TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

sexta-feira, 31 de julho de 2009

M.A.S.A

Depois da primeira tentativa de chegar à lua, Juvenal fogueteiro literalmente criou asa. Não tinha conseguido o feito porque não pensara naquele pequeno detalhe: mandara o fogo em dia de lua minguante e o artefato desceu na pontinha da lua. Terminou escorregando e se lascando no chão. Depois do pouso da Apolo XI, no Mar da Tranquilidade, Juvenal ficou meio capiongo. Matozinho tinha perdido a corrida espacial, por um detalhe velho muito do besta! Ao invés de baixar a crista, o fogueteiro criou sustança nas canelas. Resolveu construir um foguetão e mandar para lua, agora num dia mais propício. Nessa data que corre lobisomem , ela fica mais perto da terra e o alvo, também, é mais fácil de acertar. Procurou o Coronel Serapião Garrido, militar reformado, e contou das suas pretensões. O coronel animou-se com a idéia: Matozinho ia passar quinau em outras cidades que se diziam muito mais desenvolvidas. Imaginou, por outro lado, que o feito lustraria seus brios de militar reformado e que nunca tinha disparado um tiro sequer em campo de batalha. Serapião impôs prontamente uma regra de difícil exeqüibilidade para o sucesso da missão:
--- Aceito o desafio de chefiar a missão, seu Juvenal, agora sob uma condição: o vôo vai ter que ser tripulado. Não adianta mandar só o foguete que ninguém vai acreditar que o bicho chegou na lua. Tem que ter uma prova! Não é possível que não se encontre um cabra macho para enfrentar o desafio aqui em Matozinho! Se eu fosse mais novo, já estava alistado!
Juvenal concordou com Garrido. Partiu para casa e começou a refazer os cálculos. Agora , com os novos planos, mudava totalmente a logística. O foguete tinha que ir e voltar com o astronauta e as provas do pouso lunar. Como conseguir o intento? Além de tudo, haveria necessidade de roupas e equipamentos especiais . Juvenal conseguiu um gibão, uma perneira , o peitoral e as botas de Antonio de Lausemiro um famoso vaqueiro de Bertioga. O velho Janjão tinha um motozão Índia e aceitou emprestar seu capacete para uma causa tão nobre. Cálculos feitos, projeto pronto, Juvenal seguiu para prefeitura e lá conseguiu convencer o prefeito Sindé Bandeira da importância do feito para a história de Matozinho. Sindé não mediu esforços:
--- Este é um dia histórico, Juvenal, para Matozinho e para o Brasil. Vamos entrar, definitivamente, na era espacial. Vou fundar a MASA – Matozinho Aeronautics and Space Administration. A prefeitura lhe vai dar todos os insumos necessários. Pode ocupar a área que era destinada ao Matadouro Público e que nunca foi terminado.
De posse da carta branca municipal, faltava a Juvenal apenas o detalhe mais crítico. O tripulante. Por mais que procurassem a coisa não estava fácil. A prefeitura prometeu recompensa, mas ninguém se atrevia a pegar no rabo do foguete. Mais uma vez Serapião, presidente nomeado da MASA, foi quem resolveu a pendência. Lembrou de um astronauta em potencial que dificilmente se negaria a encabeçar a missão: Tan-Tan. Ele era um doidinho que vivia nas ruas de Matozinho e que não tinha medo de nada. Montava em burro brabo, comia gafanhoto vivo , pegava cobra com a mão. Tan-Tan, convidado, aceitou de pronto a missão, exigiu como recompensa apenas um queijo de manteiga e uma lata de doce de leite.
A construção do foguete de Juvenal durou mais de três meses. Cortaram um imenso pé de braúna, esvaziaram o miolo do bicho e pegaram a socar pólvora. Gastaram mais de dez quilos só no foguete de ida. Pregado a ele, ao contrário, rabo com cabeça, ia o foguete de volta., Tan-Tan , após o passeio lunar, foi orientado a acender o bicho e voltar para terra de novo, com a prova da missão realizada: uma peça do arreio do cavalo de São Jorge !
No dia aprazado, um sábado de Lua Cheia, estrategicamente escolhido, toda Matozinho se espremia defronte do Matadouro Municipal que abrigava os dois foguetões amarrados um ao outro com cordas de agave e apontados para o firmamento. No meio, tinham ajustado um esqueleto de bicicleta, justamente onde Tan-Tan se acomodou , devidamente paramentado. Depois, os discursos de praxe:
--- Este é um pequeno vôo para Tan-Tan, mas um grande salto para Matozinho!
Já anoitecendo, quando a lua começou a vazar sangrando no horizonte, apontaram o foguete na direção do planeta e Juvenal acendeu o estopim. O foguete desapareceu numa imensa nuvem de fumaça, soltando fogo para tudo quanto é lado. Subiu fazendo pirueta, parecendo rabo de égua. Ouviam-se , em meio à fumaceira, os gritos e gargalhadas de Tan-Tan. O povo , temendo uma explosão, saiu correndo desesperado. Pelo chão ficou um sem número de objetos.
Passados os dias, Tan-Tan não retornou e não mandou notícia. Um mês depois , Juvenal e Garrido entraram vexados na prefeitura. Finalmente haviam tido os primeiros sinais de Tan-Tan na lua. Um foguete velho todo queimado havia sido encontrado por um caçador, na Serra da Jurumenha, junto com um chaveiro cheio de chaves. Juvenal explicou:
--- O foguete voltou. Achamos que Tan-Tan , aluado como era, se deslumbrou com a lua e resolveu ficar por lá. Mandou o foguete de volta apenas com a prova da sua chegada nos solo lunar!
O prefeito Sindé não entendeu:
--- Mas como, ele mandou algum arreio do cavalo de São Jorge ?
--- Não, mas mandou esse chaveiro cheio de chaves...
Sindé ,confuso, pergunta:
--- Mas o que é que diabos tem a ver chave com São Jorge, pelo amor de Deus?
Juvenal explicou:
--- Cavalo, que cavalo! O homem ta moderno,meu Senhor, foi do tempo de cavalo, São Jorge agora usa é Moto ! Ói as chaves dela aqui que Tan-Tan mandou!

J. Flávio Vieira

Um dos corredores...

Charge de Bessinha para A Charge Online.

