A consciência crítica sobre a ditadura e o massacre social
no nosso país sempre viu Pelé como um mito que não se preocupou com as origens
de classe e etnia de sua família. Nunca fez um gesto para denunciar o status
quo que sufocava os pobres e nem levantou lebres contra o racismo que se
expressa contra a população que se originou na África.
Pelé, um negro e ídolo popular, chegou até falar em amor
quando vivíamos uma das situações mais críticas de repressão política. Gostava
de aparecer ao lado dos poderosos e andou bem distantes de mitos negros de
repercussão mundial como Miriam Makeba que abriu uma luta mundial contra o
Apartheid em sua África do Sul.
O que se diz sobre ele no mundo sujo do marketing,
associações com empresas, patrocínios e contratos de jogadores é uma corrente que
toma energia na mesma fonte dos velhos cartolas do futebol. A face corrupta e
mercenária por vezes é assacada contra ele nos meios de comunicação
especializado.
Por tudo isso Pelé é posto do outro lado da rua em relação
àqueles que lutam por uma vida melhor, por justiça social e por maior igualdade
pública. Mas aí é que começa a minha narrativa.
Pelé foi por muitos anos o maior símbolo da capacidade dos
negros em todas as sociedades que os discriminam. Pelé, pode ser que não Edson
Arantes do Nascimento, mas Pelé é a força da raça, o vitorioso, o gênio aquele
ser superior que toda cultura deseja. Especialmente a cultura dos povos
explorados e oprimidos.
Pelé, até por ser brasileiro, por vir de um país pobre e
sujeito às tempestades dos impérios arrogantes, terminou por representar no
imaginário de povos em igual situação a rota da superação histórica. Por isso
todo brasileiro que estivesse no mais remoto lugar da Ásia, da África, da
América do Sul e até da Europa era automaticamente identificado por Pelé. Pelé
era sinônimo de brasileiro.
Esta coisa que o Brasil ainda carrega. De ser este gigante
territorial que pode contribuir com outro modo de fazer política. De ser
alegre, tolerante, aberto à diversidade, lutar pelo progresso material nacional
mas sem comandar a estratégia imperial do domínio e do controle dos povos. Este Brasil mulato, branco, negro, indígena e japonês que é
cor de todas as cores.
Em conclusão: os setores mais progressistas não conseguem
ver em Pelé a essência da sua genialidade popular e o mais arraigado pensamento
de direita, que deseja ser o Brasil o mero reflexo de um espelho do majestoso
imperial do hemisfério norte, vê no nosso povo apenas a sua marcha serviçal.