A lenda com o tempo passa por modificações ao sabor das necessidades históricas. Para os romeiros que chegavam a Juazeiro, cidade vizinha ao Crato, a profecia da grande enchente era inquietante, pois, mesmo para a lógica mais elementar, significava que se o Crato fosse inundado, o Juazeiro também o seria. Surgiu, então, a “boa nova” de que o Padre Cícero amarrara a “Pedra da Batateiras” com grossas correntes de ferro e teria pedido a proteção da Mãe do Belo Amor (a primeira imagem adorada pelos índios Cariri na Missão do Miranda). A pedra só iria rolar no final dos tempos e Juazeiro seria suspenso no céu para que as águas passassem devorando as iniqüidades do mundo. Baixas as águas, teria início a era do “Espírito Santo” e os pobres e deserdados da terra herdariam o “Paraíso”. Nas suas andanças pelo Cariri, na época em que negociava com cachaça, Antônio Conselheiro escutou de caboclos da região o lenda da “Pedra da Batateiras”, a partir da qual fundamentaria a profecia que pregava nos sertões da Bahia: “o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Esse discurso “messiânico” encontrou eco nos caboclos dos sertões baianos, fazendo com que os índios Cariri de Mirandela e Saco do Morcego, catequizados pelos frades capuchinhos, contribuíssem com a força de 300 caboclos flecheiros na defesa do Império Sagrado de Canudos, contra a fúria insana dos exércitos enviados pela jovem República brasileira. A narrativa desse apoio histórico dos Cariri a Antonio Conselheiro foi documentada pelo escritor e cineasta Hermano Penna, depois de pesquisas por ele realizadas, nos sertões da Bahia, para o filme “O Raso da Catarina”.
A história e o negro Cariri
O destino do coração-Cariri está ligado ao destino do corpo-sertões-do-Nordeste, com seus mitos e suas histórias. Para o jornalista e historiador João Brígido, o Cariri cearense foi ocupado por aventureiros baianos, partidos do Rio São Francisco, entre l660 a 1680. O mesmo historiador refere-se a uma narrativa, com sabor de lenda, sobre um negro escravo da Casa da Torre de Garcia D’Ávila que, em idade tenra, caiu em poder dos índios Cariri. Em guerra contra outras nações indígenas, em defesa do seu território, os Cariri teriam acolhido a sugestão do negro escravo de buscar ajuda dos homens brancos. Teria sido, então, esse negro-cariri o guia dos portugueses e mestiços do Pernambuco e da Bahia para a região. Tal acontecimento determinaria a ocupação da “casa” pelos “convidados” e a posterior destruição das nações indígenas
A mais linda e inesquecível...
Quando Fortaleza era ainda um denso areal, sem ruas definidas, com a maioria das casas de palha e de taipa, a cidade do Crato já se erguia como importante centro econômico e cultural, irradiando o “processo civilizatório” por todos os sertões do Ceará e pelos os circunvizinhos: os Estados da Paraíba, de Pernambuco e do Piauí. Os índios, os mestiços e os negros, marginalizados e espoliados de todos os direitos e de todos os bens, reinventavam a si mesmos a partir das muitas heranças culturais e faziam trabalho servil no pastoreio, nos roçados e nos engenhos. Os brancos senhores, donos das leis e das terras, viam crescer, mais e mais, o seu poderio econômico e político, estabelecendo vínculos com os centros urbanos mais adiantados do país e da Europa. Essa pujância econômica e cultural levaria poderosas famílias da região a participar de acontecimentos históricos importantes e transformadores da sociedade sertaneja. Os fortes laços comerciais e culturais que ligavam a região do Cariri cearense a Pernambuco, determinaram a significativa participação da região na Revolução de 1817. O seminarista José Martiniano de Alencar foi enviado de Recife para o Crato, onde residia a sua mãe Dona Bárbara de Alencar e o seu irmão Tristão Gonçalves de Alencar Araripe, para desencadear a revolução no Ceará. No patamar da igreja matriz do Crato, o jovem seminarista, com apoio da mãe, do irmão e de outras importantes pessoas da região, asteou a bandeira revolucionária, proclamou a República e decretou o fim do domínio português no Brasil. Isso aconteceu no dia 3 de maio de 1817. Ainda no mesmo mês, as forças conservadoras e legalistas sufocaram a jovem República que se inspirara nos ideais dos iluministas franceses. Os gritos de igualdade, fraternidade e liberdade seriam sufocados pelo sangue e pelo terror. José Martiniano, Tristão Gonçalves, Dona Bárbara de Alencar e outros republicanos foram presos e conduzidos às masmorras. O mesmo destino tiveram os republicanos de Pernambuco, da Paraíba e do Rio Grande do Norte, sendo que muitos deles foram condenados à morte. Para Luís da Câmara Cascudo, “a Revolução de 1817 foi a mais linda, inesquecível, arrebatadora e inútil das revoluções brasileiras”. Ainda para Cascudo, “Nações e frutas têm sua hora natural de maturação. O encanto das revoluções é a tentativa de apressá-las e promover a velocidade do quadrante do tempo imperturbável. Todas as nossas revoluções têm um apaixonante ângulo para nosso instintivo solidarismo democrático. Mas não coincidiram com o tempo e foram marcando apenas, com sangue, o caminho para a hora transfiguradora”.
