilicalmente e a outra dimensão mágica desta vida é necessariamente um reflexo da dimensão real. Do outro lado colheremos o que plantamos por aqui ou teremos que continuar semeando por lá até que nasçam frutos opimos e saborosos.
Entre nós os rituais fúnebres são bem mais leves entre os Kardecistas, os Budistas e no Camdomblé . Entre os Cristãos percebe-se que , mesmo com a promessa inconteste de ressurreição plena futura , existe uma difícil digestão da partida final. Talvez porque o sentimento de culpa que nos é imposto desde a infância seja aterrorizante. Nascemos já com uma dívida de uma maçã digerida ainda no Gênesis e com a pena eterna da crucificação de Cristo; além dos espectros do inferno e purgatório a nos perseguir. O pavor do julgamento final, por mais misericórdia que se pregue na imagem do Criador, é sempre vultoso. As religiões que acreditam na Reencarnação , por outro lado, apresentam a cômoda possibilidade de se pagar a dívida eterna em módicas prestações reencarnatórias. Diferentemente, em Nova Orleans , o berço do jazz, os funerais começam geralmente acompanhados de bandas afinadíssimas tocando blues , mas a partir de um certo momento, atacam com músicas animadas e carnavalescas e as pessoas dançam e pulam, inclusive o fazem com o próprio caixão, incluindo o falecido no baile. É como se simulassem o ritual de morte-renascimento. Choramos pela morte, mas comemoramos o renascimento neste mesmo instante
Talvez, por tudo isto, o Carnaval, entre nós , seja uma festa tão gigantesca e de tanto significado mitológico. Claro que estou me referindo a um Carnaval como de Olinda e Recife. O de Salvador é uma indústria de entretenimento, perdeu toda característica de uma festa popular. A maisena foi substituída pela Caixa Registradora. O período momino nos dá uma espécie de salvo-conduto religioso. É como se tapássemos os olhos de todos os vigilantes da moralidade por cinco dias. Quebram-se as fronteiras sociais e todas as castas se misturam sem nenhum apartheid. Os códigos de conduta, os rigores do moralismo se esfacelam. Chutamos o traseiro de Apolo e caímos nos braços de Dionísio. Cada um veste seu figurino e , naqueles cinco dias, representa um personagem no grande palco da vida. O empresário se veste de urso, a mocinha de melindrosa, o rapaz de prostituta, o menino de super-herói. Tudo que acontece é perfeitamente transitório e temporário: as relações, as brincadeiras , as danças, os movimentos, os afetos. Simplesmente porque são realizados pelos personagens de que cada um está travestido. Na quarta-feira, despem-se as roupas da Cinderela e os personagens saem de cena, já não é possível encontrar a dona do sapatinho de cristal. Todos os blocos têm uma relação muito suave com a perspectiva da morte. A cada ano vão faltando foliões inveterados. Homenagens são feitas, a saudade claro, existe, mas em nenhum momento se quebra a alegria da festa. Os frevos e os bonecos gigantes eternizam o nome deles : Felinto, Pedro Salgado, Guilherme Fenelon, Raul Morais, Capiba, Nélson Ferreira, Edgar Morais, Batata, Enéas do Galo da Madrugada. Além dos antigos blocos que foram desaparecendo : Bloco das Flores, Andaluz, Pirilampos,Turunas de São José, Apóis Fum. A sensação que todos têm é que , agora, com suas ausências naturais, os que ficam têm que manter a tudo custo alegria e a ludicidade da festa. Existia em Olinda um senhor humilde chamado Mário Raposo e que todo carnaval se vestia de fraque e cartola e incorporava um personagem conhecido por todos : “O Lord”. Há dois anos seu Mário partiu e, defronte da sua casa, na Rua do Amparo, há um pôster extremamente significativo, colocado desde então em todo Carnaval . Um retrato grande do Lord e abaixo : “ Mário Raposo – Saudades Sim, Tristeza Nunca !”.Talvez as Cinzas da Quarta-Feira já tenham sido colocadas estrategicamente depois da folia para jogar água morna no povo, trazendo-os de volta à culpabilidade da vida cotidiana.
O Carnaval traz consigo, assim, este grande potencial mitológico e terapêutico. A existência , quem sabe, é uma espécie de troça chamada de “A Vida é Maravilhosa”. Os foliões terão sempre uns poucos dias para brincar; todos se disfarçarão de muitos personagens neste desfile; muitos irão saindo , pouco a pouco , do corso e os que ficam precisam manter a alegria da festa e, mais, se divertir pelos que ficam e pelos que já não estão presentes. É preciso manter erguido o estandarte da troça: a saudade não poderá nunca se transformar em tristeza. E, como nunca se sabe quando a festa acaba, é mergulhar no passo, antes que no horizonte irrompa a quarta-feira ingrata com suas cinzas de chumbo.


J. Flávio Vieira

Confessionário

O abismo do outro passa por meu silêncio.
O beijo e o abraço das sombras alheias
resvalam-se no meu dorso.

Que patético seria o ruminar dos meus bichos
se não lhes oferecesse minha alma.

Meu cotidiano é vasto -
cabe tantas sombras e tantos bichos.

Mas o sentido é o meu sentido.

A loucura é a minha loucura.

A verdade é a minha verdade.

A tolice é somente minha.

Não culpo a vítima pela distância
entre a ponte podre e a margem segura.

A grande Magia e imenso Fogo
acontece quando o poeta
e quem ouve
esquecem-se da palavra
e do Vazio.

Um único tombo -
E o bueiro aberto consome o que traga.

Jarbas sobre Lula - por André Haguette(*)



(Fonte: jornal O POVO, 1º de março de 2009)



Os comentários do senador Jarbas Vasconcelos sobre a mediocridade da política brasileira e a corrupção dos políticos e dos partidos políticos de maneira geral e do PMDB, de forma particular, encontraram eco na mídia e nas conversas, provocando unanimidade no público e silêncio entre os atingidos. Fazer política continua sendo o que sempre foi: negócio a serviço de interesses individuais e clânicos, ampliando cada vez mais o fosse entre representados e representantes. Essa situação levanta questionamentos de várias ordens, entre os quais, explicar porque são eleitos e reeleitos políticos corruptos (fica difícil afastar a idéia da “compra” de votos) e, de forma mais institucional, um questionamento sobre a tradicional tese da separação e harmonia dos poderes. Se ao poder legislativo cabe legislar, há de se perguntar se deveria caber-lhe legislar sobre si mesmo, em causa própria. Fica difícil imaginar deputados e partidos votando leis real e eficazmente moralizadoras. Talvez um outro poder (o ministério público, por exemplo, ou o eleitor via plebiscito) pudesse ser encarregado de legislar sobre o legislativo. Não sei, apenas levanto a questão.

Mas pouco foi dito e escrito a respeito dos comentários do senador Jarbas Vasconcelos sobre o presidente Lula e seu governo, comentários, a meu ver, também extremamente lúcidos. Corretíssima a afirmação de que Lula “havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética” e que no decorrer do primeiro a mandato demonstrou não ter “nenhum compromisso com reformas ou com ética”. Os governos de Lula não são absolutamente reformistas, nem criativos, nem éticos, contentando-se em tocar políticas econômicas e sociais herdadas, habilmente embrulhadas de modo propagandístico sob os nomes de Bolsa Família e PAC (muito longe, diga-se de passagem, das propostas iniciais do Fome Zero). Jarbas diz que o presidente Lula optou pelo assistencialismo, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. É fato, embora não se possa ser contrário a toda e qualquer política assistencialista num país de tamanha pobreza e desigualdade. Mas se torna essencial que o assistencialismo eventual tenha uma porta de saída conduzindo à autonomia, o que o programa lulista não contempla.
O senador fala da mediocridade do governo Lula, que em vez de construir estradas, apela para o atalho. Não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista e política. Não transformou a infraestrutura do país. Não realizou a reforma agrária. Não promoveu mudanças de costumes e atitudes. Estruturalmente, o País continua o mesmo.
Pergunto-me, às vezes, o que de inovador, de significativamente diferente Lula implantou em seis anos de governo? E fico sem resposta, mas uma vez decepcionado e traído. A estrutura sócio-econômica e cultural mudou em alguma coisa? Se a continuidade da política econômica, descontado os juros e os superávits primários exorbitantes beneficiando a elite financeira nacional e internacional, traz crescimento, os aspectos institucionais e políticos são medíocres. O PT com Lula prometia ética e no poder faz o que faz.. O PT prometia renovação política. Lula desvincula-se de seu partido, abençoa com desenvoltura a Dilma, promove Sarney, Renan Calheiros e o PMDB, provoca uma indistinção e desideologização dos partidos e da oposição, em nome de uma governabilidade caso a caso. “O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso”, diz o senador. Nessa fase áurea, houve uma reorientação da sociedade brasileira? E agora que a crise se alastra em todos os cantos do mundo o que faz o governo Lula de original? Obama propõe algumas mudanças de rumos. E Lula e sua equipe?
Certo, os ricos recebem seus juros; os pobres, sua bolsa família; o PT e os sindicalistas, seus cargos; os sindicatos, suas contribuições obrigatórias; os políticos, sua imunidade; o governo, seus impostos; o Lula, sua popularidade; o povo, sua acomodação; e o país cresce. Está tudo bem; está tudo no lugar. A decepção é do tamanho das promessas.

(*) André Haguette - Sociólogo

O cavalo do tempo não dá muito espaço pra minha bunda magra em sua sela. E encontro o que não procuro em meio aos olhos dos que me vigiam. Alado. O homem vomita venenos em suas frases cheias de ciência e sabedoria. E nasço. E engulo a maçã que não me mostra a merda da gravidade.

No teu pedido

No teu pedido um poema
perdido no véu granulado da estrada
em que a esperança avança rumo ao nada

Que mais tu queres?

