TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Balada para uma abalada Paris



Paris é uma festa (Scott Fitzgerald dixit). E bela, muito bela. Contudo, o que mais me impressionou,  maravilhando-me,  foi à "meia-noite em Paris" poder andar sem medo pelas ruas ao lado de velhos, jovens e crianças; comprar um vinho em uma quitanda com suas prateleiras inclinadas expostas nas calçadas, repletas de frutas e verduras reluzentes; conhecer um simpático migrante muçulmano em um típico restaurante turco. Tudo em plena madrugada.

Paris nem precisaria de Champs-Élysées, da Torre Eiffel, do Arco do Triunfo, do Louvre, de Notre-Dame. Bastaria suas ruas tranquilas com suas quitandas e seus cafés, o Sena e Montmartre. Bastaria que sob a Cidade da Luz jamais caísse treva alguma, e não corresse sangue pelas suas charmosas calçadas e suas ruas calçadas de pedra.

Fiquei triste e abalado com mais esse atentado em Paris. No momento, lembrei, imediatamente, uma canção que compus recentemente. A letra é um poema de Geraldo Urano, que consta do seu livro Vaga-Lumes. No original, Geraldo não fala em Paris, apesar de Paris ser recorrente em sua poética. Ele cita Detroit. Mas intuitivamente troquei Detroit por Paris. A canção agora é, para mim, emblemática. Por isso acrescentei um subtítulo - Balada para uma abalada Paris. Um trocadilho bobo. Um clichê. Um pastiche. Mas é, para o momento, por demais sintomático, e, pelo menos agora, necessário.

Precisamos, pois, cantar a paz. O mundo não precisa mais de Vietnãs, dos mil Vietnãs pretendidos por Che, mas de mil Ilhas de Wight, mil Nashvilles, mil Monterreys Pop, mil Woodstocks.

A LETRA

Me procure em seu coração
Este é o endereço mais próximo
Onde você pode me encontrar

Na sua cidade eu apenas nasci
E o mundo tem muitas cidades
Como o céu tem muitas estrelas

E como o vento estou sempre em movimento
Posso estar agora no planalto central
E logo mais em Paris

Por isso me procure em seu coração
Onde você pode me encontrar


A CANÇÃO

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Quando um grupo de jovens, aparentemente do Rio e São Paulo, usam a rede social para exprimir preconceito racial algumas dúvidas se apresentam. Primeiro onde este pessoal incorporou  um atraso deste, quando tudo no país avançou em termos de direitos sociais e respeito cidadão. 

Os pais teriam alguma razão, aquele discurso preconceituoso contra o ex-presidente Lula, o Bolsa Família, o nordestino parasita e outros venenos mais. Estou falando do grupo de jovens que com perfil fake manifestaram preconceito contra a atriz Taís Araújo.

Então pela coincidência de nomes surgiu esta montagem:


terça-feira, 3 de novembro de 2015

LEMBRANDO DO CRATO - Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (*)


Solenemente, o velho sentou no banco da praça, fechou os olhos e reviveu a época breve em que morou no Crato. Naquele tempo, aos quatorze anos, he’s leaving home. O primeiro a deixar o ninho, ele jamais esqueceria o choro da mãe e a esperança do pai e teria uma vida inteira a disfarçar certa tristeza e solidão.

Aliás, era um domingo, havia muita gente na Siqueira Campos ou tomando sorvete no Bantim. O Cine Moderno exibia “A Noviça Rebelde,” mas ele preferiu o Cassino e “O Professor Aloprado” – nessa noite, Jerry Lewis seria melhor pro coração.

Quando voltou à pensão, as horas passaram devagar, lágrimas no travesseiro e o tic-tac na parede madrugada afora. De manhã, o Diocesano. Haveria que ser forte e organizado nessa luta desigual. E nos fins-de-semana, de ônibus ou de trem, ia e voltava de casa. No jogo de botão, Fechine, saudoso amigo, sempre ganhava, mas ele reforçaria o time, treinaria mais e da próxima vez venceria o campeonato.

O choro da mãe e a certeza do pai... O trem chegando, a cidade quase deserta, o silêncio da noite, o medo invadindo tudo e ele andando rápido: Praça da Estação, Rua da Vala, João Pessoa, Miguel Limaverde, entrava na pensão e adormecia amando loucamente a namoradinha de um amigo seu. Amanhã, aulas de novo, a vida seguindo o próprio rumo, the long and winding road se fazendo devagar. Recife era uma miragem e precisava estudar cada vez mais.

Nem telefone, nem TV, nem internet, mas a pensão era uma festa. A Araripe e a Educadora tocavam Jovem Guarda, “Aline” e “Os Verdes Campos do Meu Lar.” No final da tarde, uma volta na livraria. Pelos jornais do Rio, dois dias atrasados, Lacerda, Jango e Juscelino iriam formar a “Frente Ampla” e derrubar a ditadura. Outras tardes, na Escola Triunfo, aulas de datilografia com a Dona Soledade. A mãe achava importante, o Banco do Brasil era uma opção e ele guardou o diploma, não se sabia o que futuro iria aprontar.

E, sem nenhum rancor, lembrou-se da adolescente do Santa Teresa que acintosamente o ignorava. Ele era desajeitado e feio, até lhe faltava um incisivo, mas por que a humilhação? Onde estavam os pais e a Madre Feitosa que não deram educação a essa menina? Deixou pra lá... Aproximava-se a festa da padroeira e as suas colegas aparentemente o respeitavam. Houve um ensaio de jogral na Praça da Sé e elas cantaram “A Banda.” Pela primeira vez ele ouviu falar em Chico Buarque e tornou-se mais um admirador fanático desse gênio brasileiro incomparável.

E aí, veio a Miss Ceará, exuberante, desfilando de maiô no Tênis Clube, sob a música envolvente do Hildegardo. Ela sorriu, sentou no seu colo e sussurrou que o chalé do Granjeiro já estava acertado. Mas, um maldito “paredão de som” logo lhe acordou, disparando Ivete Sangalo. Alucinado, se deu conta de que estava só, saltou do banco, abriu os braços e explodiu furioso num gritou revoltado: só no Crato.


(*) Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (médico cardiologista, natural de Missão Velha, e apaixonado pelo Crato, atualmente reside e exerce o ofício em Fortaleza)