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domingo, 15 de março de 2009

A cidade medieval.


O mercado na economia feudal

Ao abordar o tema da cidade medieval nas aulas de História Econômica Geral, destaco o fato de que a mesma é parte do sistema feudal que vigorava na Europa. Ao contrário de tese muito difundida de que "as cidades medievais eram capitalistas", a cidade medieval, conhecida também por "burgo" ou "comuna", era feudal. 

Talvez a associação da cidade medieval ao capitalismo se dê pela confusão que se faz entre dinheiro e capital, ou a associação direta entre comércio e capitalismo. Mas o que importa é desmistificar essa questão. 

Perry Anderson na obra Passagens da Antiguidade ao Feudalismo dá uma aula magistral sobre o tema. Apresento uma síntese: 

1- A maioria das cidades medievais tinha proteção ou era patrocinada pelos senhores feudais com o objetivo de açambarcar comércios locais ou de longa distância.

As cidades medievais possuíam autonomia relativa. Inicialmente dominadas pelos agentes senhoriais (Inglaterra) ou por pequena nobreza residente (Itália).

Os patriciados urbanos tinham origem nos intermediários feudais, mercadores ou artesãos prósperos.

 2- O trabalho era regulamentado pelas corporações de ofício, não havia separação entre os produtores e os meios de produção e os pequenos empregadores formaram uma massa plebéia abaixo da pequena oligarquia.  O governo municipal variava conforme o peso das atividades manufatureiras e mercantis.

 Caráter coletivo, regulação por corporações, inserção nos marcos feudais, impedem qualquer confusão entre as comunas medievais e as estruturas capitalistas.

 3- Essa economia tinha uma característica peculiar: o capital mercantil podia realizar altos lucros comprando barato e vendendo caro as mercadorias.

 O apogeu das fortunas patrícias estava na atividade banqueira, com taxas de juros astronômicas nos empréstimos extorsivos.  A economia também estava indissocialmente ligada ao comércio e transporte marítimo do Mar Mediterrâneo.  Havia um superávit comercial com a Ásia.


 Para Perry Anderson, a condição estrutural da possibilidade deste poder urbano era parcelarização da soberania no modo de produção feudal. Isto permitiu a autonomia das cidades medievais. A comuna é um símbolo desta situação.

Sobre o fato da cidade medieval ser feudal, Pierre Vilar nos dá uma explicação magistral: 
 
"Falar de 'capitalismo' antigo ou medieval porque existiram financistas em Roma ou mercadores em Veneza, é um abuso de linguagem. Esses personagens jamais dominaram a produção social de sua época, assegurada em Roma pelos escravos e na Idade Média pelos camponeses, sob diversos estatutos da servidão. 
Quanto à produção industrial da época feudal, sabemo que era obtida quase que exclusivamente sob a forma artesanal e corporativa.  O mestre artesão, compromete, por sua vez, seu capital e seu trabalho, e alimenta em sua casa seus companheiros e seus aprendizes. Não há a separação entre os meios de produção e o produtor, não há uma redução das relações sociais a simples laços de dinheiro, portanto não há capitalismo. " 

VILAR, Pierre. A transição do Feudalismo ao Capitalismo, in: SANTIAGO, Theo (org.). Do Feudalismo ao Capitalismo – uma discussão histórica. São Paulo: Contexto, 2003, p 38. 
 
Dessa maneira, quando estudar a cidade medieval com toda a sua história e riqueza, leve em consideração que ali existiu o feudalismo. Não confunda uma economia com mercado com uma economia de mercado. Essa é a minha dica. 

4 comentários:

Eu, Thiago Assis disse...

o senhor feudal dono daquele terreno em que ficava o burgo exercia alguma influencia nas atividades comerciais realizadas pela cidade?
Acho que deixei passar essa pergunta nas aulas sobre feudalismo..

Unknown disse...

Thiago,
As cidades dependiam dos senhores, mas com seu crescimento, se rebelaram e obtiveram “cartas de franquia”, onde dentro de seu território, os habitantes eram livres.
Este despontar de cidades livres teve um alcance limitado porque não modificou o modo e as relações de produção da quase totalidade da população, que continuou sendo camponesa.

Nas maiores cidades continentais, residiam burgueses e antigas famílias aristocráticas, donas de terras nas cidades e nas vizinhanças. Em muitas cidades italianas essas famílias feudais dominaram o governo urbano.

Em muitas cidades inglesas, os membros das Guildas retinham grande parte de status agrícola e a cidadania estava ligada à posse de um lote ou de uma casa dentro dos limites urbanos.

O método dos cidadãos adquirirem renda: venda ou arrendamento de terra urbana, pequena produção comercializada nos arredores. A produtividade do trabalho era pequena assim como a unidade de produção.

Quem trata desse assunto é Maurice Dobb no livro, A Evolução do Capitalismo.

Eu, Thiago Assis disse...

Ahhh, eu imaginava como sendo algo separado, tipo, o senhor num pedaço de terra até que distante do burgo apenas ganhando com impostos
e não ele e toda a familia morando na cidade..

obrigado pelo esclarecimento =]

Unknown disse...

Sim, havia senhores que vivam longe dessas cidades e outros que não.
A alta nobreza preferia a distância.