A última fagulha ultrapassou o peito
e apagou-se no porto
de onde partiria a voz
longe de ser alvissareira,
tampouco atroz

Existem torres recheadas de angústia,
vitrines com promessas,
ocultas rachaduras por onde a vida foge,
e o dia fica exaurido de suas forças

Algo escorre por entre os dedos,
mas não é sangue,
suor não é

Que mais tu queres?

Eis a cidade, suas notícias,
por que não abres os olhos,
vê tu mesmo as muitas delícias
que se atribuem a suas mulheres?

Talvez a vida seja o poema
turbado por estas cifras,
poema inigualável,
que tu não decifras

O poeta...
O poeta é o quê?


São Paulo, dez 2007.

“Moro num lugar comum”. Mais ou menos setenta, ou oitenta. Não sou historiador. Mas belchior cantava uma canção que falava desse jeito. Comum? Acho que nem belchior sabia que sua bola de cristal era tão poderosa... lugar comum. Eu moro na porra de um lugar comum. O que não deixa de ser incomum. A vila de onde saí pariu um padre que comia beatas e se santificou entre cangaceiros e loucos de deus. A vila onde moro pariu dois ícones: joão bossa gilberto fanho e ivete rainha de trio sangalo. O inventor da bossa antiqüíssima, depois que saiu daqui, nunca mais cruzou seu terno cor de nada, ou seus pés exóticos de lombrado exótico por essas ruas esquisitas. A rainha do trio diz que “ama” essa cidade, que “ama” cada pessoa que a segue pela rua como se ela fosse uma santa. Uma deusa pagã que não leu o mito da caverna. O joão esquisito batizou com seu nome o “centro de cultura”, que nunca vai ser centro, e cultura? Só se for em promoção. A rainha do trio de salvador, nos ama. É verdade. Mas ela quer que o cachê seja depositado antes. Sabe como é: amigos amigos, negócios... mas se a grana chegar no dia, ela com certeza sobe em sua caixa de som gigante e declara o seu imenso e inenarrável amor pela terra ribeirinha que a pariu.
Comum. Cidadela comum pra caralho. Onde seus pretensos artistas, viúvos de joão, se engajam em campanhas políticas, e caso se dêem bem, se agarram como sanguessugas nos culhões do alcaide de plantão. Comum. Onde a diferença de um líder comunitário e um pedinte é só o cheiro. E assim, pacificamente, vivemos de forma comum: putas mirins, vendedores de amendoim, artistas frustrados, e uma elite filha da puta que grita em dó nenhum do primeiro andar: - “não me misturo. Ando dentro das cordas. Sou incomum. Raro”... a plebe rude, que escuta axé e bossa nenhuma no rádio e na rua nem sonha que é seu suor que sustenta os luxos e vícios dos mascarados do primeiro andar. Um dia, um poeta da cidade pichou em uma parede: “quero a cabeça de todo mundo que ta metendo a mão. Desses, eu não!”
Continuo dizendo.
Comum dizer.
Comum pra caralho.

http://cidadedemerda.blogspot.com/

Respostas

É o fim perto
Ou será o começo?
E o amor estará chegando
Ou estará partindo?

Eu não sou um problema,
Sou bom.
Aliás, sou contido.
Então eu sou um problema.

Surpresas
Não são estranhas aos meus amigos.
Os mais próximos sabem,
Surpreendo.

Seria uma eternização?
Talvez uma confirmaçao.
A vida é como eu,
Surpreende.

Sentimentos nascem.
Alguns se eternizam.
Outros morrem.
É a Lei.

O fim próximo?
O começo próximo?
Os dois?
Nada é impossível.



Thiago Assis F. Santiago


“O amor é um cão dos diabos”
Charles Bukowski – Um fantasma urbano

Bukowski nunca morreu. Ele passou por um processo de destilação. Foi depurado. E também dependurado pela infâmia, enforcado como um indigente intelectual. Seus escritos cheiram a detergente de banheiro público. E como os velhos pombos que se revezam para cagarem na estátua do passado, ele não se esforça mais para reaparecer, alguém faz isso por ele. Afinal de contas, sempre alguém tem que fazer o serviço sujo, seja no sentido lato seja no sentido estrito.

Dessa vez foi a L&PM Editores, além de outros títulos desse poeta maldito, foi publicado em uma pequena tiragem “O amor é um cão dos diabos”, com tradução de Pedro Gonzaga, de 2007 e ainda não esgotada. O livro conserva em garrafas de vinho barato uma coletânea de poemas escritos entre 1974 e 1977. Neles o velho safado faz referências ao sexo pago, aos balcões de quinta categoria, às drogas, às bebedeiras, às corridas de cavalos e à onipotente decadência da sociedade americana como um todo. Entre um vômito e outro, uma puta e outra, não faltam referências metalingüísticas.

Bukowski nunca foi beat. Bukowski nunca ligou para a estética. A sua concepção de arte é uma luta de boxe, é uma corrida de cavalos, ganha quem apostar certo. Quem perder pegue suas coisas e caia fora, sem precisar lavar as mãos ou a bunda. Para imaginar o Senhor Buk recitando o seu poema cínico: “Como ser um grande escritor”, é preciso nublar a mente e entorpecer as pretensões ou faça como quem vai comprar uma dúzia de ovos para bebê-los na casca ainda manchada pela cloaca.

Assim os versos surgem como uma hemorragia de um pilantra esfaqueado em uma noite desiludida: “Arranje uma grande máquina de escrever / e assim como os passos que sobem e descem / do lado de fora de sua janela / bata na máquina / bata forte // faça disso um combate de pesos pesados // faça como um touro no primeiro ataque // e lembre dos velhos cães / que brigavam tão bem: / Hemingway, Céline, Dostoiévski, Hamsun.” Essa verve tem a erupção repentina de um sexo reprimido por tanto tempo. Assim serpenteia na velha cidade decrépita a língua pagã do poeta degenerado.

Bukowski nunca foi honesto. Da mesma forma que ele nunca pagou uma conta inteira, ele sempre camuflou sua linguagem com a despretensão canastrona dos espiões. Ele desconstruía a sua técnica para não parecer estranho à porção de bacon frito com conhaque de um dólar. Isso ele fazia como ninguém. Ele era, da sua sarjeta, um voyeur da sarjeta alheia. Ele sentia prazer em lamber a lâmina da faca infectada. “Frequentemente vou comer nesse / lugar / por volta das 2h30 da tarde / porque todas as pessoas que almoçam / ali estão particularmente arruinadas / felizes pelo simples fato de estarem vivas e / comendo feijão / próximas a uma janela de vidros espelhados / que impede a passagem do calor / e não deixa que os carros e as / calçadas cheguem ao interior.” Rosna ele em “Uma janela de vidros espelhados”.

O realismo sujo desse poeta alemão-americano não é o mesmo empalhado nas pulgas, percevejos e carrapatos vendidos diluidamente em livrarias de avenidas com grande fluxo e consumido e imitado por poetas nanicos que bebem e depois lavam os aparelhos dos dentes com listerine para esconderem a ressaca. O latido desse cão só é fiel ao cio da sua própria existência. Esse é o realismo de quem de fato brigou intensamente com a vida. Quando criança Bukowski era espancado constantemente pelo pai alcoólatra. Na adolescência tornou-se mais pobre ainda e ganhou inflamações cutâneas por todo o rosto e tórax, que transfiguraram a sua solidão para sempre. Definitivamente ele entrou para a marginalia urbana como um velho trilho por onde não passam mais trens.

Bukowski nunca foi um queridinho da mídia. Sempre foi um velho anarquista. Começou a escrever tardiamente, já com 35 anos, e o fez com a paixão de um maníaco, bem mais do que cem livros. Escreveu prosa e poesia, boa e ruim. Praticou a grande literatura e a literatura barata, que não serve nem para enrolar peixe na beira do cais. Mas esse é que é o grande barato ao ler Bukowski: descobrir quais são os caminhos que levam a um boteco enfumaçado e cheio de putas e marginais ou aqueles que levam aos grandes salões freqüentados pelas boas famílias e pelos estelionatários culturais.

Resguardo

Do meu passado, querida
eu que sei dos rastros.

De agora em diante
continua como está nosso marasmo.

A escada ao ombro,
a bolsa no outro -
e óculos de lentes progressivas
colados no majestoso focinho leptorrino.

Mas a vida maravilhosa, baby.
Não se engane com meu sorriso opaco.

Para lhe ser sincero -
pode chover canivetes
ou bundinhas de tanajura.

Meu negócio é morrer no peito,
deslizar suavemente,
deixar pingar duas vezes
e mandar pro fundo da rede.

Sempre fiz golaços.

Imagine agora, querida
com essa alma tosca e aveludada
que teima em acompanhar minhas costas.

Por falar em costas,
tive de tomar altas doses de potássio.

É que além de não conseguir apanhar o sabonete
também era impedido de entrar na minha lâmpada mágica.

Ora, você sabe -
Pelo menos um dia por semana
preciso saber como vão as coisas lá dentro.

Não confio naquele sultão de cavanhaque.
Também aquela feiticeira não é boa isca.

Ambos tramam a morte do nosso Guia.
Não me diga que estou vendo fantasmas.

É a pura verdade -
aquele sultão inconveniente
mais aquela feiticeira maquiavélica
cochicham pelos cantos.

Reparou nos rabos?

Eu não quero perder meu Guia.

É um pobre coitado, sei -
mas é vital sua existência
para que a vida brilhe
em tempo de chuva.

Depois de exterminar a última raça
do mosquito da dengue,
eu me mando.

Espere-me com aquela camisola dourada.
Estarei equilibrado e voraz.

Guarde esta missiva
com apreço -

É a nossa cápsula
antes dos sonhos.