O paternalismo da crítica

Um amigo me ensinou um ótimo truque para quando um conhecido pedir opinião sobre o poema, a peça de teatro, o filme , o show dele. Ele recomendou que quando me deparasse com o artista ávido de elogios sobre seu trabalho, que achei no mínimo medíocre, diga simplesmente "É a sua cara!" Tentando ser o mais enigmático, ambíguo, possível. Se ele for uma vaidoso compulsivo, quase todos são, ele vai achar que fiz um elogio. Quando me referi à dificuldade de se fazer crítica em um meio pequeno não estava falando só do Crato, não. O texto abaixo, de Maurício Stycer, comenta como é difícil criticar o cinema brasileiro tão cheio de camaradagens e panelinhas:

O paternalismo da crítica

Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977), talvez o mais importante crítico e historiador do cinema brasileiro, disse certa vez, a título de provocação, que o pior filme nacional é melhor que qualquer filme estrangeiro.

Com esta frase famosa, Salles Gomes procurou estimular o exercício crítico de olhar para o cinema brasileiro como uma forma de expressão capaz de nos ensinar sobre a nossa própria cultura, independente da qualidade do filme. Por esse raciocínio, um mau filme pode nos ajudar a entender, por exemplo, o nosso lugar periférico no mundo, a nossa ignorância em relação a uma série de questões e, também, nos obrigar a pensar sobre o próprio cinema.

Desde a década de 60, as idéias de Salles Gomes influenciam, em diferentes graus e medidas, a crítica cinematográfica brasileira. E há razões objetivas, de natureza política e econômica, que fogem a uma discussão puramente estética, para explicar porque o cuidado ao julgar um filme brasileiro costuma ser diferente do dedicado aos filmes estrangeiros.

O Brasil não tem, como os Estados Unidos, uma indústria poderosa, capaz de produzir milhares de filmes por ano. O apoio do Estado ao cinema ainda é relativamente pequeno, comparado ao que outros países, como a França, oferecem. Cada filme que chega às telas costuma ser fruto de um esforço enorme, de muito sacrifício e dedicação, ao longo de dois ou três anos.

Também afeta, de alguma forma, e isso é um problema geral que envolve a atividade do jornalismo cultural, a proximidade do jornalista com a fonte. O mesmo crítico que jamais conhecerá o diretor estrangeiro sobre o qual escreve, é obrigado a conviver com cineastas brasileiros em festivais e eventos sociais, quando não é, por acaso, amigo do sujeito.

Para piorar, há cineastas brasileiros que, sem atentar para o constrangimento, colocam-se de pé, bem visíveis, à porta das salas de cinema, nas sessões especiais em que seus filmes são exibidos para a imprensa.

Por tudo isso, de uma maneira geral, há um cuidado maior no momento de avaliar um filme brasileiro. Entendo e respeito. Mas me preocupo quando percebo que esse cuidado deságua numa condescendência paternal. Crítico de cinema não deveria ser paternal nunca.

Mas, sendo inevitável tratar do filme brasileiro como uma criança que precisa de cuidados, que o crítico seja, ao menos, um pai severo. Nada pior para um filho que o pai que não sublinha as diferenças entre o certo e o errado.

Passar a mão na cabeça de um diretor pelas poucas qualidades de seu filme e fingir indiferença em relação aos seus defeitos é um desserviço que os críticos, às vezes, prestam ao cinema brasileiro.

Mauric

Agende-se. Ainda dá tempo !


31 de julho -Dia Mundial do Orgasmo


Neste dia, podemos prestar aqui uma singela homenagem a Carlos Zéfiro.Ele que chegou para nos salvar - adolescentes ainda -antes que Freud botasse tudo a perder! Afinal, o primeiro orgasmo ninguém esquece.
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Como inspiração, um poema erótico da Leila Mícolis:
Solteira de aceso facho
precisa logo de macho;
se é nervosinha a casada
só pode ser mal transada;
viúva cheia de enfado
tem saudade do finado;
puta metida a valente
quer cafetão que a esquente.
Mulher não vive sem homem.
Mulher não vive sem homem.
A prova mais certa disto
é que até as castas freiras
são as esposas... de Cristo.
Tal regra é tão extremista
que não contém exceção:
" quem sai dela é feminista,
fria, velha ou sapatão".
E é essa bagagem de preconceitos adquiridos
que chega-se à conclusão
na separação de amores doloridos
de que não houve culpados.
Só feridos.

19º. Cine Ceará


Estou por aqui na Fortaleza Bela- a turística das praias e barracas/restaurantes que servem caviar- e Fera –a infecta e imunda dos subúrbios abandonados sem saneamento básico- para acompanhar o festival de cinema. Me afastei um pouco do glamour da mostra competitiva e optei pela Mostra Che Olhares no Tempo, documentários que tem como foco a figura emblemática do guerrilheiro Che Guevara, por quem tenho muita admiração.
Dentre os filmes que vi até o momento, me impressionaram o "Kordavison", do diretor Hector Cruz Sandoval, que declina sobre a vida e obra daquele que foi o iluminado fotógrafo da revolução cubana Alberto Korda (na ilustração desta postagem), com depoimentos esclarecedores sobre o seu trabalho e detalhe do momento que clicou o Che naquela foto que se transformou em ícone de todos os movimentos libertários do século XX. Outro que emociona é o "Mi Hijo el Che", de Fernando Birri (um venerável senhor cineasta responsável pelo reconhecimento do cinema latino no mundo e que já beira os 80 anos) que, no momento de apresentação do seu filme e no melhor estilo de cidadão engajado, fez apelo para que a platéia volva seu olhar de atenção ao que está acontecendo no momento em Honduras, que sofre com um golpe militar contra a democracia.
O filme “Mi hijo el Che” é um depoimento emocionante e sério do pai do Che sobre o seu filho que se transformou em guerrilheiro mártir de todas as revoluções latino-americanas, com imagens (fotos e filmes) do arquivo de família. Não deixa de ser interessante a metáfora criada pelo Fernando Birri na apresentação: “... É como se fosse São José falando das lembranças que tinha de Jesus ainda menino...” É muito mais!
Na terça-feira, dia 04, o encerramento do 19º. Cine Ceará se dará com a apresentação do alegórico filme " Siri-ará" , do Rosemberg Cariry, onde representei o padre Osíris, um português de nome egípcio que é devorado pedaço a pedaço por uma banda de pífaros antropófaga. É Rosemberg mesmo!

