TRIPULANTES DESTA MESMA NAVE

segunda-feira, 16 de março de 2009

Psicanálise

Deixei para esta noite
nosso lance.

Meus olhos bem limpos,
as unhas cortadas.

Agora diante do seu silêncio
pergunto-me por que acredito.

Já nos perturbamos tanto
que até esquecemos

a quem pertence
a tímida sombra.

A infância não se foi totalmente -
aquelas manchinhas brancas nas unhas
ainda sobrevivem apesar da sujeira.

Pensava que cada risco era uma nova mentira.
Agora tenho absoluta certeza que nunca menti.

Deixei conscientemente
para esta noite nosso lance.

Nada macabro
nem nada piegas.

Na verdade,
minha dúvida sempre foi -
se o seu silêncio também é o meu.

Por isso cortei as unhas
e limpei os olhos -
para que falasse.

Como não poderia ser diferente -
acabei estragando o meu silêncio
reclamando da sua falta de assunto.

Deixe-me ver sua mão -
Engraçado, não há manchinhas brancas.

Olha, não havia percebido -
Seus dedos tremem.

E esses óculos no espelho
são meus ou seus?

O nariz é meu.
A testa é minha.

Se somos dois por que não lhe ouço?
Talvez então o seu silêncio as vozes.

A luva cirúrgica,
a máscara cirúrgica.

Deitemos.

A remoção do lobo frontal
inicia-se sem mais delongas.

Não esqueça da minha memória.

Um comentário:

José do Vale Pinheiro Feitosa disse...

Domingos como era de se esperar um outro Domingos. Ao invés dos seus painéis de observação múltipla, do inicio ao fim a manchina da mentira, que é e não é o tempo todo. Isso é poesia, canto humano, como fazem os pássaros em busca de suas fêmeas ( e vice-versa).