Eu leio e cochilo,
você lê e ronca -

E nosso filho assiste
a filmes de terror.

Perfeito, querida.
Na santa paz e misericórdia.

Amém.

Abidoral Jamacaru em noite de Show!

Centro Cultural BNB, ontem, 27 Fev 2009. A maturidade de um artista!

Cantou com alma!
Tocou-nos!

Discursou!
Recebe o carinho de seu público!

Fotos: Pachelly Jamacaru
"Direitos reservados"
É proibido proibir!

Aos que confundem crítica com censura lembro o, agora já clássico, desabafo de Caetano Veloso:
"Vocês não entenderam nada, nada... tem som no microfone?"

E viva Divani Cabral!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

...

Acredito na música veloz e destrutiva
que por hora vive submersa
por não se enquadrar nas partituras do nosso tempo.

Ainda lhe faltam notas
inventadas por um louco.
Ou por um velho de rosto anônimo
de imundas e longas barbas descuidadas.

Ele pode estar agora
numa caverna, num banco de praça.

Talvez esperando a derradeira hora
de, com um acorde ou dois,
rachar os alicerces dessa porra de cidade.

Eu sempre o procuro
com aqueles mesmos olhos vermelhos.
Sem medo de que tudo se aniquile.

Quando esse velho meter bala
(talvez numa guitarra imaginária)
pra decretar o fim dos tempos
e o nascimento de gerações de homens-luz,
estarei atento, só sacando a melodia
que vai estourar toda essa joça.

Quero decorar ao menos o começo
pra assobiar pros anjos brancos, alvos.

Pra aquele bando de otários
tristes, moles, entediados.

Outra Alma

De onde vem esse lamento?
Tempo atrás diria: da ausência.

Mas hoje após cabelos brancos e rótulas podres -
digo: vem da miséria da falta de sentido.

Sei que não devo puxar o elástico
com as mãos mofadas.

Mas é bondosa
a enfermidade do Vazio.

Então estico esse lamento palha
até abrir ferida.

Degradação

Dói minha alma
como dói o dente caindo.

Não consigo apartar do meu corpo
o tempo chuvoso e suas nódoas.

Gelo nas costas.
Pomada de reumatismo de cavalo.

Inseto -
que magnífico inseto
sou eu.

Sequer sangrei meu porco
até o último grunhido.

Nada fiz hoje.
Só menti.

E ainda sustento óculos no focinho.
E ainda tenho uma cara de monge tibetano.

Que inseto -
notável inseto
é o meu espírito.
Cinco para as quatro

Eis um rio desaguado
Que solidão insólita aquela
Sem dentição aparente

Na margem direita
A desolação do velho sofá
Sem reino e sem níqueis
Retidos em segredos

Na margem esquerda
A disjunção onírica
Das cápsulas deflagradas
Que não decifram o inimigo

Na margem incontida
O prazer inafiançável de
Se dependurar em grampos
Sob a pele em sala escura

Eis uma inundação
De espermas nas pernas
Sem restrição aparente

Livro “A Lápide” descreve a espantosa fome provocada pelo marxismo maoísta e é proibido na China.

O jornalista Yang Jisheng (foto) acaba de publicar o livro “A Lápide”, de 1.100 páginas revelando como o socialismo chinês matou 36 milhões de pessoas com sucessivas reformas de estrutura e Revolução Cultural.“Aos 18 anos de idade, eu só comia arroz. Não tinha outro vegetal, nem carne, nem óleo, só arroz o dia inteiro. Meu pai morreu de fome esse ano (...) o controle da informação na China era total.”Yang estudou o caso 20 anos e se baseia em centenas de fontes e documentos oficiais. Conta casos de famílias que devoravam cadáveres de parentes e pais que mataram seus filhos para se alimentarem. E ainda muitos outros casos pavorosos.“Rádios e jornais, todos do governo, diziam que o país caminhava para ser uma potência. Ninguém tinha coragem de criticar o governo, após temporadas de expurgos”, disse Yang.Os populares eram impedidos de pedirem socorro. Os médicos não tinham coragem de falar a verdade e o pessoal morria de fome.“A Lápide” está proibido na China, mas cópias driblam o bloqueio da censura comunista a través da internet.

Fonte: http://pesadelochines.blogspot.com/

Imagens de Várzea-Alegre

Para A.Morais, Antonio Eldo e Joaquim Nilo,
ufanistas varzealegrenses






Pedro Piau, memória viva de Várzea-Alegre – por A. Morais

Monumento ao Padre Antônio Vieira - Várzea Alegre (CE),
na foto abaixo, à direita, a Matriz de São Raimundo Nonato



(transcrito de www.blogdosanharol.blogspot.com/, com permissão do autor)

Pedro Alves de Morais – Pedro Piau – nasceu em Várzea-Alegre, no dia 12 de julho de 1918, filho de Jose Joaquim Vieira e Maria Alves de Morais. Ele se destacava pela habilidade de fazer amizades e conservá-las. Pedro Piau é uma memória viva de nossa terra e de nossa família. Entre suas principais obras está “Sete Gerações de Papai Raimundo”, em parceria com Acelino Leandro, onde descreve as descendências de Raimundo Duarte Bezerra, Papai Raimundo. Destacou-se também pelos serviços prestados ao Segundo Cartório que tinha como titular Ana Ferreira. Pedro Piau se notabilizou pela valorização que faz dos laços de família, qualidade que transferiu para os seus filhos.O meu pai, Jose Raimundo de Morais – Jose André do Sanharol – tinha em Pedro de Joaquim Piau um grande irmão. Ee a minha avó, madrinha Zefa, o abençoava com o afeto de um filho. Assim é o Pedro para nós do Sanharol.
Muitas vezes acompanhei minha avó, madrinha Zefa, a casa do Pedro. Lá. via Madrinha Zefa e Dona Iraci, frente a frente, fazendo uma carta para um parente distante. Era uma santa escrevendo o que outra santa falava...Pedro casou em primeiras núpcias com dona Iracy Bezerra de Morais. De Dona Irany sou um eterno devedor, por ter me encaminhado para vida, colocando-me no Ginásio São Raimundo numa época em que a educação era um privilegio de poucos. Desse casamento nasceram os meus primos: Raimundo, João, Rita Maria, Geralda, Ozanan, Joaquim, Paulo, Paula, Marco Antonio e Ricardo César.Em 1974, faleceu dona Iracy e 14 anos depois em 1988 Pedro se casou novamente, agora com Maria do Socorro Lima. Pedro vive em Várzea-Alegre para honra nossa e de sua grande legião de amigos. O Blog do Sanharol nunca oferece a obra completa apresenta um tema e aguarda os depoimentos dos amigos para complementá-la...

Ovelha negra

PR gosta de sombra e água fresca. Também, adora brincar no quintal, por debaixo das mangueiras, cajueiros et alii.

Só que, ultimamente, têm cessado seus pedidos insistentes para satisfazer esse desejo que parecia irrefreável. O motivo é que há um novo morador na área: uma ovelhinha negra, que ele recebeu de presente de Dona Lúcia.

Sábado de carnaval, pela manhã, fomos buscar a ovelhinha e PR foi junto. Era todo alegria com a inusitada dádiva. A priori, até brincou um pouco com o novo “brinquedo”, conduzindo-o por uma corda até o carro. Tivemos que trazê-lo, porém, no banco de trás, bem perto de PR, que vinha no banco de carona, no colo da mãe. Sua alegria desapareceu, no entanto, ao primeiro berro da ovelhinha, bem estridente, por sinal, e assustador, visto que fomos pegos de surpresa. Desde então, PR mantém uma estratégica distância do bichinho, negando-se peremptoriamente a brincar com ele.

Enquanto isso, a ovelhinha vem se adaptando muito bem à sua nova morada, só que com um detalhe: entrou em crise de identidade. Devido à companhia dos cães, vem comportando-se como um deles, perfeitamente integrado ao bando.

Agora, só falta mesmo latir.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Cinzas


Despertou com aquele gosto arenoso na boca, como se tivesse ingerido todas as cinzas da quarta-feira ingrata. Os sons metálicos de um frevo distante e agora quase que ininteligível se dissolviam no ar. As ruas se recobriam com os últimos espólios da guerra dos quatro dias. Confetes e serpentinas se misturavam ao lixo comum , agora já sem asas e magia. Até os rapapés febris dos passistas do “Bacalhau do Batata”, o soldado de Pompéia da folia, pareciam já longínquos e perfeitamente obsoletos.O mundo em volta ia pouco a pouco perdendo seu ar de festa e a vida crua, aguda como a ponta do punhal, voltava a preencher o espaço com um insuportável clima de normalidade. Os homens começavam a arrancar suas máscaras fictícias e, paulatinamente, iam cobrindo a face com aquelas outras mais reais e duradouras. Arlequins sem Colombinas, Catirinas viúvas de seus Mateus , Super-Heróis sem espinafre, amolecidos pela Kriptonita cotidiana, perambulam sem destino num planeta estranho e desconhecido. A La Ursas matracam em compasso ternário as suas matracas. Papangus já sem a proteção do anonimato retornam para casa a fim de prestar contas a suas patroas da fuga do presídio doméstico por tantos dias . Caboclos de Lança fazem a viagem de volta à roça agora já sem o luxo cerimonialista da túnica multi-espelhada e da farta cabeleira multicolor. Como se o ritmo da vida se marcasse agora pelo toque cadenciado, em mantra, do seu chocalho. Os Maracatus, respeitosamente, silenciam seu baque virado e retornam, religiosamente, aos terreiros.
Cuspiu no chão aquele gosto de cabo de guarda-chuva e ficou matutando : a vida se resumia exatamente àquilo : à Festa, à Celebração. A chama acesa e em brasa da existência se consubstanciava no anarquismo inocente do Carnaval. Perdidos todos , sem saber de onde viemos e para onde marchamos, passamos a comemorar a esta louca e misteriosa viagem. Travestidos todos dos nossos desejos mais impenetráveis, abraçando desconhecidos, dançando com figuras aparentemente estranhas e beijando línguas que jamais teremos capacidade de saborear outra vez. Tocamos outros corações com a vara de condão do etéreo e do fugaz e imprimimos um volátil ar de eternidade nos nossos sentimentos. A festa nos abre, quase que imediatamente, a perspectiva sombria do fim-de-festa. O pistão que ataca metalicamente o “Vassourinhas” é o mesmo que logo depois entoará o Toque de Silêncio. A vida se vai escoando assim mais entre bemóis que sustenidos. E adiante, por mais efervescente e estupenda que tenha sido a festividade, as máscaras cairão por terra, as serpentinas perderão sua sinuosidade ofídica e a vida terminará por cobrir-se daquela substância que preenche as gargantas e as quartas-feiras : Cinzas !