É dando que não se recebe

"Não te irrites se te pagarem mal um benefício; antes cair das nuvens que de um terceiro andar"
Machado de Assis.

Pensei em atualizar o texto de Machado de Assis e colocar trigésimo em vez de terceiro andar. Mas acho que do terceiro já deve doer bastante.

HOMENAGEM POSTUMAS PARA OS ANÔNIMOS...WILSON BERNARDO!

CONTEÚDO!
Dentro das latas
todo vazio
é cheio de possibilidades.

A FALTA QUE NOS FAZ.
Cara feia?
mentem os teóricos
o que nem sempre é fome...
Sexo!

GENOMA.
O homem é um rato!
não por ironia
mas por natureza.

SERES SEM NOME ALGUM.
Nomes?
nem os guardo e muito
menos os decoro.
O que importa é a fisionomia
da cara no rosto das marcas no tempo
de pessoas sem lugares algum.



WILSON BERNARDO( poemas & foto esculturas)



DESTAQUES DA SEMANA

A notícia da semana

Como os blogs são o jornalismo de um apenas, escolho a matéria desta semana. Uma avaliação publicada pelo Observatório da Imprensa sobre perda de hierarquia das mídias tradicionais como formadoras da Opinião Pública. Especialmente perdem importância os jornais do eixo Rio-São Paulo: Estado, Folha, Globo.

Um primeiro aspecto se referia a certo provincianismo de cada um deles. Afinal a pauta de São Paulo e do Rio não se assemelham e por isso mesmo sem possibilidade de representarem a pauta Brasil. O outro aspecto já é conhecido ao se tentar explicar a queda nas vendas dos jornais: a emergência das novas mídias, televisão e a internet.

Um aspecto relevante da análise e agora retorno à emergência dos blogs formando uma pauta de baixo para cima, se trata da pauta dos “jornalões”. Acontece que a escolha da notícia, a decisão de aplicar recursos para investigação e coberturas, perdeu o canal com a sociedade. Hoje a pauta é decidida por dentro das próprias empresas. Entre colegas, com a interveniência dos editores e donos de jornais.

Especialmente pela questão do ciclo fechado é que cada vez mais os jornais perdem comunicação com os leitores, influenciados pela suas próprias vidas, pelas novas mídias, pela conversas interpessoais e nos encontros sociais. De algum modo o Dihelson Mendonça com seu “Chapada do Araripe” entre outros no Cariri intuíram esta questão. Os blogs coletivos são experimentos por vezes não intencionais nesta linha.

A notícia da semana 2

Quem mais ocupou as editorias de jornais, rádios e televisão foi a recuperação psicomotora de Felipe Massa na Hungria. Ainda hoje na sexta feira o assunto é uma não matéria, com os irmãos e pai do piloto contando gracinhas do paciente em plena mania pós-traumática. Isso considerando certa agonia da mídia brasileira especializada com o pano de fundo do gigante Michael Schumacher no lugar de Massa.

Ninguém disse, mas todos entendemos a preocupação do presidente da Ferrari visitando Felipe duas vezes na semana. A primeira em solidariedade televisiva e a segunda para anuncia o Schumacher. O papel do especialista na mídia (este é um tema que merece um Maurício Tavares) também esteve a jogo pleno. Pois tudo agora são os especialistas, o jornalismo ficou igual às profissões acadêmicas, igual à medicina. Um assunto qualquer chama o especialista. Pois a família do Massa chamou um especialista brasileiro para falar da recuperação do piloto em Português.

Neste exemplo embora a pauta da semana tenha sido determinada por interesses estruturados externos, não o são tanto assim. Nas empresas de jornalismo existem departamentos sustentados por grandes negócios, são tão profundamente incorporados que formam pauta no próprio ciclo do jornal. Por isso Felipe Massa tomou conta da semana diante do circo da fórmula 1, tão combalido de má notícias e com a crise econômica roendo suas bases.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

CARTUM por LUPIN


O Molusco

Dorme o molusco latente
só esperando sal e pimenta

e logo se acenda a lata
por efeito do arrebatamento

torna-se o molusco
um monstro apavorante

mil tentáculos venenosos
cruel cinismo

a devorar-me,
a enlouquecer-me
a lançar-me à morte

então estraçalhados
o coração, pulmões e fígado

volta a dormir o molusco inocente
só esperando sal e pimenta.

Junções

Seu vazio,
a sua moeda encantada.

Deixe-a dentro
das rachaduras das paredes.

Lá repousam os medos
as faces medonhas
o corredor escuro.

Mas também o sorriso
da nódoa de chuva

entre a linha da porta
e a brancura do teto.

Reviver

Quando o Messias aconselha
a deixar para trás os mortos

percebe quão doloroso
esquecer a soberania do corpo

mesmo os músculos flácidos
e a carne podre.

Agora que acordaste
com os olhos bem abertos

e a alma adormecida
da queda de ontem

nega de vez o combate -
aceita teus despojos
lodosos e insignificantes.

Não há outra verdade
senão a luz faísca do tormento.

Mastiga teu comprimido contra vermes.
Bebe um pouco de água.

Agora dorme.


Macaco Bong
Instrumental sem macacada


Uma surpresa boa sempre rola bem. Quem me apresentou o som do Macaco Bong foi Manoel Barros, velho amigo de inúmeras viagens sonoras, transubstanciadas no velho Cariri cearense, com os pés sempre alocados no universal. Combatemos juntos na trincheira cultural dos sebos, eu com o Et Cetera e ele com o Alan Poe. Ele resiste firme com o Solaris, reduto de cultura e bons tempos. Sempre nos encontramos e falamos sobre música e a mercadoria sonora, essa puta velha, cheia de truques e manhas seculares. O Macaco apareceu no último encontro.

O Power trio cuiabano surpreende de várias formas. É rock instrumental, mas não é pirotecnia guitarrística esclerosada dos fritadores de plantão. É independente, mas não tem parentesco nenhum com a merdologia indie que assola os universos paralelos e alternativos. É fora do eixo sul-sudeste, mas não tem a pretensão de resgatar porra nenhuma da cultura popular. Além disso, não cabe em nenhum rótulo ou tags existentes na falida imprensa especializada. Macaco Bong é rock instrumental sem macacadas e sem a sombra sorumbática da virtuose. O que já é muita coisa.