A alma afoita da revolução
Em 1822, quando o Imperador Pedro I proclamou a Independência do Brasil, o Cariri abraçou a causa libertária e ajudou, com seus exércitos improvisados de cabras, negros e caboclos (6.000 homens em armas), sob o comando do Capitão-mor Pereira Filgueiras e de Tristão Gonçalves de Araripe, na libertação do Maranhão e do Piauí do jugo português. Após consolidada a independência, o Imperador Dom Pedro I mostrou-se despótico e arbitrário e, com um golpe de estado, dissolveu a Assembléia Constituinte, frustando os ideais de patriotas das várias províncias brasileiras. No Nordeste, região de tradição nacionalista e insubmissa, a resposta não tardaria. O sonho de liberdade e os ideais igualitários eram mais fortes do que a repressão do Império. A chama revolucionária de 1817 voltaria a se inflamar em generosidade de idéias e de heroísmo. Em 1824, em Pernambuco, eclodiu a Confederação do Equador que terminou por se propagar por várias províncias. No Ceará, Tristão Gonçalves de Alencar Araripe – cognominado como “a alma afoita da revolução”, partindo do Crato à frente de um exército rebelde formado por cabras, negros e caboclos, venceu as forças fiéis ao Imperador Pedro I e instalou, em Fortaleza, no dia 28 de abril de 1824, um Governo Revolucionário, inspirado no ideário da revolução francesa. Sonhava-se na época com um país democrático e sem escravidão. Enquanto o presidente Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e o Capitão-mor José Pereira Filgueiras, chefe em armas da revolução, combatiam focos contra-revolucionários no interior do Estado, uma divisão naval comandada pelo mercenário Lord Cochane, desembarcando em Fortaleza, tomou o palácio do Governo e fez hastear novamente a bandeira imperial. A capital não opôs resistência e as tropas revolucionárias, perseguidas e combatidas por mercenários e bandidos contratados a peso de ouro pelo Império, não receberam os esperados reforços que viriam de outras províncias. Os emissários que foram enviados aos Estados Unidos e à Europa para comprar armas não tinham respostas positivas. Diante de tudo isso, tornou-se impossível a continuidade do governo republicano das províncias livres do Equador. Traído por antigos aliados, lutando sozinho
contra os bandidos que caçavam a sua cabeça posta a prêmio, o presidente Tristão Gonçalves de Alencar Araripe seria morto (31 de outubro de 1824), em emboscada armada, pelo facínora José Leão, no povoado de Santa Rosa (Jaguaribara), às margens do rio Jaguaribe. O seu cadáver foi brutalmente mutilado e ficou exposto ao sol, secando como uma múmia. Uma noite, as escondidas, o povo recolheu o cadáver do presidente Tristão Gonçalves e o deu sepultura sob o piso da igreja de Santa Rosa de Lima. Sufocada a revolução, o Imperador Pedro I instalou tribunais militares nas províncias de Pernambuco, do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte para julgar e condenar à prisão perpétua e à morte os patriotas confederados, mas tudo isso não conseguiu apagar a memória desses homens generosos e extraordinários.
(O texto acima me foi encaminhado pelo Rosemberg para publicação especial no CaririCult. Por opção minha, estou publicando por partes)
2 comentários:
Eu sou um um CARIRI e gostaria de saber tudo sobre o povo que migrou para bahia, buscando melhorias. A região abitada pelos CARIRI foi a FAZ Fagundes Municipio de Curaçá BA o nome do meu avo era ANTONIO CARIRI DOS SANTOS e meu pai LUIZ CARIRI DOS SANTO agradeço se obtiver uma resposta, meu msn é trukapg@hotmail.com meu nome é DIOCLESIO CARIRI LOPES moro em Santa Maria da Boa Vista PE
O nome do meu pai também é Antonio cariri dos santos ES -Vitória.
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