J. Flávio Vieira

Não existe sentido. Então, procurar é perda de tempo. Sair é cheirar o cheiro de outro asfalto. Olhar outras fotos. Sonhar com outra lua em cima da serra. Uma europa no papo brabo do vizinho de mesa. Não consigo aprender outra língua. Não consigo nem falar direito a minha. As fábulas... o indigente geme na porta corrediça da super mega loja de eletrodomésticos. Pede silêncio. Diz que quer morrer. A polícia chega. Agora ele consegue.

a HIDRELÉTRICA

A sirene da petulância ecoou
Correram todos sem olhar pra trás
Deixaram as sandálias
Esqueceram de pegar nas mãos até dos pequenos, parafernália
Tanta gente ainda a fugir do apito, só um alarme
Às vezes as comportas nem abrem
E ainda hoje eu vi o rio
Mesmo volume, ameaça nenhuma,
Uma travessura, não sabotagem
Dedo de criança danada no botão da usina
E pííí...pííí...pííí...
E rapidinho na cidade evacuadas as avenidas
Por um instante pensei que ao invés do apito
Um tambor ecoando batuques
E as pessoas correriam dançando, pelo menos
Quando o susto é pequeno
Menos enfartes
A utopia e a homeostase
Como se tem falado tanto na metáfora da praça de reunião ou de congraçamento resolvi contribuir para a reflexão citando um trecho de um livro de Roland Barthes que coincidentemente se chama  como viver junto:  
 "Em todo microagrupamento parece haver um Télos (uma causa), frequentemente expresso por uma palavra vaga, uma palavra maná (comunidades pseudo-hippies: a "felicidade")."
 (...) Hipótese de dependência: o grupo se reúne para ser sustentado por um líder, do qual ele depende  para sua alimentação, material ou espiritual, e sua proteção (o líder por ser mediatizado por uma idéia -uma Causa: algumas Causas asseguram subsistências e proteção: mosteiros)". 
(...) "o agrupamento  é definido como pura máquina homeostática, que alimenta a si mesma: circuito fechado de carga e descarga. Visão idílica da mundanidade: máquina sem objetivo, sem transformação, que elabora prazer em estado puro".
(...) "Fantasia do grupo: o Viver-Junto como homeostase, manuntenção perpétua do prazer puro da sociabilidade. Entrtanto, de modo mais filosófico, livra-se da mundanidade (indissociável de uma competição por lugares), e fantasia o paradoxo seguinte: o projeto idiorrítmico implica a constituição impossível (sobre-humana) de um grupo cujo Télos seria o de se destruir perpetuamente como grupo, isto é, em termos nietzschianos;  fazer com que o agrupamento (o Viver-junto) dê um salto para além do ressentimento".
Como alguém já citou : viver , mesmo em grupo, é muito perigoso.

Respingos de certezas

Tantas certezas amolecem e dão lugar a outras que minha vida fica um tanto quanto sobre o pântano (no sentido não do cheiro, mas do insustentável). É que certezas podem ser forjadas, como um ferreiro forja um estribo. Com o qual subimos até a sela (sem dicionário fiquei entre o “c” e o “s”, este português é muito cheio de passados do latim). Sem contar que certezas podem se compor como um medicamento, uma pílula com fórmulas, cujas substâncias são as leituras iconográficas com as quais nascemos ou adquirimos. Enfim, já dizia alguém numa manhã plena de novidades, não tenha tantas certezas assim. Elas são como os dentes, ficam cariadas, sujeitam-se às doenças da gengiva.

Mas não venha me pegar desprevenido. Sem certezas meu corpo nu não suporta os raios do sol, sofrerá um câncer de pele. Por isso já se aproxime sabendo que tenho um balaio de certezas, verdadeiros cachos, como aqueles de pitomba, com folhagem, talo e o fruto maduro. Enquanto nos sentamos sob este teto de trepadeira das flores vermelha, eu vou chupando minhas certezas, depositando as cascas numa lixeira ao lado e cuspindo os caroços chupados como se fosse uma metralhadora.

Ao final encontrarás meus dentes adoecidos por tanto ácido das frutas e não tarda que sairemos de baladeira em punho à busca de novas certezas. Aí já serão certezas compartilhadas por nós. Podem ser salgadas para uso futuro, podem ser consumidas ainda frescas, mas certamente se estenderão sobre o varal para secar ao sol destes vastos sertões. E virão como certezas curtidas, tão profundamente curtidas que parecerão mitos de uma longa história dos povos.

Sim, mas existem certezas que são ludibrios. Fazem parte como de uma performance grupal, em que os acadêmicos desfolham teses e novidades, rodapés de páginas, longos conflitos de escolas, uma esgrima mental para a conquista da alma. Estas certezas costumam se escrever, como verdades em última análise. Aí se tornam troféus de algum metal pesado que podem ser arremessados contra o adversário no calor de alguma opinião trocada.

Tenho certezas estéticas, éticas, etílicas (se o produto é ruim uma ressaca desaba ao amanhecer), filosóficas, religiosas (ou atéias), certezas como se vê, embaladas em alguma caixa tetra pak, próprias para a conservação de longa vida. Mas podem azedar, podem talhar, é possível um doce de leite caroçudo, que se adoça numa noitada desprovida de novidades.

Portanto que seja, para Socorro Moreira e Claude Bloc, como a tantos em nosso horizonte, as certezas é melhor tê-las, com a certeza que amanhã elas mudam de face, ou de aspecto, ou de significado. Como um broto que vira flor, um caroço que se torna uma árvore ou nós que devemos nos encontrar onde deveremos nos encontrar. Um dia se teu genro ou tua nora, ou teus filhos advogarem um isolamento pretensioso, que o façam por si mesmos, só não contem contigo, pois o território só de cada um é o limite.

Praça de reunião é melhor lá se encontrar. Quem haverá de censurar nossa presença? Sempre conte com o AMOR DO CENSOR.

Dois pesos, duas medidas


O Chanceler de Lula, Celso Amorim, no seu primeiro encontro com a com a secretária americana de Estado, Hillary Clinton, pediu uma "mudança de atitude" dos EUA em relação à ditadura cubana. É mais uma tentativa da diplomacia brasileira de tentar salvar o moribundo regime da dinastia Castro. Como escreveu Ipojuca Pontes: “Não fora os petrodólares do tiranete Hugo Chávez e a cobertura diplomática dada pelo Itamaraty Vermelho ao velho ditador Fidel Castro, a esta hora Cuba já estaria vivendo num real clima de abertura democrática.
Caso alguns dos nossos leitores não saibam, Fidel Castro (e sua revolução socialista) é o responsável direto e indireto pela morte e desaparecimento de, no mínimo, 50 mil pessoas (dados do “Livro Negro do Comunismo”, editora Bertrand Brasil, Rio, 1999). Nas suas mais de 200 prisões de segurança máxima, ( a esquerda só fala na prisão de Guatanamo) entre as quais as sinistras masmorras de La Cabaña e Puerto Boniato, onde se processavam (e processam) torturas medievais e sevícias sem fim, foram executados centenas de prisioneiros em julgamentos sumários ou mesmo sem julgamento algum”.

Campanha da Fraternidade 2009



A paz é fruto da justiça
"A paz é fruto da justiça" destaca o lema da campanha
é apelo para lembrar os homens e mulheres deste país
que não se pode ter segurança sem justiça,
principalmente a social



Como vem acontecendo desde 1964, a Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil sempre escolhe temas oportunos para as campanhas da fraternidade. Para este ano, o assunto em questão é “Fraternidade e Segurança” com o lema: “A paz é fruto da justiça”. Segurança pública é o problema que, a cada dia, atinge os brasileiros que, diariamente, convivem com a espiral crescente da violência que golpeia lares de todos os recantos do País.
O problema atinge níveis de calamidade pública e as perspectivas são ainda piores caso as autoridades constituídas e a sociedade de uma maneira geral não enfrentem o problema com a atenção e a urgência necessárias.
Embora os temas variem de ao para ano, vale a pena lembrar os objetivos permanentes da campanha, surgidos sob a égide do Concílio Vaticano II: despertar o espírito comunitário na Igreja Católica, comprometendo, particularmente, os cristãos na busca do bem comum; educar para a vida em fraternidade, com base na justiça e no amor, exigências centrais do Evangelho; e renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja Católica na evangelização e na promoção humana, tendo em vista uma sociedade justa e solidária.
De acordo com a Igreja Católica, A reflexão acerca do tema escolhido não deve permanecer restrita aos atos cerimoniais. A promoção e o desenrolar da Campanha devem acontecer também na catequese, nos encontros de grupos de famílias, na mídia, em debates públicos, em palestras, seminários e cursos.
Despertar, educar e renovar. Palavras bem condizentes com a realidade da segurança (ou insegurança) no Brasil nos dias de hoje e que se adaptam bem ao que estabelece a Constituição de 1988: a segurança pública é um dever do Estado e um direito e responsabilidade de todos.
“A paz é fruto da justiça” destaca o lema da campanha. É apelo para lembrar os homens e mulheres deste país que não se pode ter segurança sem justiça, principalmente a social. É evidente, no entanto, que o problema da segurança pública deve ser enfrentado sob dois primas importantes: a questão estrutural e o aspecto conjuntural, isto é, a resolução dos graves problemas de infra-estrutura da sociedade que leva as pessoas à violência e ao crime, organizado ou não; e a abordagem emergencial: providências imediatas para conter o descalabro que assola todos os recantos do País.
Tudo isso, no entanto, passa pelos seguintes passos apregoados pela Campanha da Fraternidade: despertar, educar e renovar a sociedade para a tragédia da violência e da criminalidade no Brasil. Que todos reflitam e comecem a agir no sentido de modificar o quadro perverso que se observa no cotidiano das grandes e pequenas cidades e também no campo.
(Fonte: jornal O POVO)