A banda já foi um quarteto e já lançou dois Eps. Macaco Bong nasceu em 2004, em Cuiabá (MT). Recentemente a banda lançou o seu primeiro cd “Artista Igual Pedreiro”, que faz parte do excelente projeto do selo Trama: Álbum Virtual da Trama, em que você tem disponibilizado trabalhos integrais de artistas com downloud grátis, inclusive com direito a capa, fotos e extras. São iniciativas como essas que mantêm arestas para a verdadeira música respirar livremente, em meio ao intenso mercado escravo dos jabás. Eis o endereço da redenção: http://www.tramavirtual.com.br/. O endereço específico da banda Macaco Bong é : http://www.tramavirtual.com.br/macaco_bong.

Atualmente a banda é integrada por Bruno Kayapy (guitarra), Ynaiã Benthroldo (batera) e Ney Hugo (baixo). O som que essa garotada faz é uma mistura de rock, jazz, psicodelia, hardcore, noise, hard e pop. As dez faixas do disco apresentam uma verdadeira parede sonora, com texturas modais, mudanças de andamento, ruídos, climas, dinâmicas e tensões sonoras da mais fina origem da vagabundagem musical do rock’n’roll. Os timbres mudam, mas não com tanta freqüência. Praticamente não existem solos, só em duas músicas: “Bananas For you all” e “Compasso em ferrovia”. O som do Macaco Bong é para quem não se preocupa em encontrar a peça mais intelectualizada ou a composição mais fodona do universo.

Os destaques ficam por conta da magnífica “Fuck you lady”, com belas passagens acústicas e climas em oitavas de muita inspiração. A super densa, dissonante e psicodélica “Noise James”, com uma pegada de peso, com uma guitarra saturada na válvula e mudanças de timbres sutis. A super climática, com belo tema em oitavas e timbre de guitarra praticamente limpo, “Bananas For You All”, com direito a um solo econômico, com texturas de delay e chorus. E a mais surpreendente de todas, “Compasso em Ferrovia”, climática, meio jazz-rock, com solo modal e um sustain de guitarra infinito, que prenuncia uma parede experimental de ruído e tensão.

Macaco Bong é a prova de que nem tudo está perdido na cena rockeira brasileira. Se por um lado o rock brasileiro vive do pastiche comercial de bandas como NXZero e outras porcarias do gênero, por outro lado o caminho indie é repleto de porcarias que imitam outras porcarias gringas. Mas existe um caminho do meio, bem ao estilo Macaco Bong, capaz de proporcionar prazeres inimagináveis, com ou sem trocadilho.

Frase



"Sempre que a moralidade baseia-se na teologia,

sempre que o correto torna-se dependente da

autoridade divina, as coisas mais imorais, injustas

e infames podem ser justificadas e estabelecidas."


Ludwig Andreas Feuerbach

INCORPORAR SÃO PAULO AO PROJETO NACIONAL

Quando alguém me lembra o FLA x FLU político entre FHC x LULA no Brasil de hoje, normalmente este tem antipatia pelo atual governo. Muito simples de concluir: FHC é passado, normalmente quem lembra não gostou de algo que não deixe mal o atual governo. Esta frase é a mesma de quem diz não gostar de política, anunciada de um modo a quase explicitar: eu não gosto do teu lado político.

A questão efetiva é que todos falam de uma terceira via para o Brasil, mas esta não aparece. Aliás, a terceira via nem bem se sustenta num dos países que alcunhou a alternativa: a Inglaterra. As lideranças da terceira via estão no ocaso (Blair, Clinton, FHC etc.) e a alternativa normalmente serviu de discurso para se contrapor à hegemonia dual da Esquerda e Direita.

Aqui no Brasil e terceira via é mais esdrúxula ainda, pois a base da hegemonia PT e PSDB é territorial: tem por centro São Paulo. A questão é essencialmente política e por incrível que possa parecer depende muito de que surjam partidos fortes fora do eixo paulista. Neste sentido o PMDB, o PDT, PSB e até o DEM poderiam ser a matriz de algo neste sentido.

A dificuldade se encontra em parte pelas agruras do sul, especialmente o Rio Grande do Sul e a Santa Catarina que não surgiram como os grandes vitoriosos do comércio sul americano. Ressentidos com o modelo centrado em São Paulo, a cada dificuldade, como os desastre das chuvas recentes em Santa Catarina, vem uma transferência de rancor com os nordestinos, por desculpas da política fiscal.

O Fla X Flu que a interlocução acima não gosta é o reflexo da disputa política do momento. Os principais candidatos do futuro próximo pertencem aos partidos “paulistas”, interditam o debate através da hegemonia em que o ponto fixo da felicidade no horizonte é o sonho de uma aliança PT e PSDB para governar definitivamente o Brasil.

Pelo raciocínio deste texto, precisa-se de certa confusão na fórmula paulista. A região sul não pode ser um mero corredor de mercadorias e uma esponja para absorver a gripe suína. O nordeste não pode se resumir a ter seus pequenos municípios sustentados pelo dinheiro dos aposentados e, como única alternativa, o incentivo fiscal ou o turismo.

A luta política para equilibrar mais os Estados e as regiões deve ultrapassar a discussão de como aperfeiçoar o modelo que está aí. Qualquer análise que não considere a questão de renda e emprego local, que não avalie com desconfiança a migração, inclusive de cérebros e por último os investimentos em infra-estrutura e em empresas, é mera correia de transmissão para esta hegemonia.

Observe-se que nos últimos 16 anos de governos paulistas nunca se viu um Projeto Nacional, incluindo infra-estrutura, desenvolvimento institucional, renda, emprego, educação, saúde, segurança pública, meio ambiente, inclusive o papel do país na política mundial.

Em síntese, politicamente, o país para avançar precisa refazer a discussão dos anos trinta e incorporar São Paulo ao projeto nacional e não ao contrário.

Visionário da Paraíba


Pássaro cativo
Zé Ramalho

Neon Lupo de Gás morava em pleno Manaíra há quase dez anos. Morava é um adjetivo, pois que tinha por teto uma pobre armação de caibros e palhas de coqueiro, acertados de um modo qualquer e frágeis, como "moleira" de recém-nascido.Lupo não fazia outra coisa senão "inventar". Tudo que imaginava, fazia. Inventava um absurdo-oculto. Às vezes quando saía, os moleques mexiam com ele. Neon não era um velho neurótico, mas ficava irritado quando lhe chamavam de Pardal. Não gostava disso. Ele era Neon Lupo de Gás, o protótipo atual de Leonardo da Vinci, saído há quase dez anos da Colônia Juliano Moreira, onde passou toda a sua vida até então. Solto, preparava-se para mostrar à Paraíba e ao mundo, todo o conhecimento que obtivera naquela casa de "futuristas". Era uma casa de CRIAR.Seu último projeto era "muito louco". Projeto secreto. Uma soma de tudo que já imaginara da Terra, da vida, da morte, do Ser. Iria mostrar a todos uma revolucionária invenção: "A CADEIRA QUE VOA". Ah! e ninguém mais sabia disso, à exceção de algumas baratas cascudas que ele criava dentro de uma caixa de sapatos. Eram ótimas companhias, dizia ele.A cadeira está pronta há quase um mês. Faltava o acabamento final: alguns polimentos e pronto! Iria fazer o teste prático que o lançaria como gênio do futuro em todas as enciclopédias da história e do tempo. Guardava no fundo da choupana dois litros família de Coca-Cola deteriorada, que seriam usados como combustível. A bateria perfeita que encontrou para mover o invento era um pequeno cérebro de pombo, que ele conseguiu conservar intacto à custa de gelo e serra de madeira. Segundo Lupo, o cérebro moveria qualquer nave terrena. Era um processo de Ioga-Mental. A concentração do vôo de um pássaro mentalizado no cérebro de um homem. A cadeira serviria de móvel relansante. Os miolos do pombo seriam incrustados na cadeira para que ela servisse de membros da ave. Apenas de armação. Os impulsos concentrados seriam o motor. Um veículo que levita, que voa. Era telepatia-dirigida, dizia Neon Lupo de Gás. Um pássaro humano.Neon Lupo não sabia de uma coisa: quem teria lhe dado esse nome? Nunca soube quem foram seus pais. O povo dizia que assim era chamado por causa de sua magreza. Um "bicho" mais atrevido chamou-o um dia de Tripa Fosforescente. Maldade grossa, que ele guardou num baú profundo, fechado a exemplo das herméticas salas do Apocalipse.Passaram-se três dias e Neon aperfeiçoou seu invento. Poliu-o com a saliva fabricada em sua própria boca. Abasteceu-o com o conteúdo dos litros de Coca e quedou-se um instante para contemplar o seu invento. Sentiu necessi-dade de um nome para batizar a nave. E com um brilho estranho nos olhos chamou-a de PÁSSARO CATIVO.Fez os últimos preparativos, sentou-se nela várias vezes e marcou para o dia seguinte a prova final. Nessa noite Neon Lupo de Gás não conseguiu dormir. Ansioso, esperava o olho do dia. Faminto, engoliu todas as baratas. Exultante, ouviu os berros do falo.E às nove horas dessa manhã, Neon ajustou os controles da máquina com a vibração do seu pensamento. Precisava obter uma perfeita concentração para conseguir a sintonia do pássaro. O cérebro do pombo palpitava, ativado pela Coca deteriorada. Antes, achou por bem derrubar as quatro paredes que o rodeavam. Ele e o Pássaro Cativo não precisariam mais delas,pois a faina o esperava e, com ela o conforto. Com fúria, empurrou as frágeis paredes e elas desabaram como papel.Lupo agora estava sentado na cadeira, seu olhar era mais estranho ainda. E ouviu-se um ruído que saía do invento, semelhante, ao de muitos pássaros batendo assas. Nessa hora os moleques correram da rua. Pardal passara a ser uma as-sombração, tamanho era o absurdo daquela visão de conto de fadas.Neon fitava um ponto inexistente. Os olhos não batiam, nem ouviria qualquer ruído que se fizesse a seu redor. Então a nave começou a levitar. E, lentamente como num palco de magia, parou a uma altura de três metros do solo.A essa altura, os vizinhos e demais habitantes do bairro corriam para ver aquela aparição no céu. Para eles era o fim que se anunciava. Neon sentiu ter adquirido o controle total da mente da ave. Seu cérebro era agora o de um pombo aprisionado, louco para voar. Houve a transmutação. Afinal foram anos e anos de prisão interior e exterior. Olhou com desdém aquelas pessoas lá em baixo e impulsionou o pensamento para a frente. A nave deslizou no ar como Trenó de Papai Noel. Lançou uma vontade de 50 km e a velocidade foi escrava do seu pensamento. Atingiu a praia e, com um olhar para a direita, fez com que o aparelho seguisse dócil a rota por ele determinada. Contemplando Tambaú de um ponto onde era o único mortal a fazê-lo, Neon sentiu um prazer imenso. Alguns banhistas desmaiavam, primeiros carros de encontro às árvores e o Pássaro Cativo ganha toda a atenção da praia. Neon sentiu que sobrevoava o Hotel Tambaú. E deu a primeira exibição do seu engenho, com um leve desejo desceu em looping, descrevendo uma volta triunfante no interior do hotel. Alguns turistas mais otários acharam