MPB: Muita Poesia Brasileira

Blues da Piedade

Composição: Roberto Frejat/ Cazuza

Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo derrotados
Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com cara de abortadas
Pras pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não têm
Pra quem vê a luz
Mas não ilumina suas minicertezas
Vive contando dinheiro
E não muda quando é lua cheia
Pra quem não sabe amar
Fica esperando alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada

Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem

Quero cantar só para as pessoas fracas
Que estão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar um blues
Com o pastor e o bumbo na praça
Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Lembranças de Jarbas Vasconcelos - por Armando Rafael

Marcos Freire, Jarbas Vasconcelos e Roberto Freire
Foto tirada nos anos 70

Lembro-me bem. O ano era 1974. À época eu residia em Surubim, cidade do agreste pernambucano, a 110 km de Recife. Foi lá onde vi pessoalmente, pela primeira vez, Jarbas Vasconcelos. Era um sábado, dia da feira semanal. Marcos Freire – candidato ao Senado pelo MDB – veio àquela cidade fazer um comício na parte da manhã. Sem estrutura e sem dinheiro, Marcos Freire falou para o público em cima de uma banca de feira. Em baixo, fumando, vez por outra, um cigarro, estava Jarbas. E eu, vizinho a ele a tudo assistia.
Naquele tempo eu acreditava na esquerda brasileira e acompanhava - com vivo interessse - as atividades políticas dos líderes do MDB pernambucano, de modo especial as de Marcos Freire e Jarbas Vasconcelos, ambos fundadores do velho MDB de guerra.
Jarbas tem história.
Ele é pessoalmente honesto. Intelectualmente honesto. Político competente e de reconhecida coragem pessoal. Em 1970, Jarbas foi eleito Deputado Estadual. Residia no bairro de Casa Amarela e seu telefone residencial recebia muitas denúncias de prisões arbitrárias e de abusos cometidos pelos governantes de Pernambuco daquela época. Muitas vezes, altas horas da noite, Jarbas saía do seu modesto apartamento para checar a veracidade das denúncias recebidas. Livrou muita gente da tortura certa pela política de repressão.
Quatro anos depois, Jarbas tornou-se Deputado Federal. Em 1982 foi, mais uma vez, eleito Deputado Federal. Em 1985, foi eleito prefeito do Recife, sendo o primeiro prefeito da capital de Pernambuco a ser eleito pelo voto direto após o retorno da democracia ao país. Jarbas foi eleito prefeito novamente em 1993, ganhando as eleições no primeiro turno.
Em outubro de 1998, Jarbas ganhou, no primeiro turno, a eleição para governador do Estado com 1.809.705 votos. Foi reeleito, em 2002, com 60,4% dos votos válidos do estado. No dia 31 de março de 2006, afastou-se do cargo de governador para concorrer a uma vaga no Senado. Mais uma vez, foi vitorioso.
No Senado Federal, vendo as práticas dos atuais detentores do poder, Jarbas sente-se frustrado. Daí não ter sido surpresa para mim a resposta que ele deu a um repórter:
Pergunta – O senhor fez parte de um grupo que conduzia o PMDB na década de 70 e 80. Após 20 anos o sr. retorna ao Congresso. O que o sr. notou de diferente com o PMDB que atua hoje no Senado?
Jarbas – Não acho que há termos de comparação entre esse PMDB e aquele MDB. Aquele grupo foi criado para dar um pouco mais de agressividade ao combate à ditadura, defender com mais clareza a linha programática do partido. Era minoritário, mas conseguiu por meio da atuação melhorar a linha do partido. A grande maioria dos peemedebistas hoje é governista. Eu sou um dissidente, faço parte de um grupo minoritário.Acho que o PMDB hoje faz parte de uma coalizão que foi feita em termos de objetivos, princípios e programas na feição de um loteamento. Loteamento que está se dando ainda, que não se exauriu...

Deitar-se

Somente com soro fisiológico
trato do meu olho vermelho.

No início um milho,
depois uma pedra -
agora uma trave imensa.

Desligo o ventilador de hélices tortas -
durmo com as muriçocas.

Se fizer calor
peço-lhes que me abanem
com seus violinos.

Jejum

Quatro dias não bastam.
Meus tendões continuam rangendo portas.

Sequer percebi o piscar do olho amarrotado de remelas.
Quatro dias de luxúria fitando um cálice vazio.

O silêncio não se fez tão intempestuoso -
Escondeu-se dentro das caixas de sapato.

Quatro dias não bastam.
Um cílio na lixeira do banheiro.

PEIDAR E RESPIRAR É SÓ QUERER

Como já é do do conhecimento até das estrelas da academia: o peido não resulta da respiração. Respirar não é uma opção. Nem o peido. Respira-se pois parte da vida é aeróbica. Necessita a cada segundo deste gás tóxico ao qual se convencionou chamar-se oxigênio. Não de gênio. Esta substância que desce pelos tubos da respiração e retorna como um poluente atmosférico (pelo menos dada as atuais condições).

Portanto peidar até pode ter alguma origem na deglutição deste gás, mas o normal é que sejam gases da decomposição de tremendos arranjos gustativos em busca de uma tarde modorrenta da ociosa vida intelectual. Quem afinal não gostaria de ficar para a história como um Gregório boca do inferno. Tem seu charme, azeda a pequena burguesia, enodoa as beatas e envenena alguns momentos dos fidalgos. Seria a mosca da sopa? Depende da fome na hora da sopa.

Então peidar é tão politicamente correto como respirar. Sem os dois não se vive. Como já dizia uma seminarista após uma reprimenda do reitor dado um barulho estranho durante a missa: ora Padre Xavier seu eu não peidasse poderia ficar com um nó nas tripas.

Calma. Eu sei. Respirar em presença dos odores de um peido não é muito fácil. Mas é preciso respirar, como é preciso peidar. Dizem da boa educação que o peido deveria ocorrer fora do ambiente. De qual ambiente? Não existe outro. É esse mesmo e então peidemos e respiremos.

Tudo muito humano. "Demasiadamente humano". E ao que é humano não nos cabe indiferença.





Torquatália
Torquato Neto em obras reunidas

A editora Rocco lançou obras reunidas de Torquato Neto em dois volumes, com organização de Paulo Roberto Pires, sob os títulos de Torquatália Volume I (do lado de dentro) e Torquatália Volume II (geléia geral). Todos muito bem organizados e muito bem pesquisados, mas com capas poquissimamente transadas, como diria o vampiro, o nosferatu urbano. Mas o que importa é o conteúdo, é estar por dentro, sem deixar nada por fora, sem deixar de constranger o constrangimento.

Dos dois um me chamou mais a atenção, o volume dois, que tem as colunas escritas pelo poeta piauiense, o período do Jornal dos Sports, com a coluna Música Popular; a curta colaboração no encarte Plug, do Correio da Manhã; e a deliciosa fase da coluna Geléia Geral, do jornal Última Hora. São escritos deferidos à queima roupa, em grande estilo bang, visceralmente passionais, desbundadamente transados, sem grilos, desbaratinados, sem nada nos bolsos ou nas mãos, apenas uma câmera na cabeça e um cometa iridescente entre os dedos, deixando um rastro imenso de história viva.

Todas as referências históricas, tidas ou retidas, são narrativas vivas - no sentido de Baudrillard - tenham ou não cursividade e sem nenhum cunho de verdade absoluta. Mas existem algumas referências históricas que são imanentes em suas revelações e que acabam por traduzir o idioma mais estranho do significado. As colunas de Torquato, que não era Hércules e nem Quasímodo, servem para desmoronar mitos e relíquias, reconstruindo, elas mesmas, um novo descaminho para a indulgência sub-repticiamente engalanada pela benevolência crítica.

Lendo os escritos da coluna Musica Popular, em que o então paladino das purezas estéticas postula suas fileiras de resistência cultural à invasão globalizada do rock e outras milongas, fica fácil perceber que aquelas velhas paridades dialéticas entre o velho e o novo, evidentes em um Brasil remoto(?) da Semana de Arte Moderna, estavam mais vivos do que nunca. Sendo que curiosamente o lado da vanguarda clamava pela tradição, assim, a palavra que mais se escreve é samba, em que se deve ler preservação; imobilidade; gôndolas de mansinho na mesmice; defesa inconteste da isonomia cultural brasileira.

Torquato escrevia sinceramente e deliberadamente determinava seus domínios e seus redutos. Já era ditadura em seus princípios. A esquerda defendia o que era “nosso”, purificada cultura cabocla e popular. A direita se quedava ante os encantos reacionários americanos. A igreja agradecia os milagres da repressão. A sociedade prosseguia com sua extensa marginalia provinciana. O mercado fonográfico assumia ares demoníacos e capitalistas. Surgiam Chico Buarque, Gilberto Gil, Sidney Miller, Caetano Veloso e Sérgio Ricardo, entre outros, que defenderiam nos grandes e pequenos festivais a música brasileira das impurezas. Era o tempo de marchas, modinhas, sambas e similares.