interessante, outros continuaram batendo fotos. Só um garçon do bar o reconheceu. Não pôde esconder o seu assombro ao ver Neon sentado naquela coisa que voava e sua reação foi chorar descontroladamente. Neon indicou uma nova rota com seus dois olhos fundos e estranhos,e o pássaro seguiu-o, fiel e obediente. A uma altura de 5 metros do solo, Neon sentiu vontade de testar o controle de velocidade da nave. Pensou em 100 km e obteve-os facilmente. A mente e a nave eram um pássaro só. E foi a 100 km por hora que Neon deu um pique do início da Epitácio Pessoa até o seu final, num magnífico vôo de precisão e controle. Reteve a velocidade como um rolo de papel higiênico.Neon pretendia dar, no centro da cidade, sua demonstração máxima do engenho. Deslizou calmamente pela avenida Tambiá, retendo 40 km como velocidade. Dezenas de carros espavoridos já o seguiam, buzinando loucamente. Incrédulos, batiam nas árvores. Atropelos, gritos e berros deram música aos ouvidos de Neon. Pessoas tentavam correr atrás procurando descobrir o lógico do que estava acontecendo. Chamaram a rádio-patrulha. Chamaram o corpo de bombeiros. Ambos recusaram-se a vir porque acharam o motivo ridículo de se crer.Em frente ao Colégio Pio XII Neon concentrou-se em 30km mas concentrou-se a uma respeitável altura de 50 metros. Segue levemente a rua Duque de Caxias. A multidão, atrás, seguia esbugalhada. Um pânico de terremoto. O pássaro seguia, indiferente a tudo. Chegando no Viaduto parou em pleno ar, assombrando ainda mais a platéia abismada. Ali ficou durante alguns momentos, estático. Neon aproveitava o ensejo público para se apresentar ao povo como inventor do século XXI. Levantou a mão num gesto de quem pede silêncio. Tudo calou. Os edifícios daquela área já se encontravam apinhados de gente pelas janelas. Parecia que os prédios iam vomitar os curiosos. Um silêncio de tumba se fez. Neon berrou a plenos pulmões:Ouça-me, povo da Paraíba. Lembram-se de mim? Sou Neon Lupo de Gás. Um dos que pertencem à classe de Caixa D'Água, de Mocidade, de Vassoura, de Pedro Corredor. Hoje é um dia diferente. Trago uma invenção, minha, para que todos vejam como prova de minha capacidade de inventar. Esse aparelho no qual estou sentado, é de minha criação. Com ele, nosso Estado será respeitado como berço das invenções do futuro e EU serei respeitado também. Não seremos mais capacho da ignorância dos nordestinos. Quero que as autoridades me ouçam com atenção e respeito para que possamos estudar mutuamente os inestimáveis serviços que este aparelho pode oferecer à humanidade. Continuo agora minha demonstração. Por favor procurem se controlar. Vejam evitando atropelos. Adeus!Dito isso, retomou o movimento da nave, dirigindo-se até o Palácio da Justiça onde contorna a praça, causando novamente o impacto, na lógica acomodada. Em frente ao prédio da Assembléia, numa manobra digna de um piloto espacial, Neon encostou o aparelho junto à parede e deteve-se para admirar os símbolos de aço que formavam o mural da fachada de um prédio. Um dos símbolos era um pássaro, os outros pareciam-lhe como folhas caindo.Lá em baixo a multidão era uma só grande boca aberta, a baba corria como regato. Os olhos de todos tremiam, incrédulos.Néon já se sentia cansado e desejou voltar. Voltar para onde?Sua cabana não exisita mais. Teria que procurar um local adequado para pousar o Pássaro Cativo. Sua mente pedia repouso e calma. O aparelho tomou a direção do Parque Solon de Lucena. Chegando à Lagoa, num orgulho próprio de vencedor, descreveu nova volta olímpica, deixando, na periferia, pessoas gesticulando e correndo.Em seguida tomou a ladeira que vai dar no Liceu a uma velocidade lenta, para que os estudantes também o vissem. Desejava que os jovens o apoiassem o quanto antes. Todos os alunos abandonaram as classes em balbúrdia e "zorra". – Um homem sentado numa cadeira passou voando ali, mesmo em frente deles! – É incrível! rosnou uma "cocota"! – "Porra"! gritou um moleque. – "Meu Deus"! gritaram as senhoras. Criou-se imediato número de pessoas a se chocarem e a se empurrarem, em pânico. Era uma visão de Nostradamus.A passeata seguiu incólume atrás do aparelho. Sempre crescendo e sempre rugindo. Ao cruzar o sinal da Maximiano Figueiredo, Neon ouviu um apito do guarda de trânsito. Voando a 3 metros de altura,seu vôo passou como nuvem, por cima do cruzamento.O guarda atirou bem na cabeça de Neon Lupo de Gás. Com um revólver que puxou da cintura. O baque do aparelho fez-se ouvir, caindo no terreno do prédio do DER. Neon, com os miolos estourados, parecia um manequim, depois do incêndio. Seus olhos ainda eram estranhos. O Pássaro Cativo se espalhou em pedaços pelo gramado. A multidão cercou o local. Grande Babel se estabelece, entre as diversas versões do acontecido. Chegam as autoridades. A cabo de instantes controlam a sinagoga. Trouxeram o guarda que desferiu o tiro mortal. Um moreno suado e bárbaro, pelo jeito de falar.– Porque atirou no rapaz? perguntaram-lhe.– O sinal estava fechado! respondeu o guarda.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Deus e o Jardim das Delícias

Da Folha on Line


Já que a comparação que fiz entre missas e comportamentos histéricos em minha coluna da semana passada irritou bastante gente, proponho hoje desenvolver um pouco mais o tema.
Convenhamos que religião e nosso conhecimento do mundo não andam exatamente de braços dados. De um modo geral, virgens não costumam dar à luz (especialmente não antes do desenvolvimento de técnicas como a fertilização "in vitro") e pessoas não saem por aí ressuscitando. Em contextos normais, um homem que veste saias e proclama transformar pão em bife sempre que dá uma espécie de passe seria prudentemente internado numa instituição psiquiátrica. E não me venham dizer que a transubstanciação é apenas um simbolismo. Por afirmar algo parecido --a "impanatio"--, o teólogo cristão Berengar de Tours (c. 999-1088) foi preso a mando da Igreja e provavelmente torturado até abjurar sua teoria. Ele ainda teve mais sorte que o clérigo John Frith, que foi queimado vivo em 1533 por recusar-se a acatar a literalidade da transformação.
Quando se trata de religião, aceitamos como normais essas e muitas outras violações à ordem natural do planeta e à lógica. A pergunta que não quer calar é: por quê?
Ou bem Deus existe e espera de nós atitudes exóticas como comer o corpo de seu filho unigênito ou o problema está em nós, mais especificamente em nossos cérebros, que fazem coisas estranhas quando operam no modo religioso. Fico com a segunda hipótese. Antes de desenvolvê-la, porém, acho oportuno lembrar que a própria pluralidade de tabus ritualísticos depõe contra a noção de Verdade religiosa.
Se existe mesmo um Deus monoteísta, o que ele quer de nós? Que guardemos o sábado, como asseguram judeus e adventistas; que amemos ao próximo, como asseveram alguns cristãos; que nos abstenhamos da carne de porco, como garantem os muçulmanos e de novo os judeus; ou que não façamos nada de especial e apenas aguardemos o Juízo Final para saber quem são os predestinados, como propõe outra porção dos cristãos?
Talvez devamos eliminar os intermediários e extrair a Verdade diretamente nos livros sagrados. Bem, o Deuteronômio 13:7-11 nos manda assassinar qualquer parente que adore outro deus que não Iahweh; já 2 Reis 2:23-24 ensina que a punição justa a quem zomba de carecas é a morte. Mesmo o doce Jesus, fundador de uma religião supostamente amorosa, em João 15:6, promete o fogo para quem não "permanecer em mim".
E tudo isso em troca do quê? A Bíblia é relativamente econômica na descrição do Paraíso, mas o nobre Corão traz os detalhes. Lá já não precisamos perder tempo com orações e preces, poderemos beber o vinho que era proibido na terra (Suras 83:25 e 47:15), fartar-nos com a carne de porco (52:22) e deliciar-nos com virgens (44:54 e 55:70) e "mancebos eternamente jovens" (56:17). O Jardim das Delícias parece oferecer distrações para todos os gostos, mas, se banquetes, prostíbulos e saunas gays já existem na terra, por que esperar tanto... --poderia perguntar-se um hedonista empedernido.
Volumes e mais volumes podem ser escritos para apontar as incoerências e desatinos dos chamados textos sagrados. Se acreditamos que um Deus pessoal chancelou ou ditou cada uma dessas obras, temos, na melhor das hipóteses, um Ser Supremo com transtorno dissociativo de identidade, também conhecido como personalidade múltipla. Espero que, no fim dos tempos Ele esteja judeu de novo. Tenho um primo que faria bom uso do Paraíso...
Voltando às coisas sérias, uma possibilidade mais plausível é que o chamado cérebro espiritual, os módulos neuronais que criam e processam ideias religiosas, seja menos permeável aos circuitos lógicos. Quem faz uma interessante análise do problema é o médico e geneticista americano David Comings em seu monumental "Did man create God?", uma ampla revisão de quase 700 páginas em que o autor esmiúça o caso de Deus sob todas as vertentes da ciência, em especial a neurologia.
Para ele, ao contrário do mais provocativo Richard Dawkins, a religião dá prazer, foi fundamental na evolução de nossa espécie e só será extinta quando o último homem morrer. Mais importante, Comings acredita que os cérebros racional e espiritual, embora funcionem de modo independente um do outro, podem de algum modo ser conciliados no que o autor chama de "espiritualidade racional". Cuidado aqui, o espiritual é uma esfera que abarca a religião, mas é mais ampla do que ela. Inclui outras tentativas de tocar a transcendência.
Num resumo algo grosseiro da mensagem central de Comings, só o que precisaríamos fazer é admitir que foi o homem que criou a ideia de Deus e escreveu os livros supostamente sagrados. Assim, nenhuma religião é verdadeiramente "a Verdadeira" ou intrinsecamente superior às concorrentes. Já não é necessário que guerreemos para descobrir se é o Deus cristão ou muçulmano que está certo. No limite, entregamos Deus para conservar uma espiritualidade menos belicosa, que nos permita a experimentar a transcendência a baixo custo.
É uma proposta engenhosa, mas, receio, muito difícil, quase impraticável. O monoteísmo já traz em germe a ideia de que existe um único caminho para a salvação e todo os que não o seguem estão condenados. Embora a maioria das pessoas consiga enxergar e valorizar as semelhanças entre os Deuses das várias religiões, sempre emergirão grupos mais intolerantes que exigirão o exclusivismo. Por paradoxal que pareça, não se os pode acusar de irracionais. Eles apenas levam realmente a sério o que está escrito. Numa abordagem puramente lógica, o Deus dos católicos e o de Calvino, por exemplo, não podem estar certos ao mesmo tempo. O conflito é uma decorrência do cérebro racional processando uma ideia espiritual.
É claro que podemos e devemos incentivar posições pró-tolerância como a de Comings. Os níveis de guerras religiosas variaram ao longo das épocas, num processo que certamente tem algo a ver com o modo mais ou menos pluralista utilizado pelos clérigos em suas prédicas. Não devemos, contudo, ser ingênuos a ponto de imaginar que o conflito possa ser extinto. O mundo é um lugar cheio de problemas.
De minha parte, embora ímpio contumaz, também acredito em transcendência. Para mim, ela está em atividades biologicamente inúteis às quais nos dedicamos e atribuímos valor, como literatura, música, pintura, filosofia e, por que não?, teologia. Elas podem ser extremamente prazerosas e, no limite, preencher nossas vidas com um significado que a natureza apenas não lhes dá. Mas não é porque a literatura nos leva à transcendência que devemos achar que Aquiles ou Brás Cubas existem.



Hélio Schwartsman, 44, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

"A ajuração" - Do blog do Saramago.

Direto do Blog do José Saramago, a ajuração de Galileu Galilei. Leia como a Igreja Católica Apostólica Romana subordinou Galilei.


A ajuração
By José Saramago

A quem possa interessar:

"Eu, Galileu Galilei, filho do falecido Vincenzo Galilei, de Florença, com 70 anos de idade, tendo sido trazido pessoalmente ao julgamento e ajoelhando-me diante de vós. eminentíssimos e reverendíssimos Cardeais Inquisidores-gerais da Comunidade Cristã Universal contra a depravação herética, tendo frente a meus olhos os Santos Evangelhos, que toco com as minhas próprias mãos, juro que sempre acreditei e, com o auxílio de Deus, acreditarei de futuro, em cada artigo que a sagrada Igreja Católica de Roma sustenta, ensina e prega. Mas porque este Sagrado Ofício me ordenou que abandonasse completamente a falsa opinião, a qual sustenta que o Sol é o centro do mundo e imóvel, e proíbe abraçar, defender ou ensinar de qualquer modo a dita falsa doutrina.
[…] Eu desejo remover da mente de Vossas Eminências e da de cada cristão católico esta suspeita correctamente concebida contra mim; portanto, com sinceridade de coração e verdadeira fé, abjuro, maldigo e detesto os ditos erros e heresias, e em geral todos os outros erros e seitas contrários à dita Santa Igreja; e eu juro que nunca mais no futuro direi, ou afirmarei nada, verbalmente ou por escrito, que possa levantar semelhante suspeita contra mim, mas se eu vier a conhecer qualquer herege ou qualquer suspeito de heresia, eu o denunciarei a este Santo Ofício ou ao inquiridor Ordinário do lugar onde eu estiver. Juro, além disso, e prometo que cumprirei e observarei todas as penitências que me foram ou sejam impostas por este Santo Ofício.