O grande inimigo era o iê-iê-iê na forma de pastiche e a tendência de eletrificação da música popular. Há quem afirme que era o proto-rock brasileiro. São incríveis as secularizações dos ambientes, das pessoas, dos artistas, dos empresários e da convivência cultural no eixo Rio-São Paulo, registradas por Torquato Neto, nem sempre com propriedade crítica, mas sempre munido de opinião e coragem, verdadeiramente os únicos recursos que nos podem salvar dos Chapolins Colorados da ética e das etiquetas intelectuais.

Já no período final dessa fase, com a decisão de eletrificação da música por Gilberto Gil, registrado em artigo do dia primeiro de outubro de 1967, sob o título de Compositores e Críticos, é muito delicioso perceber como a percepção intelectual de uma grande figura começa a ser moldada em pleno conflito ideológico. É muita riqueza existencial: eis o verdadeiro pf cultural, alimenta o espírito e a conduta, sem afetações ou messianismos. Para alguns exegetas mais apressados aqui se delineia um dos principais ingredientes existenciais que culminariam no suicídio de Torquato Neto, em 1972.

É muito legal perceber como a mudança ideológica, diria até, a busca incessante, modifica o signo e a linguagem. Bem mais maduro esteticamente, mas grandemente dialético ideologicamente, Torquato se mistura, se mescla, se traveste de outras faces e de outras facetas. Uma sintaxe fluida ao mesmo tempo em que fragmentada e descontínua, apresenta fatos, versos e versões sob um olhar atento aos novos tempos ao mesmo tempo em que desatento aos mesmos contentos. Eis o vampiro, que não se cansa de transfusões. Adoro o som dessa metralhadora giratória. Algumas coisas devem ser realmente metralhadas, diante da sensibilíssima alienação dos cânones.

É de lá, da famosa Geléia Geral, que se erguem e se espalham os baratos, os grilos, as transas e os parangolés opinativos de maior grandeza. Os laços afetivos se expandem pouco, mas se solidificam em trincheiras acesas, em guetos, em células de resistência, em aparelhamentos e patrulhas, como estrategicamente queriam os criminosos da ditadura militar, agora em plena tragédia social. Torquato escreve e pensa sobre cinema, música e arte em geral. Torquato confessa e exibe suas inquietações, escreve poesia e deixa um rastro indelével em nossa cultura. Nas entrelinhas é possível perceber o fim trágico, mas jamais o término, pois isso não se finda, se desdobra em encantamento.

Alguns detalhes transformam curiosidades em outras narrativas. Em momento nenhum se lê a palavra, o nome, a entidade: Tom Zé, a não ser pelo organizador, na cronologia inserida como último capítulo. Hermeto Pascoal também não é citado, como também Rogério Duprat. E deveriam? Em nenhum momento existe menção direta ao Tropicalismo, como um movimento, em nenhum escrito de nenhuma coluna. São apenas ossos do ofício? Leia o livro e tire suas conclusões. Eu recomendo, do alto da minha insolência crítica.

A Tempestade


Gibran Khalil Gibran


Pássaro e homem tem essências diferentes.
O homem vive à sombra de leis e tradições por ele inventadas;
o pássaro vive segundo a lei universal que faz girar os mundos.
Acreditar é uma coisa; viver conforme o que se acredita é outra.
Muitos falam como o mar, mas vivem como os pântanos.
Muitos levantam a cabeça acima dos montes;
mas sua alma jaz nas trevas das cavernas.
A civilização é uma arvore idosa e carcomida,
cujas flores são a cobiça e o engano e cujas frutas
são a infelicidade e o desassossego.
Deus criou os corpos para serem os templos das almas.
Devemos cuidar desses templos para que sejam
dignos da divindade que neles mora.
Procurei a solidão para fugir dos homens, de suas leis,
de suas tradições e de seu barulho.
Os endinheirados pensam que o sol e a lua e as estrelas se levantam
dos seus cofres e se deitam nos seus bolsos.
Os políticos enchem os olhos dos povos com poeira
dourada e seus ouvidos com falsas promessas.
Os sacerdotes aconselham os outros,
mas não aconselham a si mesmos,
e exigem dos outros o que não exigem de si mesmos.
Vã é a civilização. E tudo o que está nela é vão.
As descobertas e invenções nada são senão brinquedos
com a mente se diverte no seu tédio.
Cortar as distâncias, nivelar as montanhas,
vencer os mares, tudo isso não passa de
aparências enganadoras, que não alimentam ocoração e nem elevam a alma.
Quanto a esses quebra-cabeças, chamados ciências e artes,
nada são senão cadeias douradas com os quais o homem
se acorrenta, deslumbrados com seu brilho e tilintar.
São os fios da tela que o homem tece desde o inicio
do tempo sem saber que, quando terminar sua obra,
terá construído a prisão dentro da qual ficará preso.
Uma coisa só merece nosso amor e nossa dedicação, uma coisa só...
É o despertar de algo no fundo dos fundos da alma.
Quem o sente não o pode expressar em palavras.
E quem não o sente, não poderá nunca conhecê-lo através de palavras.
Faço votos para que aprendas a amar as tempestades em vez de fugir delas.
Que este poema do Gibran tome o caminho do coração dos que postam e acessam esta nossa revista virtual e, especialmente, o verso " Acreditar é uma coisa; viver conforme o que se acredita é outra."

Mestre da Cultura morre atropelado em Barbalha

JOAQUIM MULATO É ATROPELADO


Joaquim Mulato, decurião, ou chefe do grupo de penitente do sítio Cabeceiras (Foto: Antônio Vicelmo)


O Cariri perde um dos mais legítimos representantes da cultura popular, o Mestre da Cultura e penitente Joaquim Mulato de SouzaVítima de atropelamento de moto, morreu a cidade de Barbalha, aos 89 anos, o Mestre da Cultura Popular Joaquim Mulato de Souza, decurião, ou chefe do grupo de penitente do sitio Cabeceiras. O acidente ocorreu na estrada Barbalha-Arajara, nas proximidades de sua residência. No atropelamento, o penitente sofreu fratura na cabeça , sendo levado para o Hospital São Vicente, onde permaneceu em coma até a tarde de segunda-feira.


Este é o terceiro penitente que á atropelado e morto na estrada que liga Barbalha ao distrito de Arajara. Os moradores colocam a culpa na estrada que se encontra esburacada e sem acostamento.O sepultamento foi realizado ontem à tarde com grande número de pessoas acompanhando. Joaquim Mulato desceu ao túmulo debaixo do cantochão dos penitentes que entoaram benditos fúnebres. De acordo com o regulamento, o penitente é enterrado no cemitério da ordem, que foi construído pelo padre Ibiapina no século -18, no sitio Cabeceiras. Contudo, Mulato já tinha mandado fazer o seu túmulo no cemitério de Barbalha, onde foi enterrado.


Penitência


Joaquim Mulato faz parte de um grupo de agricultores que tem como penitência chicotear as próprias costas com lâminas de ferro até o sangue escorrer, na esperança de que, junto com o sangue, escorram também os pecados da própria alma e das almas alheias. Assim ter um mundo melhor. E uma presença melhor diante de Jesus Cristo na hora do julgamento, seja no Apocalipse, seja na hora da morte.Foi com esta concepção, que Joaquim Mulato viveu 77 dos seus 89 anos de vida.Joaquim conheceu a ordem dos penitentes com 12 anos, quando ouviu, numa noite de lua clara, vozes que cantavam o “ABC do Divino”. Achou bonito e perguntou à madrinha quem eram. A resposta foi de que se tratavam dos penitentes. Quando seu pai morreu, ele, com dezesseis anos, pediu licença ao decurião José Francisco da Silva, o Mestre Biro, para fazer parte da Ordem.


Quando o velho já não estava mais sabendo cantar os benditos, Joaquim assumiu o comando do grupo, que liderou até morrer.Com a morte de Joaquim Mulato, o cargo de decurião-chefe será exercido por Severino Rocha, 84 anos. Cabe a ele agora não deixar morrer o movimento, que já conheceu quatro decuriões. “Se tudo der certo, nada há de mudar, promete Severino, acrescentando que está pensando em passar o comando para um dos mais novos, uma vez que a maioria dos integrantes da ordem já está com mais de 70 anos”. Os penitentes defendem a idéia de que o espírito pede sacrifício para purificar. Na sua concepção, ´há de ter o dia do juízo final. Só que quando Nosso Senhor Jesus Cristo mandar o castigo, não vai avisar, não. Com a penitência fica mais fácil melhorar a conta lá em cima´, acredita Severino, advertindo que uma simples palavra errada pode estragar tudo.
ANTÔNIO VICELMO
Repórter


(Fonte: Diário do Nordeste, 25-02-2009)

O Tempo da Quaresma

O QUE QUER DIZER QUARESMA?

A palavra Quaresma vem do latim quadragésima e é utilizada para designar o período de quarenta dias que antecedem a festa ápice do cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no famoso Domingo de Páscoa. Esta prática data desde o século IV.

Na quaresma, que começa na quarta-feira de cinzas e termina na quinta-feira (até a Missa da Ceia do Senhor) da Semana Santa, os católicos realizam a preparação para a Páscoa. O período é reservado para a reflexão, a conversão espiritual. Ou seja, o católico deve se aproximar de Deus visando o crescimento espiritual. Os fiéis são convidados a fazerem uma comparação entre suas vidas e a mensagem cristã expressa nos Evangelhos. Esta comparação significa um recomeço, um renascimento para as questões espirituais e de crescimento pessoal. O cristão deve intensificar a prática dos princípios essenciais de sua fé com o objetivo de ser uma pessoa melhor e proporcionar o bem para os demais.

Essencialmente, o período é um retiro espiritual voltado à reflexão, onde os cristãos se recolhem em oração e penitência para preparar o espírito para a acolhida do Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa. Assim, retomando questões espirituais, simbolicamente o cristão está renascendo, como Cristo. Todas as religiões têm períodos voltados à reflexão, eles fazem parte da disciplina religiosa. Cada doutrina religiosa tem seu calendário específico para seguir. A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa luto e penitência.

Cerca de duzentos anos após o nascimento de Cristo, os cristãos começaram a preparar a festa da Páscoa com três dias de oração, meditação e jejum. Por volta do ano 350 d. C., a Igreja aumentou o tempo de preparação para quarenta dias. Assim surgiu a Quaresma.

QUAL O SIGNIFICADO DESTES 40 DIAS?

Na Bíblia, o número quatro simboliza o universo material. Os zeros que o seguem significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e dificuldades. Portanto, a duração da Quaresma está baseada no símbolo deste número na Bíblia. Nela, é relatada as passagens dos quarenta dias do dilúvio, dos quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, dos quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, dos quarenta dias que Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, dos 400 anos que durou a estada dos judeus no Egito, entre outras. Esses períodos vêm sempre antes de fatos importantes e se relacionam com a necessidade de ir criando um clima adequado e dirigindo o coração para algo que vai acontecer.

O QUE OS CRISTÃOS DEVEM FAZER NO TEMPO DE QUARESMA?

A Igreja católica propõe, por meio do Evangelho proclamado na quarta-feira de cinzas, três grandes linhas de ação: a oração, a penitência e a caridade. Não somente durante a Quaresma, mas em todos os dias de sua vida, o cristão deve buscar o Reino de Deus, ou seja, lutar para que exista justiça, a paz e o amor em toda a humanidade. Os cristãos devem então recolher-se para a reflexão para se aproximar de Deus. Esta busca inclui a oração, a penitência e a caridade, esta última como uma conseqüência da penitência.

AINDA É COASTUME JEJUAR DURANTE ESTE TEMPO?

Sim, ainda é costume jejuar na Quaresma, ainda que ele seja válido em qualquer época do ano. A igreja propõe o jejum principalmente como forma de sacrifício, mas também como uma maneira de educar-se, de ir percebendo que, o que o ser humano mais necessita é de Deus. Desta forma se justifica as demais abstinências, elas têm a mesma função.

Oficialmente, o jejum deve ser feito pelos cristãos batizados, na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa. Pela lei da igreja, o jejum é obrigatório nesses dois dias para pessoas entre 18 e 60 anos. Porém, podem ser substituídos por outros dias na medida da necessidade individual de cada fiel, e também praticados por crianças e idosos de acordo com suas disponibilidades.

O jejum, assim como todas as penitências, é visto pela igreja como uma forma de educação no sentido de se privar de algo e revertê-lo em serviços de amor, em práticas de caridade. Os sacrifícios, que podem ser escolhidos livremente, por exemplo: um jovem deixa de mascar chicletes por um mês, e o valor que gastaria nos doces é usado para o bem de alguém necessitado.

QUAIS SÃO OS RITUAIS E TRADIÇÕES ASSOCIADOS COM ESTE TEMPO?

As celebrações têm início no Domingo de Ramos, ele significa a entrada triunfal de Jesus, o começo da Semana Santa. Os ramos simbolizam a vida do Senhor, ou seja, Domingo de Ramos é entrar na Semana Santa para relembrar aquele momento.

Depois, celebra-se a Ceia do Senhor, realizada na quinta-feira santa, conhecida também como o lava pés. Ela celebra Jesus criando a eucaristia, a entrega de Jesus e portanto, o resgate dos pecadores.

Depois, vem a celebração da Sexta-feira da Paixão, também conhecida como sexta-feira santa, que celebra a morte do Senhor, às 15 horas. Na sexta à noite geralmente é feita uma procissão ou ainda a Via Sacra, que seria a repetição das 14 passagens da vida de Jesus.

No sábado à noite, o Sábado de Aleluia, é celebrada a Vigília Pascal, também conhecida como a Missa do Fogo. Nela o Círio Pascal é acesso, resultando as cinzas. O significado das cinzas é que do pó viemos e para o pó voltaremos, sinal de conversão e de que nada somos sem Deus. Um símbolo da renovação de um ciclo. Os rituais se encerram no domingo, data da ressurreição de Cristo, com a Missa da Páscoa, que celebra o Cristo vivo.

Fonte: CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Doações

Estranhas formigas canibais
passeiam famintas com os ferrões
cravados no abdome da sua vítima.

Do meu trono
antes que meus dedos tomem choques
meus olhos monitoram o teto
e junções de paredes.

Agora que uso óculos
tenho por instinto buscar um ângulo
entre o impulso e a contemplação.

Os insetos me ouvem.
Beberam da porção mágica.
Sumiram.

Falemos então dos tênis sujos
amontoados no banheiro...

Margarita

Dentro do nosso abismo pessoal
brilha uma pérola
mas a ostra
é pouco confiável.

Dentro da nossa alma exumada
vozes cotidianas se debatem entre paredes.

O labor mais extenuante
é arrancar as teias de aranha
enquanto chove.

Havemos de ser cuidadosos com o alicate.
A pérola perde a preciosidade
se ferirmos o molusco.

E de nada adiantará o silêncio
se todos os sonhos perderem seus ninhos
em paredes envernizadas.

Não há perdão para o chato

Cazuza

Respeito o cara que é padre
Porque não sente tesão
Respeito quem rouba com fome
Quem consegue dizer não
Tem o meu respeito quem pede esmola
Quem ganha a sua mesada
Mas tem que ser mão aberta
Com a rapaziada

Só não há perdão para o chato
Perdão para o chato
Não há perdão
O reino dos céus é do chato
Do chato, do chato
Do otário e do cagão

Respeito quem é radical
Respeito quem ama errado
Respeito o cara careta
E o cara exagerado
Quem não gosta de criança
E quer viver solitário
Quem odeia rock'n'roll
Mas gosta de um rebolado

Só não há perdão para o chato
Perdão para o chato
Não há perdão
O reino dos céus é do chato
Do chato, do chato
Do otário e do cagão

Respeito o cara-de-pau
Respeito o mal-humorado
Respeito a quem só reclama
Por ser mal remunerado
Tem o meu respeito quem quebra tudo
Na noite dos desesperados
E também o cara burro
Que sabe ser engraçado

Só não há perdão para o chato
Perdão para o chato
Não há perdão
O reino dos céus é do chato
Do chato, do chato
Do otário e do cagão

Obs.: Este post é dedicado a Socorro Moreira e Domingos Barroso, eles que merecem elogios, mesmo no escuro, porque não são chatos, apesar das paráfrases.

Companhia

Minha lagartixa continua imperiosa,
imprevisível, dona do seu próprio rabinho -
Faz o que deseja e vai aonde lhe apraz.

Sinto, entretanto, da sua parte
uma inquietação em aproximar-se
do espaço em que medito e escrevo.

O quarto dos fundos é um baú
de pouca coisa admirável -
tirando todos os objetos
sequer perceberia a poeira.

Mas é lá que minha lagartixa,
por sinal gordinha,
ultimamente gosta de estar.

Agora há pouco
debaixo da cadeira giratória
refletia ela sobre seus dilemas de réptil.

Se não fosse o poeta tão insensível
com seus pesados passos
certamente ela alcançaria o assento.

Sentada, altiva, elegante,
com seus olhinhos para o computador -
não duvido, logo escreveria
a respeito do seu mundo silencioso.

A predileção pela chuva
e o seu misterioso celibato.

Ou talvez a lagartixa
em esforço sobrenatural
quisesse apenas mover as rodinhas
da cadeira giratória e assanhar o espírito:
"Adrenalina, meu poeta, adrenalina!"
"Kafka"

Kafka era sombrio
seu mundo escuro

Kafka era magro
seu olhar, duro

Kafka era tísico
o peito, inseguro

Seu Hermann era forte
como um muro

Kafka nos escombros
se fez imaturo?

Kafka amava Felice Bauer?
Teria comido Grete Bloch?

Kafka era Gregor Samsa
debaixo da cama

Fugindo aos olhos-espadas
sempre de seu Hermann?

Uma coisa é certa:
Kafka não tinha perninhas de barata.

O Eterno Castigo

Sempre pela manhã o filho único odeia escovar os dentes.
Primeiro anseia a iguaria,
para só depois bem mais tarde
tratar dos seus roedores.

Uma batalha incutir na sua cabecinha
da tragédia anunciada dos dentes podres.

Explico-lhe da sujeira da sua boca.
Das bactérias do dragão de Komodo em seu bafo.

O pequeno também argumenta.
Usa de estratagemas.
Tenta cansar-me, exasperar-me, enlouquecer-me.

Então não mais havendo
nem conversa nem brincadeira
apelo para a minha autoridade de pai
e para a minha força bruta de primata.

Ergo a sandália,
o maluco dispara pelo corredor.

Acaba na pia com a escova na mão -
é claro, blasfemando contra o quinto mandamento.

Mas resmunga baixinho,
e eu faço de conta que não ouço.

desta vez Tarso Genro e Lula não conseguiram impedir...