Mas se por acaso eu vier a violar qualquer uma de minhas ditas promessas, juramentos e protestos (o que Deus não permita), sujeitar-me-ei a todas as penas e punições que forem decretadas e promulgadas pelos sagrados cânones e outras constituições gerais e particulares contra delinquentes assim descritos. Portanto, com a ajuda de Deus e de seus Santos Evangelhos, que eu toco com as minhas mãos, eu, abaixo assinado, Galileu Galilei, abjurei, jurei, prometi e me obriguei moralmente ao que está acima escrito, e, em fé de que, com minha própria mão, assinei este manuscrito de minha abjuração, o qual eu recitei palavra por palavra."


Foto dedicada a Wilson Bernardo


Wilson Bernardo,
Estive no Pantanal. lembre-me de você.
Abraço.

QUASE LIBERDADE

Embora pouco, ainda tenho muito pensado
Na pena das asas dos anjos que tornam
A tocar minha face quando sonho,
Num sonho de bêbado onde as putas recitam poemas
Onde poetas recriam os mundos
Dourados como a cárie dos dentes dos bêbados
Que palitam sob a luz da lua,
Sob o som dos ratos, som da lembrança
Das danças fugazes, das valsas que dançastes
Entre moças e rapazes em sua velha juventude

Embora o acaso dos dias infindos
Onde sóis e luas carcomem o meu rosto
Onde letras carcomem meus olhos
A mente burila idéias de fuga dos mundos
Onde bigornas nos bolsos carrego
Onde grilhões me mordem os passos
Onde juízes me podam pecados

Eu voo, embora me queiram por perto
Eu voo, embora sorriam os gênios sem obras
Embora não exista Lei Áurea para casos perdidos
Para mendigos, putas ou bêbados,
Existe o sorriso que teima na treva
Existe para nós o que jamais tu percebeste
Um veneno mortal ou uma chave que nos dá asas
Chamada poesia.

Embora pouco, ainda tenho muito pensado
Embora peso, ainda muito tenho voado.

Imagem: Antonio Mateus
Fonte: http://br.olhares.com/

Diálogo entre dois Zés

"Vixe como tem Zé, Zé de Baixo Zé de Riba..."

Diálogo imortal entre dois Zés: Sarney e Saramago

Bestial e genial troca de twitts entre dois autênticos zés manés: o coroné travestido de escritor José Mané Sarney e o escritor super valorizado de coroné José Mané Saramago.

Uma criação imortal do editor do UOL Tablóide.

PS: embora considere ambos igualmente medíocres, há que se fazer justiça: pelo menos o Saramago não tentou o senado pelo Amapá. Ainda...

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josesarney: caro colega escritor, como José, estou indignado com a perseguição que estamos sofrendo no twitter

saramago: escrevo curtamente, porque curto é o espaço, espaço que não deveria ter limites, mas tem, todavia, contra suposta vocação da inter

josesarney: como dizia, tenho tentado explicar, da forma mais transparente possível, todos os meus atos, secretos ou não

saramago: da internet, e no exíguo espaço, antes de reduzi-lo a ruídos, rumores ou roncos grunhidos como grunho forte, daqueles que metem me

josesarney: assim como tentei explicar a qualidade de minha vasta obra literária, que apenas alguns críticos conseguiram compreender

saramago: lamento não só a falta de caracteres e de caracteres (mantenho a grafia portuguesa que o acordo ortográfico pretende matar), que

saramago: que permeia a vida virtual, que inexiste virtualmente, alheia ao real que nos rodeia, ainda que não o percebamos, como também a pe

josesarney: como assim, falta de caráter? Você é mais um desses provocadores, que não acreditam que eu não sei o que é ato secreto?

saramago: permissão que se confunde lamentavelmente com a pior das permissividades, humanos agredindo e agredindo-se sem razão ou sem limite

josesarney: não estou entendendo a sua posição, colega José. Você também entrou para o #forasarney?

saramago: incendiários digitais que querem tudo transformar, que jamais compreenderão o sentido de orações subordinadas repletas de vírgulas

josesarney: caro Saramago, sou um admirador de seus livros, que um assessor leu-me e gostou, jamais imaginaria que estivesse do outro lado

saramago: vírgula, suprema pontuação, que guarda em si porvir e passado, e que amarra as pontas da vida, como queria a personagem de Machado

saramago: que tentou sem sucesso uni-las, as duas pontas, a de lá e a de cá, como forma de recuperar o grande amor que nunca veio a conhecer

saramago: ou seja, o de Capitu, a virgem dos lábios de mel, já vinha eu a dizer, equivocadamente, confundindo-a com outra musa das letras do

saramago: outra musa literária brasileira, a do Alencar, não o vice, mas o escritor, como eu, que não soube bem dividir vida política de vid

saramago: literária, não misturando-a em demasia, apesar de defender umas ultrapassadíssimas ideias sobre a vergonhosa escravidão brasileira

josesarney: então, desculpe, não consegui acompanhar seu raciocínio, mas queria dizer que a crise não é minha, é do Senado

saramago: escritor que foi senador como o senhor, aliás, e que, apesar duma lamentável defesa da escravidão, que já citei, deixou obras bela

josesarney: como eu!

saramago: diferentemente de outros escritores brasileiros, que até presidente da República foram, mas que nem de longe deixaram a obra-prima

saramago: esses 140 toques me deixam doudo! Como já dizia, obras como Iracema, com seus olhos de cigana dissimulada, já ia dizer, a novament

saramago: a novamente confundi-la, Iracema, com Capitu, do imortal Machado de Assis, um escritor de capítulos curtos, curtíssimos, por vezes

saramago: curtos demais para o meu pobre gosto, que sempre fui autor de livros e parágrafos intermináveis, intermináveis, mesmo sem o limite

saramago: RAIOS! O limite dos 140 toques, aliás, cento e quarenta, por extenso, que fica mais interessante e bonito que os míseros 140 toque

josesarney: caro Saramago, cansei de segui-lo no twitter. Afirmo, só, que não deixarei a cadeira, a menos que o presidente Lula deixe a sua

saramago: a minha? Que cadeira, pois, estás maluco, opá? Não é que consegui escrever uma mensagem que não é um grunho dentro daqueles 140 to

josesarney: fui!

saramago: foste? já avisaste a imprensa? Pois imagino eu como ela reagiria com tal declaração inesperada e imperiosa, tamanha gente a aguard

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Escrito por Marcelo Tas