24/02/2009 - 02h07
Atleta cubano que desertou
no Pan do Rio foge para Miami
da Efe, em Miami
O boxeador cubano Guillermo Rigondeaux, 27,
bicampão olímpico e mundial, conseguiu fugir para Miami (Estados Unidos). Ele já havia desertado durante os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, e acabou deportado pelo governo brasileiro.
Em 2007, Rigondeaux e o lutador Erislandy Lara abandonaram a delegação do país durante a disputa do Pan. Eles foram presos cerca de um mês depois em Cabo Frio, na Região dos Lagos do estado do Rio, e foram enviados de volta a Cuba menos de 48 horas depois de serem encontrados.
Lara já mora em Miami, junto dos atletas Yuriorkis Gamboa e Odlanier Solís, segundo o jornal "El Nuevo Herald".
Rigondeaux retomará sua carreira após cumprir todos os requisitos obrigatórios, segundo um porta-voz da empresa alemã Arena Box Promotion, que representa Gamboa, Lara e Solís. "Queremos que Rigondeaux faça parte da Arena Box e vamos dar todo o apoio para que cumpra seu sonho de ser campeão mundial profissional", disse.
Outro caso envolvendo deserções de atletas cubanos foi em março de 2008, quando cinco jogadores da seleção de futebol masculina que disputavam o Pré-Olímpico da Concacaf ficaram nos EUA.
A situação foi humilhante para a equipe, que entrou em campo com dez jogadores e sem reservas na última partida, uma derrota de 2 a 0 para Honduras.
(Fonte:"Folha de S.Paulo",24-02-2009)

Concurso para escolha da nova logomarca do Seeb/Cariri

O Sindicato dos Bancários do Cariri, no âmbito das comemorações dos 50 anos de sua fundação, promoverá um concurso para escolha da nova logomarca da instituição.

A inscrição é grátis e poderá ser feita na sede do Sindicato dos Bancários do Cariri, situada na rua Benício Glicério Pinheiro, 141, Pimenta, Crato, em dias úteis, no horário de 8 as 12 horas e de 14 as 17 horas, no período de 25 de fevereiro a 13 de março de 2009.

A proposta de logomarca vencedora será premiada com a importância de R$ 1.000,00 (um mil reais).

Para conhecer o regulamento do concurso clique aqui: http://seebcariri.blogspot.com/2009/02/regulamento-do-concurso-da-nova.html

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A Bicicleta Mágica

De manhãzinha
debaixo de chuva
andava de bicicleta
louco e feliz.

De noite
com o céu escuro
a sombra do guidom
dois chifres
e o cheiro dos pneus
puro enxofre.

Servia eu a dois senhores -
ludibriando um
e enaltecendo o outro,
conforme o arrebatamento
e os pesares.

Foi preciso
em dia de trovoada
que a poça de lama sutilmente
um tenebroso abismo -

O guidom partiu-se ao meio,
dos pneus rasgou-se o ventre.

Tombo fabuloso,
hematomas inebriantes.

Logo saquei que toda máscara
adormece sob a iminência do mofo.

A Genialidade


Consultando a wilkipédia encontrei as seguintes observações para o termo “Gênio” - “Gênios são dotados de excepcional brilhantismo, mas freqüentemente também são insensíveis às limitações da mediocridade bem como são emocionalmente muito sensíveis, algumas vezes ambas as coisas.” Fala-se ainda que: Gênios são freqüentemente acusados de falta de senso comum. Alguns gênios em determinadas áreas são ditos como sendo incapazes de "captar" conceitos corriqueiros.

“Algumas pesquisas mostram ainda que outras razões além do desajuste tornam difícil para os gênios obterem companhia. Como a inteligência de uma pessoa aumenta, aqueles que elas consideram como pares constituem-se num número cada vez menor de pessoas. Por exemplo, para um QI de 135 somente uma em cada 100 pessoas terá QI igual ou superior. Este número encolhe significativamente a medida que o QI sobe”.

Portanto a genialidade existe. Muitos gênios povoam nossa história, estamos cientes disto. Posso afirmar, porém, que os gênios sendo humildes, exóticos, excêntricos, apagados ou simplesmente iguais aos demais na sua constituição física, não nos incomodam. O que neles supera a compreensão dos demais é apenas e simplesmente a fagulha criativa voltada para sua própria centelha. São pessoas com sua vidinha definida (ou não) porque inseguros como todos os demais humanos. Brilham intensamente, mas nem fazem questão de ofuscar a grande massa de mortais que se avizinha. Simplesmente vivem sua genialidade.

Os gênios não perdem tempo em importunar os demais com barbáries ou com divagações ensimesmadas. Com pernosticidade ou com ofensas veladas e mesquinhas. Os gênios podem até não saber distinguir a grandeza da alma, mas também não se importam com a pobreza ou riqueza incandescente das palavras.

Os gênios não são preconceituosos, porque não enxergam essas coisas pequenas, estão acima delas, são magnânimos. Certamente não perdem tempo em criticar a mediocridade da vida ou dos passantes que ruminam seus clamores insofismáveis sobre outrem.

Os gênios se perdem em sua “genialidade” e não tripudiam sobre as fraquezas ou grandezas de quem nem conhecem, só pelo caso de ser esta pessoa uma mulher e/ou pelo fato de seus pensamentos não se coadunarem com os dessa pessoa. Para se ser gênio há uma necessidade intrínseca de se fazer um exercício mental em termos de se evidenciar a excelência humana e não meramente desperdiçar a função de seus neurônios com picuinhas crassas e gratuitas.

Com certeza, a genialidade é muito mais uma questão de aprender novas maneiras de abrir a mente para novas combinações usando novos ângulos. Criar uma expectativa de seu próprio desempenho, usar a imaginação para criar um cenário de si mesmo registrado por seu cérebro e servir-se disso como guia mental para o comportamento e as competências que a pessoa vai (ou não) manifestar para conseguir o desempenho que quer.

Portanto, podemos absorver a genialidade sem execrar ou julgar nossos pares. Esta tática de elevar a expectativa das pessoas através do elogio envolve palavras de apoio, dizendo-se diretamente a elas que podem conseguir um desempenho melhor. E isto de fato funciona - em certo grau de eficácia. Esta abordagem pode ser uma inspiração à motivação e à ação.

A expectativa positiva sobre uma produção literária, por exemplo, ajuda a re-enquadrar resultados além do desejado, pois a pessoa com sua maestria auto-decretada acredita que naturalmente vai superar suas “fragilidades”. Todos nós temos competências “latentes” que são ativadas sob um bom efeito desta crença positiva em nossa eficácia pessoal.

Portanto, enquadro-me num incômodo sentido por aqui onde, gênios ou não, estamos à mercê de indelicadas apelações nos bastidores.


Texto de Claude Bloc

Languidez

Meu diabinho mais magro -
nem por isso morto.

Com as costelas aparecendo,
lépido e sacana.

A alma semiacordada
com o peso da chuva no lombo
contenta-se com o luxurioso canto do pássaro -

Do seu quintal vizinho
ele sabe que alguém ouve seu contentamento
de telhado molhado e paredes frias.

Na cama o livro
com meus óculos na capa
espera-me de volta.

Antes pingo duas gotas de cloreto de sódio -
que agora vejo tem uma espinha crescendo
no olho direito.

Sem nexo (causal, ao menos)

E algum filho da puta inventou essa coisa de ser triste para justificar a genialidade. Ou seja, se não for um fodido, difícil ser algo perto de gênio, ou um escritor, quiçá qualquer coisa que marque pontos para eternidade. Melancolia é badulaque, moeda de troca, pressuposto, requisito. Ser um fodido, motivação criadora.

Eu creio nisso. Nessa possibilidade de que sem mostrar as tripas, a gente não consegue grande coisa. Ficamos num meio termo sem graça. Num ensaiozinho de literatura, numa coisinha sem pegada, sem colhão. Mas ainda não respondo se isso é derivado da fossa, ou de algum momento em que nossos olhos brilham de um jeito insuspeito. Num dia vacilão, sem chances, aparentemente.

Me vem o Waly e diz: pode ser festa, meu chapa. Me vem o Domingos para dizer que dá pra tirar leite de pedra, meu camarada. Me vem Sandro Ornellas, Lupeu, Ferlinghetti, Ginsberg, Fernando Pessoa (esse menos, a distância do mundo nos separa), a Hilda Hilst e me sopram no ouvido uns versos, umas ondas para me mostrar que sem isso, sem essa coisa de pegada forte, não funciona. Não dá. Não rola.

Mas o que fazer quando as coisas parecem lentas demais (vejam, minha velha obsessão por contas não pagas, pela grana e pela solidão a que me acostumei). Redivivo, único, receoso do obtuso da vida, do certo e do ponderado. Da coisa de ser o que todos querem.

Nada disso. Nada dessa morbidez de salões empoados e de pessoas chatas. Um bacanal antes disso. Antes do tiro na própria cabeça, um balaço na parede, portas ao chão, janelas escancaradas e pessoas com medo – afinal, elas não irão olhar para seu rosto, lúcido, translúcido.

Matéria podre. Li pouco do Kafka – me parece um sujeito cinza e travado; ele e suas perninhas de barata – e gosto dos que riem acima das desgraças. Meu sonho de envelhecer enquanto grelho filés numa praia deserta cada vez mais distante. Fazer o que? Talvez umas últimas linhas brancas com o que trouxe de Macondo – que é aonde de fato as coisas acontecem, desde o primeiro dia em que vi um pôster do Morrisson numa porta rangente.

Alheio ao carnaval e sem conseguir ler uma palavra sequer do Stendhal – o Julien cada vez mais forte, dono de suas vontades, um puta livro, e eu travado em dias quietos demais.

Um ensaio do Ginsberg numa revista cabeçuda – tradutores Uspianos e toda essa tralha de gente sabida demais, estragando o fluxo da cabeça do judeu Allen. Amigos que me ligam para dizer bobagens; uns projetos na cabeça e a mesma vontade sem nexo de cair fora – numa boa, sem essa de canos encostados nas têmporas; falo de mudar o curso da história e curtir minha barba num lugar de sol intenso, de ventos fortes, que destelham casas e velhas certezas.